Por que muitos millennials têm medo de ter filhos?

por Sofia Chel

Os millennials, também chamados de geração Y, e que nasceram entre 1981 e 1996, estão cada vez mais adiando ou até mesmo desistindo de ter filhos, o que tem despertado discussões e análises sobre suas motivações.

Esse fenômeno resulta de diversos fatores, entre eles mudanças sociais, econômicas e culturais. A insegurança financeira, marcada pela dificuldade de arcar com os custos crescentes de educação, saúde, alimentação e moradia, somada à instabilidade do mercado de trabalho e à pressão constante por produtividade, faz com que planejar a chegada de um filho seja visto como um investimento de alto risco.

Dessa forma, seja você millennial ou apenas curiosa sobre o tema, compreender os motivos por trás desse medo ajuda a entender uma geração que está redesenhando conceitos de família, carreira e estilo de vida, além de levantar reflexões sobre o que esperar do futuro. Para acompanhar nossa análise, continue a leitura.

Leia também: O que é dismorfia financeira e como ela está afetando a Geração Z

Duas mulheres sorrindo em roupões e toalhas na cabeça. Estão em uma varanda, segurando taças de vinho branco.
Foto: @jastookes (Reprodução/Instagram)


insegurança financeira e custo da parentalidade

A maioria dos pais de millennials pertence à Geração X (nascidos entre 1965 e 1980) ou aos Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964), o que torna natural que jovens da geração Y e da Z se comparem a eles em termos de conquistas financeiras e familiares. Nessa mesma faixa etária, muitos dos pais já tinham casa própria, carro, filhos e estabilidade econômica. Hoje, com o poder de compra reduzido e os custos de vida mais altos, essas gerações enfrentam dificuldades até para arcar com suas próprias contas, quanto mais assumir a responsabilidade financeira de ter filhos.

Criar uma criança envolve custos que começam muito antes do nascimento e se estendem até pelo menos a maioridade. Pré-natal, saúde, educação, moradia, atividades extracurriculares e a necessidade de conciliar tudo isso com a vida profissional são fatores que pesam na decisão de se tornar pai ou mãe. Em um cenário em que os salários não acompanham o aumento do custo de vida e a pressão por produtividade é constante, investir na chegada de um filho pode parecer inviável.

Segundo levantamento da CNBC, desde 2016 o custo de criar uma criança dos 0 aos 18 anos nos Estados Unidos chegou a cerca de US$ 240.000, um aumento de 20% em menos de uma década. No Brasil, a realidade não é muito diferente. Em São Paulo, matrículas em escolas particulares de qualidade variam de R$ 4.000 a R$ 15.000 por mês, enquanto creches privadas podem custar entre R$ 700 e R$ 3.000 mensais, valores que superam o piso nacional do salário mínimo, que em 2025 é de R$ 1.433, podendo chegar a R$ 1.540 na capital paulista. Além disso, muitos millennials carregam dívidas estudantis e enfrentaram a crise de 2008 ao entrar no mercado de trabalho, tornando-se a primeira geração com perspectiva econômica inferior à dos pais, de acordo com relatório do IBGE. Diante de tantas incertezas, 23% dos millennials e da geração Z afirmam que optaram por não ter filhos justamente pelo medo de não conseguir arcar com esses custos, conforme pesquisa divulgada pela MassMutual.

Criança de uniforme bege e tênis cinza em calçada ensolarada, projetando sombra no chão.
Foto: @sincerelyjules (Reprodução/Instagram)

conflito de carreira x tempo para os filhos

O atual mercado de trabalho, dependendo do setor, exige disponibilidade quase ininterrupta. Prazos apertados, reuniões fora do expediente e a expectativa de responder mensagens a qualquer hora tornam o dia a dia exaustivo. Para quem pensa na possibilidade de ter filhos, surge um paradoxo: dedicar-se à carreira é fundamental para garantir segurança financeira, mas "rouba" o tempo e a energia necessária para acompanhar cada fase da infância.

Muitas mulheres, por exemplo, estão adiando a maternidade para alcançar estabilidade profissional e prestígio, vendo o relógio biológico se tornar uma fonte de ansiedade e pressão social. Ao mesmo tempo, a cultura da produtividade valoriza quem sacrifica a vida pessoal em nome de metas e resultados. A busca por promoções, bônus ou até mesmo a manutenção do emprego faz com que mães e pais em potencial hesitem em reduzir jornadas ou buscar horários flexíveis, seja por medo de retaliação ou de perder oportunidades de crescimento. Dessa forma, o ideal de equilíbrio torna-se um luxo cada vez mais difícil de alcançar.

