Há quem pense que o mundo da moda é fechado ou que funcione somente com base em indicações e contatos. É claro que conhecer as pessoas certas pode ajudar, como em qualquer outra área, mas nada substitui o esforço, dedicação e empenho em aprender cada vez mais. Para desmistificar essa ideia, criamos a tag fashion at work, na qual profissionais de diversos campos compartilham um pouco de sua trajetória profissional, rotina e várias outras dicas também, é claro!
A nossa personagem de hoje é Beta Weber, stylist que trabalha tanto com editoriais e campanhas, quanto com mulheres que querem entender melhor seu próprio estilo e fazer as pazes de uma vez por todas com a moda. Beta respondeu em detalhes o passo a passo do trabalho que executa e nós garantimos que você conseguirá facilmente extrair conselhos de ouro da entrevista abaixo. Então muita atenção e vamos lá:
Não necessariamente dificuldade, mas é necessário um pouco de psicologia e muita empatia, afinal você entra na casa da pessoa, mexe em seu armário, ela troca de roupa na sua frente, conta suas inseguranças, tem que ser super cuidadoso com a escolha das palavras e com as atitudes. Outra coisa que chama atenção e é preciso saber lidar é a discrepância da forma que as pessoas se descrevem e respondem o questionário de estilo versus a realidade do armário, da cartela de cores, das silhuetas que ela realmente tem. Muitas vezes a imagem que temos de nós mesmos não condiz com a que passamos para o mundo e acredito ser esse o principal papel do stylist. Ajudar a pessoa a identificar o estilo que tem e a mensagem que ela quer comunicar. Traduzir isso através dos looks montados. Tem que realmente escutar a pessoa e entendê-la, ter objetividade para atender às necessidades dela e consciência da confiança que a pessoa deposita no profissional.
Para uma cliente é sempre baseado no que ela gosta, no que ela quer comunicar e baseado em toda pesquisa feita previamente através do questionário de estilo, das necessidades e das expectativas. Nos meus looks, eu sou muito guiada por cores ou pelo humor. Acontece também de ver alguma imagem que amei ou algum filme e pensar como posso incorporar o que me atraiu aos meus looks e à minha realidade. E claro, às vezes acordo com vontade de usar uma peça específica e penso no look baseado nela.
Separar pelo tipo de peça, tento separar tudo: vestidos de verão, calças de couro, shorts jeans, calças mom, crop tops, legging da academia, etc. E tentar organizar de um jeito que você consiga enxergar tudo o que tem. É muito fácil cair na zona de conforto e repetir sempre a mesma roupa. Porque a gente acaba esquecendo e não usando nem 20% do armário, aí para esse item dar certo é preciso lembrar da palavra mágica: editar, editar, editar. Quem tem muita roupa e pouco espaço (a grande maioria) não consegue fazer isso. Então uma limpa no armário é sempre uma boa ideia.
Amo o Into the Gloss, não é de moda, mas sempre me inspira, a moda bebe de todas as fontes, então tem que visitar sites de arte, de cinema, tudo ali pode virar algo incrível, informar a próxima marca que vai estourar, ser tema de alguma coleção. Sempre visito o They All Hate Us, adoro a curadoria delas, Pinterest é um vício, busco muita referência lá também, o Who What Wear e sou alucinada pelo Space Matters, acho riquíssimo de inspiração.
Perfis de Instagram meu favorito é o da The Row, o mix é fantástico, mas aa lista de queridinhos é longa: @thelinenyc, uma loja de NY que é genial, também amo @the_attico, então sigo a marca e as duas criadoras, a Giorgia Tordini e a Gilda Ambrosio. Christine Centenera e Carine Roitfeld que são referências para mim, Maria Duenas Jacobs, que é editora de acessórios da Elle americana, Pernille Teisbaek, Maja Wyh, Reformation, que produzem conteúdo próprio muito bom. Pat McGrath e vários dos perfis daily, tipo Brigitte Bardot, Kate Moss e Jane Birkin, que só postam fotos delas e rendem muitas ideias!
