Chegou ao fim mais uma temporadada das semanas de moda no hemisfério Norte, a primeira que ensaiou um retorno parcial ao modelo anterior, com desfiles presenciais, street style e todo mise-en-scène à qual nos acostumamos, porém, com ajustes, afinal, uma pandemia global nas proporções que ainda enfrentamos, impossibilita uma volta ao “normal”: A própria definição do termo sofreu shift irrevogável desde Março de 2020.
A crise existencial generalizada afetou também a moda e seus criadores que passaram a reavaliar sua identidade assombrados por questões de “Quem somos e para onde vamos?" e que bela oportunidade de reinvenção! Novos formatos, interpretações distintas de temas familiares, recalculando diariamente a rota. Uns aproveitaram mais que outros, como a criatividade e irreverência na apresentação da Balenciaga. Na prática, um mix de ideias que convergem e apontam um caminho repensado, lembrando que o processo é mais importante, destino final desconhecido. Referenciando o passado, tentando fazer sentido do presente para imaginar possibilidades de um futuro ainda incerto.
Diversão é ingrediente na busca por escape, mesmo que seja ao diminuir pela metade o comprimento das saias. A variedade de tendências sinaliza a valorização da opção: você pode ser o que quiser, quando quiser e ser sempre igual se essa for sua escolha. Passe livre para os fãs de alfaiataria descompromissada, para quem adora uma vibe esportiva, quem não resiste à dose de romance e quem não abre mão de cartela de cores exuberante, todos tem vez.
“Darling, this is Paris. Every minute is fashion week”, escutou Marge Simpson em uma cena do curta da Balenciaga ao lado da família mais icônica dos desenhos animados. A mais recente de uma série de sacadas geniais de Demna Gvasalia, atual diretor criativo da maison, mestre em mesclar o mudo físico e digital gerando momentos virais e injetando frescor à um formato já cansado. Bom humor pautou várias coleções e dale looks inspirados em épocas mais felizes como Y2K e 90s em uma nostalgia que visa dar boas-vindas à tempos mais prósperos e iluminados, quem sabe reverberando os brilhos e metalizados onipresentes nas coleções.
Cresça e apareça: Se expor, não ter medo do olhar do outro, celebrar sua essência e suas curvas, ser transparente, vulnerabilidade nunca foi tão sexy e sex appeal é elemento chave para entender as principais propostas da estação. Baixe o cós e aumente o volume, controversos, mas que geram diálogo, a curiosidade e a vontade de explorar superam a necessidade de agradar em uma profusão de tendências polêmicas que despertam reações extremas. E, de novo, as direções são meramente sugestivas já que hoje em dia a pluralidade é palavra de ordem.
O desejo por coletividade: Observado nas collabs das semanas de moda que só irão aumentar, depois do hackeamento entre Gucci e Balenciaga, agora foi a vez da Fendace, encontro entre as Italianas Fendi e Versace que viralizou e elevou a logomania à novas alturas. Para arrematar, a homenagem a um dos nomes mais generosos da moda que faleceu no inicio do ano: Alber Elbaz, tão querido que o desfile reuniu 44 das principais marcas de luxo, cada uma entregando um look inspirado na obra do designer.
Moda como instrumento politico: Combatendo a tristeza com beleza, essa que finalmente começa a se expandir para representar de forma mais fiel a realidade. Nas passarelas, as supermodelos dos anos 90, varias acima dos 50, a diversidade de corpos que não são nada raros no mundo, porem eram escassos no universo da alta moda, e profusão de raças que refletem a riqueza mundial e se esforçam para fugir da mesmice de sempre. Longe do ideal, mas se movendo para o lado progressista.
A arte do absurdo: Maximalismo permeia os acessórios que flertam com o surrealismo, aliás, em sintonia com o caos instaurado na sociedade. Na Schiaparelli a inspiração em sua fundadora segue indo além em resultado moderno que agrada em cheio, passeio contemporâneo nos sapatos esculturais e deslumbrantes da Loewe com seus saltos lapidados em shapes curiosos, pilhas de colares, cintos, brincos gigas e todo excesso que você almejar em sobreposições que foram estrelas na Chanel e na Fendi.
E por favor, trate de se levar menos a sério, de assuntos pesados ja basta a rotina, liberte-se das amarras exceto as de vestimenta, porque elas seguem compondo os mais variados looks que remetem ao boho dos 70s via início do milênio em um mood relax e luxuoso. Anda difícil se livrar das bagagens acumuladas nesses últimos tempos, mas não se preocupem, se elas vierem junto, ao menos terão espaço nas bolsas oversized que povoaram as apresentações, claro, sem esquecer dos modelos que referenciam os populares no início dos 2000, já que a mensagem mais relevante é a multiplicidade.
Expandir a mente: Psicodelia que já foi tema aqui surge tanto nas estampas caleidoscópicas, quanto na sugestão de Stella McCartney em sua coleção que foi um ode ao cogumelo como material inovador e sustentável. A consciência eco começa a infiltrar de forma contundente as marcas, outro motivo de comemoração.
Sensorial não vai a lugar nenhum, a necessidade de proximidade é traduzida em materiais que inspiram toque como crochê e suas tramas, que evocam aconchego como couro, passando a ideia de força e resistência, agindo como camada de proteção.
Otimista e alegre, as coleções das semanas de moda manifestam o anseio por dias melhores, através de uma cartela de cores exuberantes e looks que despertam emoção. A moda documenta nosso tempo e traduz nossos desejos mais íntimos, sendo por vezes espelho, oráculo ou oração. Nessa temporada, o chamado é claro, mais do que nunca, é preciso resistir, expandir e continuar em movimento, abraçando diferentes versões e possibilidades em uma celebração das diferenças. Há espaço para todos e acima de tudo, há esperança.