Negra Rosa: Transformando Desafios em sucesso no Universo da Beleza Preta
"Ás vezes, a gente acha que os sonhos só valem quando eles nos acompanham há anos, né? Mas, ocasionalmente, não. Apareceu a oportunidade e você se sentiu pronta? Agarre e aquilo passará a ser seu sonho." Impossível iniciar esta matéria sem citar essa frase de Rosângela Silvia, criadora da marca de maquiagem e skincare Negra Rosa, durante a nossa entrevista.
Nascida em Duque de Caxias, Rosângela viu sua vida transformada pela internet. Participando de um fórum no blog 2 Beauty de Marina Smith, Rô percebeu a chance de começar a produzir conteúdo. Assim, em 2010, criou um blog e um canal no YouTube para oferecer informações sobre maquiagem e transição capilar para mulheres negras, algo pouco comum naquela época. A vida da influenciadora evoluiu até que, quase uma década depois, ela lançou sua marca, que leva o mesmo nome de seu canal no YouTube: Negra Rosa.
A marca, inicialmente focada em maquiagem para mulheres negras, chamou tanto a atenção do mercado que, em 2022, a empresa de cosméticos Farmax a adquiriu. Com um investimento de 100 milhões de reais até 2027, hoje a Negra Rosa conta com novos produtos em seu portfólio e há muito mais por vir.
Para entender mais sobre esse império da beleza negra, é preciso voltar um pouco atrás e saber que ter uma marca nunca foi um sonho de Rosângela. “Seria mentirosa se dissesse que sempre sonhei em ter uma marca. Nunca foi um desejo meu. As coisas foram acontecendo pra mim e a cada oportunidade, eu agarrava, sabe? Ás vezes, a gente acha que os sonhos só valem quando eles nos acompanham há anos, né? Mas, ocasionalmente, não. Apareceu a oportunidade e você se sentiu pronta? Agarre e aquilo passará a ser seu sonho.”
as dificuldades encontradas no caminho
Criar uma marca no Brasil não é algo fácil, e a situação é ainda mais complexa quando falamos de uma centrada nas necessidades de pessoas negras em um mercado que, historicamente, sempre as negligenciou.
A história da Negra Rosa começa exatamente nessa escassez de representatividade na indústria da beleza, mas, com o passar dos anos, descobriu-se a dificuldade de convencer o mercado da necessidade e viabilidade de produtos dedicados exclusivamente à pele e cabelos negros.
faço da forma que eu acredito que deve ser. Vai demorar mais, mas não tem problema, vai ser a Rosângela ali em todos os momentos.”
“A Negra Rosa nasceu em 2016, época em que as blogueiras estavam fazendo batons, mas eu nunca participei desse processo. Eram precisos números e escolhas, e eu não fazia parte da panelinha, por isso sempre foi um processo muito solitário. Talvez, se eu fosse para o caminho que todo mundo segue, a tal trajetória do sucesso, eu poderia deixar de ser quem eu sou. Então, faço da forma que eu acredito que deve ser. Vai demorar mais, mas não tem problema; vai ser a Rosângela ali em todos os momentos”, reflete a empresária.
"Esse foi o processo; a Negra Rosa foi acontecendo muito aos poucos e, com o investimento de uma amiga, fomos dando vida à marca. Fazer uma marca focada em pele negra não é algo fácil, e podem falar que somos a maioria da população no Brasil, mas a verdade é que não terá o estrondo de venda e sucesso que outras meninas brancas têm. É ilusão achar isso. A dinâmica é totalmente diferente. E é preciso entender isso até para não desanimar."
Para além dos percalços de criar, comunicar e vender para pessoas negras, ser uma mulher negra à frente do negócio e da criação foi outro grande desafio. "Foi necessário convencer as pessoas de que existem produtos desenvolvidos especificamente para elas, e por uma pessoa negra. Isso porque existe uma grande influência do ideal de 'princesa', isto é, muitos desejam aquilo que é promovido por figuras idealizadas. 'Eu quero o que a princesa está fazendo' porque eu não me encaixo nesse ideal de princesa, certo? Uma mulher negra raramente é colocada nesse patamar, então, o desejo se volta para o que é oferecido a outras, não necessariamente pensado para mim. Assim, uma marca verdadeiramente focada em pessoas negras enfrenta várias dinâmicas complexas. Se estivesse criando uma marca para todos, talvez estaria em uma situação completamente diferente."
é preciso que a gente entenda que podemos sim comprar de marcas de pessoas negras e descolonizar essa ideia porque se não, a roda não vai mudar."
A indústria também foi um passo desafiador, afinal, muitas fábricas não estavam acostumadas a produzir produtos que tinham a pigmentação necessária para a pele negra. “Eu cheguei meio que dando o know-how para muitas pessoas que antes desconheciam esse universo e que agora fazem para todo mundo. Você explica o porquê da pigmentação e os porquês disso, e a pessoa estuda mais, desenvolve o material e replica todo esse conhecimento que você passou para outras que chegaram lá também querendo”, conta Rosângela.