Isso depende muito do estilo de cada uma, mas, em linhas gerais, uma boa calça jeans (que pode ser o shape que você se sente melhor, skinny, flare, boyfriend...), uma boa calça preta, um blazer preto ou navy (se for mais informal, uma jaqueta perfecto preta), um trench coat ou parka, um salto legal nude e um salto legal preto, alguma peça que seja especial e diferente do resto (pode ser vintage, alguma coisa comprada em viagem, algo que herdou da mãe ou da avó) e que traga memórias boas e faça a pessoa se sentir confortável, algumas camisetas e suéteres em tons neutros (cinza, branco, preto), camisa branca, vestidinho preto básico e algum estampado ou colorido. Com esses itens dá para criar muitos looks, principalmente jogando com acessórios diferentes. Mas o ideal é analisar muito o próprio estilo e criar a sua própria lista de itens essenciais, porque idade, profissão, estilo de vida, silhueta, tudo influencia na escolha das peças essenciais.
Fiz faculdade de Styling & Photography, em Londres, onde morei por quase seis anos, e desde o primeiro ano de faculdade já fiz estágios e muita assistência, consegui muitas oportunidades através de indicações ou com o bom e velho networking, passei pela Jil Sander, por exemplo, graças a um professor da faculdade. Personal styling aconteceu no primeiro emprego que tive na vida, fui vendedora da Topshop e depois style advisor, um serviço gratuito que a loja oferece para dar consultoria para pessoas que marcam hora e tiram suas dúvidas, procuram roupas para uma ocasião especial, o melhor jeans para o corpo, qualquer necessidade. Atendia clientes de todas as idades e estilos, foi a melhor escola. Tomei gosto pela coisa e rapidamente conquistei clientes pessoais, algumas atendo até hoje quando vou para lá.
Acho que para ser stylist a coisa mais importante é ter "olho", isso não tem como ensinar, mas tem como treinar, é exercitando a sensibilidade para arte, buscando referências e não se contentando apenas com a informação fácil. Tem que saber as tendências do momento, acompanhar desfiles, street style, mas também ter interesse pela história da moda, saber quem é quem na indústria, muita sede de conhecimento e muita curiosidade. Uma educação acadêmica é legal, mas não fundamental, hoje em dia existem muitos cursos curtinhos que são ótimos. Acredito que os macetes da profissão e as partes difíceis de lidar com egos, prazos, acontecem na prática. Fazer assistência para stylists é a melhor forma de vivenciar e decidir se quer seguir a carreira. Bom lembrar que gostar de moda e de se vestir bem não basta. Glamour é 5%, o resto é muita dedicação e trabalho.
Na área de personal styling foi e continua sendo o desafio de ajudar pessoas que estão em momentos vulneráveis, com autoestima ruim. É uma super responsabilidade! Mas também incrivelmente gratificante notar que a pessoa está disposta a mudar para melhor e que o nosso trabalho pode ser catalisador dessa evolução que transcende a aparência física.
Acho que a pior coisa que alguém pode fazer é usar algo com o qual não se identifica só porque está na moda ou porque alguém disse para colocar. O vestir é uma arma de comunicação incrível e muitas pessoas desperdiçam essa chance de mostrar quem são ou quem querem ser através das escolhas. Se importar com o número da roupa e não com o caimento é outro erro comum, importante é a peça vestir bem, não adianta usar um tamanho x e ficar apertado demais.
Primeiro passo é o questionário de estilo, em torno de 20 perguntas que envio para a pessoa e que me ajudam a decodificar o estilo e as necessidades. Quando recebo o questionário respondido é a hora de estudar a pessoa, suas referências, a forma que se descreve, o motivo pelo qual está procurando o serviço, o que considera seus pontos fortes e fracos, é uma espécie de "diagnóstico". O segundo momento é conhecer a cliente pessoalmente, olhar o armário e cruzar as informações estudadas do questionário com a realidade. Descartamos peças que não combinam mais com a pessoa, montamos looks com coisas que a pessoa já tem e baseados no que ela busca (ex: looks de trabalho, para festas mais formais, para um novo momento da vida, para uma viagem, ou um mix de tudo). Todas as composições são fotografadas para referência futura e também fazemos uma lista de coisas que estão faltando no armário e podem ser compradas. O serviço pode ser de um dia ou durar mais, posso acompanhar em sessões de compras e em outro momento retornar ao armário da pessoa e elaborar looks misturando as peças novas com as antigas. Recentemente iniciei a consultoria online, ela é uma forma de descobrir e desenvolver seu estilo com uma curadoria especial e análise feita sob medida para a pessoa, é um ótimo começo para quem está no processo de se descobrir na moda e não tem tempo ou condições de contratar uma personal stylist da forma convencional.
