Jeans, camiseta branca, malha de tom neutro. Difícil imaginar um look mais básico, mas foi exatamente esse o combo escolhido pelos diretores criativos Jonathan Anderson e Matthieu Blazy para receber os aplausos finais em suas estreias à frente da Dior e da Chanel.
A atitude chamou atenção. Muita gente estranhou ver diretores criativos de marcas tão influentes, com o poder de moldar os rumos da moda global, optando por peças “sem graça”. Isso fica ainda mais gritante no contraste entre as criações elaboradas, com domínio de cor e riqueza de texturas na passarela, e os responsáveis por tudo isso vestidos de forma aparentemente pouco inspirada. Ou será mesmo?
Vem cá, que essa pauta dá pano pra manga (trocadilho intencional). A gente sabe que não é por falta de criatividade. Então, o que leva a dupla — e tantos outros designers hoje — a adotar esse visual low-profile? A verdadeira razão só eles poderiam contar, mas aqui vão algumas teorias que ajudam a entender o fenômeno.

por que os diretores criativos são mais básicos
antídoto ao excesso
“Não saber se vestir”, entre aspas mesmo, já que isso é absolutamente subjetivo, e se vestir de maneira simples são coisas diferentes. Mood boards, cartelas de cores, amostras de tecidos — sem falar no bombardeio de telas dos tempos modernos —, diretores criativos passam o dia todo sob estímulo visual. Eleger peças básicas, neutras e sem detalhes pode ser uma forma de aliviar o cérebro, uma opção quase meditativa, mantendo o próprio visual bem clean, para poder se concentrar no ato da criação.

fadiga de decisão
Hoje, um diretor criativo não é apenas a mente por trás das coleções. É também estrategista de branding, protetor do legado da marca, porta-voz para a imprensa, figura influente nas redes sociais. São responsáveis por múltiplas coleções anuais, colaborações, ativações de marketing e toda uma narrativa que precisa ser coerente e potente, ou seja, o tempo é escasso e eles precisam tomar decisões o tempo todo. Vestir a mesma coisa, ou manter tudo simples, elimina uma decisão diária e abre espaço mental. O que nos leva ao tema uniformes.
as vantagens de ter um uniforme
Limitar pode libertar. A cultura pop sempre fala de Steve Jobs com seu jeans e gola alta e dos ternos majoritariamente azul ou cinza de Barack Obama durante a presidência dos EUA. Há vários estudos que comprovam que optar por um “uniforme" é um jeito fácil de liberar sua cabeça para outras coisas, aumentando o foco, a produtividade e trazendo benefícios para a saúde mental.
Na moda isso não é novidade, das luvas e silhueta ajustada de Karl Lagerfeld ao preto total de Azzedine Alaïa, da calça de alfaiataria e malha navy de Armani à camisa branca impecável de Carolina Herrera, cada um tinha suas fórmulas diárias. Mas, em comum, carregavam sempre um toque de luxo, uma elegância intencional que convertia repetição em identidade.
cadê o glamour?
O que vem chamando atenção não é tanto sobre usar o mesmo look, mas sim o grau de casualidade, ou o afastamento entre o que se veste e o que se cria. Isso também é sinal dos tempos, o streetwear é inerente à geração atual, e faz sentido que os “uniformes” dos novos diretores criativos traduzam essa mentalidade. A polidez fica em segundo plano, dando lugar a um visual despretensioso e informal. Jeans mais baggy, tênis, camisetas, peças “anônimas”, sem assinatura estética evidente, que não negam qualidade, mas priorizam conforto e autenticidade. É uma outra noção de luxo: menos sobre opulência, mais sobre naturalidade e presença.

é cool ser low-profile?
Existe também um lado mais reflexivo nessa escolha, uma espécie de resistência à vaidade escancarada. Alguns preferem não se tornar protagonistas por seus próprios looks. Claro que isso não é regra: Em seus anos na Dior, os looks de John Galliano no finale eram quase tão esperados e fotografados quanto a própria coleção. Mas isso nunca diminuiu seu talento.
Ainda assim, a mensagem atual parece clara: a autopromoção (praticamente uma exigência do mercado) pega melhor quando disfarçada e restrita ao universo digital. Talvez ainda seja vaidade, mas, desta vez, com um verniz intelectual.
ser versus parecer
Manter-se neutro e simples pode ser a forma mais sutil, e eficaz, de rebeldia. Não é mais sobre parecer poderoso, e sim sobre expressar um propósito claro, com consistência visual. Em especial para os exemplos citados, já consagrados na indústria, a necessidade de provar algo através do que vestem desaparece. O vestir passa a ser funcional, não performático. Eles expressam sua visão por meio das coleções, não do espelho.
Teorias à parte, vale lembrar: cada mente criativa funciona de um jeito. Não existe uma forma certa de ser, e muito menos de se vestir. Para cada Blazy ou Sarah Burton, existe uma Vivienne Westwood ou um Galliano. E que bom que é assim.