“Tive vários atravessamentos que talvez as pessoas de fora não veem. Se a gente for analisar e sair da bolha, percebemos que a grande maioria da população não tem facilidade para comprar online; na produção, preciso pagar à vista um produto que ainda não foi vendido, então, o pequeno empreendedor tem um caminho árduo para percorrer e vai tentando driblar da melhor maneira que pode, tudo isso enquanto você briga com gigantes que possuem mais publicidade e preço mais baixo, por exemplo. No fim, é preciso que a gente entenda que podemos comprar de marcas de pessoas negras e descolonizar essa ideia porque se não, a roda não vai mudar."
os diferenciais da marca
A Negra Rosa se destaca no mercado de beleza por sua autenticidade e compromisso inabalável com a comunidade negra. Fundada a partir de experiências pessoais e demandas específicas, a marca rapidamente se tornou um símbolo de empoderamento e inclusão que reverberou no mercado.
“Quando, em maio de 2017, lançamos cinco tons de base, com uma atenção especial aos mais escuros, as pessoas viram que a Negra Rosa era realmente focada em atender às necessidades que eu via nesse mercado. Lembro que haviam muitos questionamentos de como uma marca pequena conseguia trazer a diversidade de tons, enquanto as grandes não; a verdade é que eu estava criando pensando exatamente nesse público."
Criar com cuidado e empatia é fundamental para a prosperidade de uma marca, sobretudo dentro do nicho da beleza, que tem sido tão assolado com lançamentos e marcas assinados por celebridades. "Eu não criei um produto apenas para colocá-lo à venda; eu o fiz porque reconheci e compreendi essa necessidade, especialmente por ser uma pessoa negra. Sempre quis oferecer o melhor para a minha comunidade. Não se trata apenas de fazer algo para que os outros comprem; é sobre criar algo que eu mesma usarei. E é isso que faço: produzo algo que posso orgulhosamente usar junto com vocês, em vez de gastar meu dinheiro em marcas de luxo. Faço produtos para pessoas reais, para que elas escolham o meu, sabendo que sou não apenas a criadora, mas também a primeira cliente, a consumidora que testa e aprova o que é feito. Assim, sempre busco entregar o melhor possível dentro do que consigo fazer em cada produto.”
faço produtos para pessoas reais, para que elas escolham o meu, sabendo que sou não apenas a criadora, mas também a primeira cliente."
Toda a estrutura da marca a ajudou a crescer. No início, as revendedoras a ajudaram a ser vista, mas também é importante dizer da identificação e tipo de comunicação que Negra Rosa oferece ao público. Rosângela busca não ter padrões de beleza nas suas modelos, ela traz mulheres diversas e reais, tendo até mesmo suas familiares como rostos das campanhas.
Esse desejo por trazer públicos reais e atingi-los influencia também no valor dos produtos, que são mais acessíveis comparado a muitas marcas. “Eu não quero que a gente seja exclusiva porque, pra mim, se a gente quer uma sociedade diferente, esse tipo de coisa não deveria existir.”
a compra pela farmax
E a venda para a Farmax apenas potencializou todos os valores e diferenciais da marca. “Agora, conseguimos trazer produtos mais acessíveis, sem perder a qualidade. Um exemplo é a linha de skincare que lançamos no ano passado. Mas, além da Negra Rosa, também pude potencializar a Rosângela e hoje posso pensar nos produtos e comunicação da marca com a ajuda do time Farmax. Se antes eu ficava limitada, hoje consigo trazer mais novidades, tecnologias e é ótimo ter várias pessoas ajudando nesse processo."
Isso também trouxe mais responsabilidade, afinal, agora a Negra Rosa está acessível em farmácias e perfumarias, ampliando o alcance e a visibilidade da marca sem, entretanto, deixar a identidade da Negra Rosa se perder.
“Um dos nossos principais desafios atualmente é criar produtos que incentivem novos hábitos de consumo, como o uso de protetor solar, especialmente entre a população negra que ainda não tem esse costume. O meu esforço é para desenvolver produtos que não apenas introduzam as consumidoras ao mercado de beleza, mas que também sejam fáceis de usar, independentemente da sua experiência com maquiagem. O objetivo é trazer o básico de uma maneira eficiente, preparando o terreno para inovações futuras e garantindo que a Negra Rosa continue a atender às necessidades reais da sua comunidade com cuidado e autenticidade.”
os próximos passos da negra rosa
A história da Negra Rosa é inspiradora, mas o futuro é promissor. Após tantos anos no mercado, construindo seu espaço, a marca almeja por ter uma gama cada vez maior de produtos. “Meu sonho master para daqui uns anos é que uma pessoa pense em um produto e já saiba que na Negra Rosa tem”, confessa Rosângela.
O foco, então, está em aumentar a linha, mantendo a qualidade e a acessibilidade que são pilares para a marca. Além disso, há planos de expandir os canais de distribuição, facilitando o acesso dos consumidores aos produtos, e ainda este ano, podemos esperar por uma nova linha capilar que promete trazer o melhor para os fios crespos e cacheados.
e do futuro do mercado de beleza
“Só vai se manter quem for verdadeiro”. Essa foi a resposta da Rosângela quando perguntamos qual é o futuro do mercado. “As marcas que não fazem pelo hype, ou para apenas dizer que são diversas, mas sim que têm uma consciência de que ter diversidade de tons é o certo, são as que vão se manter criando. Não adianta trazer 50 tons de base e apenas 10 serem boas.”
Ao final da nossa conversa com a Rô, fizemos um bate-bola:
Um livro: "Peles negras, Máscaras brancas" de Frantz Fanon.
Um conselho de beleza: sempre tire a maquiagem.
Um produto de beleza que não abre mão: batom.
Um conselho de negócio: mantenha-se fiel a quem você é.