Não podemos negar que o BBB faz parte do cotidiano de muitos brasileiros e muitas das coisas faladas ali repercutem nas redes sociais. Na última segunda-feira (5), durante o jogo da discórdia, João Luiz expôs aos demais participantes - e ao público - um comentário feito pelo cantor Rodolffo sobre o seu cabelo crespo. O cantor, ao receber uma fantasia de homem das cavernas, disse que a peruca era igual ao cabelo do João Luiz. O comentário causou tristeza e decepção em João, por ver um cabelo com aspecto de sujo e mal cuidado ser comparado com o seu black power.
Após o episódio, João comentou com a também participante do reality, Camilla de Lucas, sobre o quanto aquele comentário havia machucado e o deixado desconfortável, não por ter acontecido dentro do programa, mas por ser algo que ele ouviu durante toda a vida. Este é o ponto que precisa ser debatido: o preconceito, o racismo com cabelos crespos. O cabelo do João Luiz não parece uma peruca de homem das cavernas, mal cuidado e sujo, como Tiago Leifert disse na eliminação, o cabelo do João Luiz não é um penteado, é um símbolo de resistência e ancestralidade.
A dor do João é a mesma de várias pessoas negras. Ter os seus traços criticados, sendo motivo de brincadeira e comparação com algo que não é visualmente agradável ou bonito, é ofensivo, causa dor e tristeza. É importante termos a consciência de que a atitude de João, ao expor sua dor, não foi um ato bonito e necessário, mas sim um ato de coragem, de mostrar em rede nacional uma angústia dele e de muitos.
Não há necessidade de comentários como esses serem repetidos até hoje, não há necessidade que ele, João, ou qualquer pessoa explique o porquê aquele comentário foi errado, porque doeu. É violento ter que se explicar. Inclusive, tão violento que Camilla percebeu que João não havia sido escutado pelos participantes e reforçou o discurso do brother.
pesquisem porque estou cansada, estamos cansadas de toda vez ter que explicar sobre o nosso tom de pele, sobre o nosso cabelo
Camilla reforçou a importância de todos terem acesso a informações e que devem procurá-las. “Pesquisem porque estou cansada, estamos cansadas de toda vez ter que explicar sobre o nosso tom de pele, sobre o nosso cabelo”, disse ela. São termos e comparações que pessoas negras ouvem há anos, e estão cansadas de ouvir, de sentir a dor e, principalmente, de serem as responsáveis em sempre terem que explicar ao outro que o comentário foi racista.
Ela ainda disse que hoje usa lace, pois está no processo de transição para chegar ao mesmo cabelo do João Luiz. Camilla não utiliza a lace para esconder as suas origens, mas sim para trazer de volta o que à ela pertence e, que por tantos anos, foi ensinada a odiar e a desprezar os seus próprios traços.
A nossa analista de performance, Clau Ribeiro, dividiu um episódio que já vivenciou de racismo com o seu cabelo. “Eu já tinha finalizado minha transição e, na época, não existia isso de colocar tranças para ajudar a passar por esse processo", conta, "mas, em 2016, as tranças começaram a tomar força e eu fiquei muito animada, então procurei um lugar para fazer. Em seguida, o primeiro comentário que recebi de pessoas brancas foi que eu estava parecendo o predador (um personagem de filme de terror). Engraçado que quando uma mulher branca coloca tranças, ela é linda e eu pareço o predador".
A Clau ainda conta que por ser jovem demais, chegou a levar aquela ofensa como uma brincadeira. "Na época, eu era muito nova e fiquei envergonhada. Não falei nada porque achei que era uma brincadeira, mas já se passaram cinco anos e lembro disso como se fosse ontem”, relata. Hoje, alguns de seus amigos falam que ela deveria ter usado tranças na época da escola, pois ficaria linda, “mas todos se esquecem que eu cheguei a usar kanekalon e também fui zoada." Ela ainda conta que "tentei várias vezes ficar bem com a minha aparência, mas os comentários sempre existiram, não é de hoje e não adianta porque sempre é 'brincadeira'."
hoje, a maior luta de quem tem cabelo crespo - e me incluo aí - é pela aceitação do nosso cabelo
É necessário entender que esse episódio no BBB 2021 pode não ter acontecido com intenção de magoar, mas são esses comentários que machucam, criam feridas e traumas nas pessoas negras. Como Camilla reforçou, “o que a gente mais luta hoje, quem tem cabelo crespo, é pela aceitação do nosso cabelo e justamente [para parar com] essas comparações. Talvez não seja sua intenção [de falar na intenção de magoar], mas para a gente que ouve é cansativo.”
E, claro, reforçamos a importância de pessoas brancas estudarem sobre racismo e ajudarem a combater toda vez que presenciarem qualquer episódio.