Por isso, empresas que oferecem benefícios como licença-paternidade estendida, creche no local de trabalho, planos de saúde robustos e programas de retorno gradual destacam-se no mercado, atraindo e retendo profissionais que buscam um ambiente que valoriza o equilíbrio entre vida pessoal e carreira.

Pessoas atravessando rua em cidade, uma mulher com cabelo loiro e duas crianças ao lado, destacando laços familiares.
Foto: @tessavmontfoort (Reprodução/Instagram)

incertezas em relação ao futuro

Além da pressão financeira e profissional, muitos jovens veem a decisão de ter filhos atravessada por incertezas em relação ao futuro. A volatilidade do mercado de trabalho e o aumento da expectativa de vida colocam em xeque a viabilidade dos sistemas de aposentadoria, já que a diminuição no número de nascimentos reduz a quantidade de trabalhadores para sustentar cada aposentado. Pesquisas da Spectrem mostram que 56% dos millennials gostariam de se aposentar quando quisessem, mas temem ter que trabalhar para sempre por não conseguirem poupar dinheiro o suficiente. Estudos demográficos indicam que a razão de dependência (número de trabalhadores ativos por aposentado) vem caindo ano a ano, ameaçando a sustentabilidade das aposentadorias públicas e privadas.

ansiedade climática

Outra questão, que merece um bloco inteiramente dedicado a ele, é a ansiedade climática. A possibilidade de trazer uma criança a um planeta em deterioração acentua ainda mais as incertezas sobre o futuro. Eventos climáticos extremos, como secas, enchentes e ondas de calor, já afetam acesso a alimentos e água potável, enquanto previsões científicas indicam que a emissão contínua de gases de efeito estufa poderá agravar esses fenômenos. Segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cenários de alta emissão colocam metade da população mundial sob risco significativo de escassez hídrica até 2050. Essa perspectiva ecológica leva muitos jovens a questionar se é ético ou seguro submeter a próxima geração a desafios ambientais tão severos.

Mãe e criança em frente a uma lareira decorada para o Natal, exibindo laços vermelhos e velas acesas.
Foto: @sincerelyjules (Reprodução/Instagram)

perfeccionismo e a pressão das redes sociais

O excesso de informações e estímulos das redes sociais sobrecarrega nossa capacidade de processamento, gerando ansiedade, estresse e até apatia. Ao acompanhar vidas idealizadas no feed, muitos jovens passam a comparar suas escolhas e conquistas com padrões irreais, alimentando a sensação de insuficiência e a pressão sobre o que significa ser um pai ou uma mãe perfeitos nos dias de hoje.

Essa comparação se intensifica ao observar os próprios pais, levando muitos a acreditar que só estarão preparados para ter filhos quando puderem oferecer condições financeiras e emocionais melhores do que as que receberam. Como resultado, o medo de não corresponder a essas expectativas idealizadas se soma às inseguranças financeiras, profissionais e existenciais, tornando a decisão de ter filhos ainda mais desafiadora e dificultando a confiança nos próprios instintos e valores.

Não posso usar
Foto: @amaka.hamelijnck (Reprodução/Instagram)

amadurecimento tardio e a falta de rede apoio

Em 2022, segundo o Censo Demográfico do IBGE, 26,2% dos brasileiros entre 25 e 34 anos ainda moravam com os pais, contra 24,3% em 2012, confirmando a tendência de aumento da chamada “geração canguru”. Ao permanecerem mais tempo na casa dos pais ou em moradias compartilhadas, muitos passam a encarar o trabalho principalmente como forma de custear despesas pessoais, sem assumir responsabilidades maiores, como administrar um lar ou cuidar de filhos.

Outro fator é a ausência de uma rede de apoio próxima. Diferentemente de gerações anteriores, que contavam com vizinhos, parentes e comunidades prontas para ajudar em emergências, os millennials vivem em ambientes mais isolados. Isso torna a parentalidade uma tarefa mais solitária e exaustiva e retarda o amadurecimento necessário para assumir a maternidade ou a paternidade.

No entanto, esse fenômeno de falta de apoio comunitário e consequente redução da natalidade não é exclusivo dos millennials. Já no século XVII, em uma colônia francesa do Canadá, mulheres que viviam distantes de suas mães registravam menor número de filhos justamente pela ausência de uma rede familiar próxima para auxiliar nos cuidados diários.

Por fim, ter filhos é uma decisão individual e de cada casal, que depende não apenas do desejo pessoal, mas também de diversos fatores sociais e econômicos. Mas é claro, nada disso é absoluto; este é apenas um recorte que apresenta tendências de comportamento de uma geração. Existem millennials que desejam, sonham e já são pais, vivendo alegrias e desafios que não foram abordados aqui.