Airon Martin, da Misci, fala sobre o papel da marca no mercado nacional
A Misci é uma marca que nasceu em 2018 e, apesar de nova, tem se destacado no mercado nacional. Criada por Airon Martin, ela ressignifica o que é luxo no país e mostra que é possível fazer produtos originais, interessantes e de qualidade, enquanto valoriza as raízes brasileiras. Os desfiles muito comentados, os itens desejo, como o boné “Mátria Brasil”, e a atenção de celebridades como Oprah provam que a marca está crescendo e ainda vai conquistar muito dentro e fora do Brasil. Enquanto isso, Airon se mantém criativo, inovador e fiel ao propósito da Misci, que vai muito além de produto, mas também cria cultura.
Conversamos com o designer e ele contou um pouco sobre o papel da marca no mercado nacional, como tem sido viver essa expansão, os impactos disso na Misci e o segredo por trás de todo o sucesso. Vem ver:
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A gente tem uma ideia de luxo que parece vir sempre de fora e a Misci prova que não tem nada mais luxuoso do que algo nosso. Como está sendo esse processo de ressignificação do luxo que a marca faz parte?
A.M.: O que mais me deixa assustado é quem critica o fato de o Brasil ser capaz de fazer luxo. Nossa história toda é voltada à exploração, e quando surge um movimento revendo a nossa capacidade produtiva, deveríamos abraçar. O Brasil exporta a melhor seda do mundo, podemos sim exportar marcas de luxo. Sei que nesta geração não estou sozinho nesse movimento.
O que é luxo para você?
A.M.: Em um mercado marcado por cópias baratas, luxo para mim é identidade, criação com propriedade intelectual, matéria-prima e acabamentos de qualidade.
O que é mais difícil atualmente: valorização nacional ou “validação” internacional? Você acha que precisamos realmente dessa validação de fora?
A.M.: Precisamos. Muita gente só entendeu o valor do nosso trabalho depois da compra da Oprah. A Misci está no início. Estou começando pelas bases do nosso país. É um projeto educacional. O internacional hoje é orgânico. Nossos esforços ainda se concentram aqui. E isso é muito necessário.
Trabalhar com moda envolve gerar desejo. Dá para gerar desejo enquanto você faz o que acredita ou às vezes é necessário ceder um pouco ao que o mercado quer?
A.M.: Um bom designer precisa ler a sociedade e construir produtos e serviços a partir dessa leitura. Design é só um conjunto de ferramentas que me auxiliam nessa materialização. Se ceder faz parte dessa leitura, não acaba sendo ceder.
Você disse que não considera seu consumidor apenas quem pode pagar pelo seu produto. Como você pensa no consumidor que compra e no que apenas aprecia e reverbera o que a Misci faz?
A.M.: Construindo cultura. Toda a parte de pesquisa em cultura e sustentabilidade é uma maneira de devolver para a sociedade aquilo que tiramos dela. Às vezes, quem não consome faz quem pode comprar, consumir. Não é somente sobre poder de consumo. Tem gente que ama a Misci, mas não se enxerga nos produtos. Tem gente que ama e não pode consumir. Isso não é uma questão da Misci, é de todo o sistema econômico social que vivemos.
Sei que você é aquariano e que o perfil do signo é querer mudar o mundo. Você acha que criou a Misci para tentar fazer isso, ou, pelo menos, tentar mudar o Brasil?
A.M.: Eu vejo o nosso impacto no consumo e na valorização de Brasil ultrapassando nosso nicho. Vejo boné Mátria em pinturas em museu. Vejo a Bolsa Bambolê em pinturas de artistas que admiro. Quero que o Brasil e o brasileiro reconheçam seu valor. Independente de quantas pessoas isso esteja impactando.
Quais os pontos positivos e negativos de fazer moda no seu tempo e não no calendário que a indústria impõe?
A.M.: Quanto maior eu fico, mais dentro do calendário que a indústria impõe eu estou. Não dá para ser hipócrita. Hoje, com mais maturidade, procuro fazer mudanças de formas mais assertivas.
Quais os desafios de ser uma marca que preza pela sustentabilidade e pela valorização do que é nosso?
A.M.: A falta de incentivo do governo é onde mais pega. Incentivos para que a cadeia seja mais saudável para todos que fazem parte dela. Se a indústria tivesse os mesmos incentivos do agro, seríamos tão pop quanto eles.
Como você define a história que vai ser o fio condutor de cada coleção e transforma isso nas peças?
A.M.: Vem na emoção. É quase como eu incorporasse um personagem que vive dentro desse outro mundo. Preciso sentir tesão por esse imaginário.
Qual você acha que é o grande segredo por trás do sucesso da Misci nos últimos anos?
A.M.: O segredo é nunca se sentir pronto o suficiente. Não quero morrer pelo meu próprio ego. Vi muita gente e muita marca morrendo por isso. Meus amigos só me destroem e me criticam. Prefiro seguir assim, por mais cansativo que seja. Eu prefiro nunca me sentir pronto.
Como esse crescimento da marca impactou nas suas novas coleções?
A.M.: Na maturidade da marca. Da matéria-prima ao atendimento. Precisamos e vamos melhorar conforme vamos crescendo.
Como é ver a Misci tendo essa consolidação no mercado e esse reconhecimento dentro e fora do país?
A.M.: Orgulhoso do meu país e de todos meus colaboradores.
Como deu para perceber, a Misci é muito mais que uma marca que vende um produto, ela tem propósito, gera conscientização e por isso se destaca como ponto fora da curva. E é isso que nos dá esperança em um futuro mais sustentável, responsável e com uma moda que vai além do consumo.