Por que alguns diretores criativos se vestem de forma tão básica?

por Beta Weber

Jeans, camiseta branca, malha de tom neutro. Difícil imaginar um look mais básico, mas foi exatamente esse o combo escolhido pelos diretores criativos Jonathan Anderson e Matthieu Blazy para receber os aplausos finais em suas estreias à frente da Dior e da Chanel.

A atitude chamou atenção. Muita gente estranhou ver diretores criativos de marcas tão influentes, com o poder de moldar os rumos da moda global, optando por peças “sem graça”. Isso fica ainda mais gritante no contraste entre as criações elaboradas, com domínio de cor e riqueza de texturas na passarela, e os responsáveis por tudo isso vestidos de forma aparentemente pouco inspirada. Ou será mesmo?

Vem cá, que essa pauta dá pano pra manga (trocadilho intencional). A gente sabe que não é por falta de criatividade. Então, o que leva a dupla — e tantos outros designers hoje — a adotar esse visual low-profile? A verdadeira razão só eles poderiam contar, mas aqui vão algumas teorias que ajudam a entender o fenômeno.

Diretores criativos veste camisa preta de modelagem clássica e transmite serenidade e foco em ambiente interno com luz suave.
Foto: Matthieu Blazy (Reprodução/Instagram)


por que os diretores criativos são mais básicos

antídoto ao excesso

“Não saber se vestir”, entre aspas mesmo, já que isso é absolutamente subjetivo, e se vestir de maneira simples são coisas diferentes. Mood boards, cartelas de cores, amostras de tecidos — sem falar no bombardeio de telas dos tempos modernos —, diretores criativos passam o dia todo sob estímulo visual. Eleger peças básicas, neutras e sem detalhes pode ser uma forma de aliviar o cérebro, uma opção quase meditativa, mantendo o próprio visual bem clean, para poder se concentrar no ato da criação.

Diretor criativo posa confiante com suéter azul de malha leve, jeans claro de corte reto e botas de couro marrom, em clima
Foto: Jonathan Anderson (Getty Images)

fadiga de decisão

Hoje, um diretor criativo não é apenas a mente por trás das coleções. É também estrategista de branding, protetor do legado da marca, porta-voz para a imprensa, figura influente nas redes sociais. São responsáveis por múltiplas coleções anuais, colaborações, ativações de marketing e toda uma narrativa que precisa ser coerente e potente, ou seja, o tempo é escasso e eles precisam tomar decisões o tempo todo. Vestir a mesma coisa, ou manter tudo simples, elimina uma decisão diária e abre espaço mental. O que nos leva ao tema uniformes. 

as vantagens de ter um uniforme

Limitar pode libertar. A cultura pop sempre fala de Steve Jobs com seu jeans e gola alta e dos ternos majoritariamente azul ou cinza de Barack Obama durante a presidência dos EUA. Há vários estudos que comprovam que optar por um “uniforme" é um jeito fácil de liberar sua cabeça para outras coisas, aumentando o foco, a produtividade e trazendo benefícios para a saúde mental.

Na moda isso não é novidade, das luvas e silhueta ajustada de Karl Lagerfeld ao preto total de Azzedine Alaïa, da calça de alfaiataria e malha navy de Armani à camisa branca impecável de Carolina Herrera, cada um tinha suas fórmulas diárias. Mas, em comum, carregavam sempre um toque de luxo, uma elegância intencional que convertia repetição em identidade. 

cadê o glamour?

O que vem chamando atenção não é tanto sobre usar o mesmo look, mas sim o grau de casualidade, ou o afastamento entre o que se veste e o que se cria. Isso também é sinal dos tempos, o streetwear é inerente à geração atual, e faz sentido que os “uniformes” dos novos diretores criativos traduzam essa mentalidade. A polidez fica em segundo plano, dando lugar a um visual despretensioso e informal. Jeans mais baggy, tênis, camisetas, peças “anônimas”, sem assinatura estética evidente, que não negam qualidade, mas priorizam conforto e autenticidade. É uma outra noção de luxo: menos sobre opulência, mais sobre naturalidade e presença.

Modelo caminha confiante com look inspirado em uniforme naval, casaco preto com botões dourados e colete laranja vibrante,
Foto: John Galliano (Getty Images)

é cool ser low-profile? 

Existe também um lado mais reflexivo nessa escolha, uma espécie de resistência à vaidade escancarada. Alguns preferem não se tornar protagonistas por seus próprios looks. Claro que isso não é regra: Em seus anos na Dior, os looks de John Galliano no finale eram quase tão esperados e fotografados quanto a própria coleção. Mas isso nunca diminuiu seu talento. 

Ainda assim, a mensagem atual parece clara: a autopromoção (praticamente uma exigência do mercado) pega melhor quando disfarçada e restrita ao universo digital. Talvez ainda seja vaidade, mas, desta vez, com um verniz intelectual.

ser versus parecer

Manter-se neutro e simples pode ser a forma mais sutil, e eficaz, de rebeldia. Não é mais sobre parecer poderoso, e sim sobre expressar um propósito claro, com consistência visual. Em especial para os exemplos citados, já consagrados na indústria, a necessidade de provar algo através do que vestem desaparece. O vestir passa a ser funcional, não performático. Eles expressam sua visão por meio das coleções, não do espelho.

Teorias à parte, vale lembrar: cada mente criativa funciona de um jeito. Não existe uma forma certa de ser, e muito menos de se vestir. Para cada Blazy ou Sarah Burton, existe uma Vivienne Westwood ou um Galliano. E que bom que é assim.