Um papo sobre moda inclusiva com Michele Simões

por Giovana Marcon

Acho que podemos combinar que vivemos todas em uma bolha, né? Consumimos produtos e conteúdos que estão dentro dos nossos padrões pessoais e nem sempre lembramos de olhar para o lado. E em tempos de quarentena, em que estamos resignificando nossos hábitos e adaptando nossas vidas à situação, queremos te chamar discutir a importância da moda inclusiva.

Por isso convidamos a estilista, consultora de estilo, palestrante do TEDx e idealizadora do projeto Meu Corpo Real, Michele Simões, para contar mais sobre seu projeto de inclusão e dar voz aos deficientes - que merecem uma moda que deve ir muito além do produto adaptável. Conversamos sobre acessibilidade na comunicação de moda, na criação de produtos e o que podemos fazer para deixar a moda inclusiva cada vez mais, de fato, inclusiva. Vem com a gente:

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Eu sou uma mistura de tantas coisas - cabeça de geminiana é sempre difícil, né? Mas acho que eu sou uma pessoa que está na busca de alinhamento entre o meu propósito pessoal e aplicar isso dos projetos que eu toco profissionalmente. É o que permeia a minha vida, o que faz parte de mim e me traz sentido. 

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Fazer com que o mundo perceba as pessoas com deficiência como pessoas, e eu escolhi fazer isso através da moda. Acho que a moda é um veículo muito poderoso de comunicação, é uma ótima ferramenta para quebrar estereótipos. Eu vivi tudo isso na prática. Me desconstruí de um corpo padrão - eu sofri um acidente de carro que ocasionou em uma paraplegia. E dentro desse "novo" corpo eu fui descobrindo uma nova pessoa, e a moda me ajudou a fazer isso. E minha maior motivação é poder levar essa inclusão, essa desconstrução sobre as ideias relacionadas à pessoas com deficiência através da moda.

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A moda inclusiva tem o objetivo de incluir pessoas que o mercado de moda não abarca. Quando a gente fala de corpos com deficiência, a gente está falando de um público que está começando a ser percebido como cidadão. Eu costumo dizer que a gente ainda está sendo percebido como pessoa no mundo. Então quando a gente direciona isso dentro da moda, você precisa envelopar uma série de coisas que ainda não são faladas - desde a comunicação desse corpo, da representatividade, do atendimento em loja, do produto de moda em si. É muito comum as pessoas acharem que a deficiência é só fisica, mas temos que contemplar uma série de pessoas com diferentes deficiências, e esse é o maior desafio.

Temos que trabalhar com urgência a comunicação, a representatividade e a informação do produto de moda para conseguir chegar num meio termo. Porque, por exemplo, o fato de eu estar sentada em uma cadeira de rodas não quer dizer que eu tenha as mesmas demandas que outra pessoa paraplégica possa ter. É aí que a gente encontra as principais dificuldades de se alinhar essas demandas dentro de um público tão extenso. Para isso, precisamos de fato incluir pessoas com deficiência nesse debate, levar essas pessoas para dentro das marcas, conversar com elas, entender não apenas questões de uma modelagem funcional, mas entender também como se trabalha essa comunicação - se as mídias sociais têm descrições das fotos, se os stories da marca contemplam pessoas com deficiência auditiva e colocam legenda. São mudanças que são possíveis de serem feitas e que ao meu ver são muito importantes para que a gente consiga abrir espaço para as pessoas deficientes, para que elas tenham acesso não só à funcionalidade, mas também ao estilo do produto.

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O Laboratório de Empatias surgiu porque eu comecei a observar a vasta demanda que a gente tinha para começar a promover a inclusão dentro da moda. Então a gente não pode falar só de produto - ele é, sim, de suma importância -, mas a gente tem todo um ciclo dentro da moda que ainda não é percebido com inclusão e que precisa ser trabalhado. Ele surgiu como um caminho para a gente abrir um diálogo com as marcas, customizando ações sob medida. Já realizamos desde construção de material audiovisual para comunicação interna das empresas, consultoria na parte de produto, materiais edioriais contemplando representatividade e um styling que atende as necessidades desse consumidor. 

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Eu gosto muito do projeto Runway of Dreams, que deu início a essa real mudança na moda inclusiva. Eles fizeram uma parceria com a Tommy, que desenvolveu uma linha de moda inclusiva chamada Tommy Adaptive, e que, na minha opinião, é um dos principais projetos que consegue trazer uma moda que trabalhe identidade e funcionalidade. Eu também tenho estudado muito sobre slow fashion e gosto muito da Kate Fletcher. No Brasil, o André Carvalhal, da Ahlma, também é uma pessoa incrível que traz informações e questionamentos muito pertinentes. E a Chiara Gadaleta - acho que hoje, esses são os principais nomes que trabalham de uma maneira diferente e que propõem um novo pensar.

Falando em referência de estilo, eu gosto muito da Leandra Medine, do Man Repeller, e a Elisa Nalin.

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Desde que a moda começou a trabalhar no sentido contrário, ela tem falado muito mais de pessoas do que da velha tendência, do que era ditado e seguido. Então com isso a gente tem essa conexão muito forte da representatividade. Hoje, a rua determina o que vai ser usado e todo mundo quer ter uma voz dentro da moda. Todo mundo quer ser percebido. Agora é muito maior o movimento de pessoas que compram uma roupa porque querem algo que converse com sua identidade do que simplesmente olhar uma capa de revista e querer imitar o que está ali. Acho que a potência desse valor que a moda tem de promover essa comunicação e esse pertencimento é muito forte. E por isso é muito importante que a gente consiga, justamente, abrir esse espaço, abrir essa conversa de maneira verdadeira - e no caso das pessoas com deficiência, isso precisa acontecer para que elas sejam ouvidas. A gente ainda tem um véu muito grande sustentado pelo medo e pela falta de informação. Então esse encontro de pessoas que não têm uma deficiência e que nunca tiveram contato com esse público fica sempre distante, fica barrado por essa falta de comunicação. Para essa representatividade acontecer, a gente precisa convidar esse consumidor a dar sua opinião, a conversar com os criadores, com os comunicadores de moda para que esse véu desapareça e a real inclusão aconteça.

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Acho que nessa loucura que estamos vivendo agora, acho que ressignificar nunca fez tanto sentido. Acho que a moda vai, sim, sofrer um impacto com tudo isso e, ao meu ver, ressignficar a forma de produção e de construção de identidade das marcas vai ser reformulada.

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