Sempre que for comprar alguma peça, tentar pensar em no mínimo três combinações para usar com ela, refletir se realmente precisa e adorou aquele produto ou se só está comprando porque está barato, você está chateada com alguma coisa ou sua mãe/amiga/namorado/vendedora insistiram. Adquirir peças que não combinam com você e seu corpo porque estão na moda também nunca é boa ideia.
No editorial normalmente a liberdade criativa é maior, estamos seguindo um conceito ou apresentando uma tendência, é um esforço em equipe com fotógrafo e profissional da beleza, e claro, passa pela editora de moda, mas dá para ousar mais e imprimir nossa assinatura. Sempre depende da publicação, então lógico que precisa encaixar na linha que a revista segue e prestar atenção se é uma pegada mais comercial ou algo mais descolado. Já em uma campanha o trabalho do stylist é traduzir o que a marca/estilista deseja comunicar e ser super fiel ao lifestyle e branding da marca. Não é o momento de mostrar nossa visão, e sim emprestar um olhar ao conceito que o cliente deseja da forma mais fiel possível. Tem que escutar muito bem e entender que estamos ali para refinar o que o cliente está buscando, um instrumento para traduzir em imagem o que a coleção representa.
Personal styling envolve muita empatia e contato direto com pessoas diferentes, isso facilita muito nas relações interpessoais no ambiente de trabalho. Stylist sempre tem reuniões, visita assessorias, sessões de fotos com equipe giga e lembrar-se da gentileza e do profissionalismo é fundamental.
A principal diferença é que personal styling é pensado para uma pessoa física, precisam ser looks realistas, práticos, composições para a pessoa trabalhar, ir a uma festa. Já o stylist de moda é mais lúdico, mais livre, lidamos com modelos, cuja profissão é incorporar a mulher que o editorial ou a marca criaram. Dá para montar looks mais conceituais que servem como inspiração. O compromisso é com transmitir uma imagem de moda e personal styling é auxiliar alguém a descobrir e desenvolver seu próprio estilo, meu gosto pessoal não pode afetar esse processo.
Às vezes a marca acabou de começar ou está passando por um processo de mudança, nesses casos o cliente nem consegue explicar a mensagem que gostaria de comunicar. Aí o papel do stylist é mais longo, é preciso auxiliar a marca ou estilista a descobrir a mensagem que está passando e se condiz com a imagem que quer passar e depois disso, aí sim, pensar em um conceito para o trabalho específico.
Depende, presto consultoria para algumas marcas, nesse caso o processo é contínuo, sempre nos reunimos, quase mensalmente para desenvolver e solidificar ainda mais a mensagem. Se é uma campanha, em duas reuniões e algumas (várias) trocas de e-mail costuma funcionar. O mais legal é participar desde o nascimento da coleção e finalizar com o styling da campanha. É o mais gratificante e o mais garantido de traduzir 100% a mensagem desejada.
Eu sempre converso com o estilista para entender exatamente o que inspirou a coleção, quais os motivos pela cartela de cores, pela silhueta, peço para ver os moodboards. Às vezes rola um brainstorming na hora mesmo e já sugiro algumas ideias. Outras vezes reúno todas essas informações e pesquiso tudo, daí monto um moodboard e mostro para o estilista. É uma troca de referências e ajustes. Minhas sugestões são sempre em torno do que escuto e coerentes com o que a marca quer transmitir. Tem a minha marca pessoal, mas acima de tudo tem que estar ter fidelidade à marca e o compromisso com a visão do criador.
Primeiro pensamos no tema, normalmente é uma tendência em voga ou inspirada em algo presente na cultura pop, alguma década, filme... Eu sempre penso quem é essa mulher ou homem, tento contar uma história. Gosto de definir cartela de cores e shapes, penso na imagem completa e troco muito com fotógrafo. Depois é hora de definir a locação ideal e pensar nas possibilidades existentes. Uso muito o Pinterest para reunir todas as referências em uma pasta que compartilho com a equipe. É legal porque existe muito mais liberdade e a chance de inspirar com imagens de moda incríveis sem precisar se ater tanto à praticidade ou realismo. A modelo pode estar usando um sapato super diferente,mas você vai amar a combinação de cores do look ou a sobreposição de peças, a forma que o cinto foi amarrado...
A Beta foi a responsável pelo styling dos looks do nosso duo muso, Catha e Manu, durante a semana de moda de NY que está rolando. Olha só um pouquinho do trabalho dela em ação: