Precisamos falar sobre os estereótipos da moda que envolvem a comunidade LGBT
A moda sempre foi usada como uma forma de identificação e pertencimento. Quando estudamos décadas passadas, ou até mesmo a atualidade, além de falarmos sobre hábitos, sempre há uma análise das tendências da época. Se vestir é mais do que cobrir o corpo com um tecido, aderir ou se negar a seguir uma tendência, moda é comunicação, mas, ela também está repleta de estereótipos, principalmente quando falamos sobre a comunidade LGBT.
Por muito tempo fomos ensinados que a moda possui diferenciação de gêneros e isso limitou nossas escolhas, além de criar um padrão de julgamento a respeito do que a outra pessoa veste. Basta uma simples conversa com uma pessoa da comunidade LGTB para ouvir relatos do que a moda já representou em sua história. Para alguns, é a partir das roupas que veste que ela se torna vítima de homofobia, gerando assim uma necessidade de camuflar sua sexualidade através da moda, de outro lado, temos aqueles que já a utilizam para reforçar e representá-la imageticamente, ou até mesmo aqueles que não veem ligação e apenas vestem o que gostam e se sintam confortáveis.
Nossas roupas representam quem somos, nosso humor, no que acreditamos e desejamos fazer parte, mas é quando há a necessidade de esconder um lado nosso que entendemos o quão forte a moda pode ser. Essa precisão difere de pessoa para pessoa, pode ser pelo fato da família não apoiar ou saber da sexualidade, por medo de perder um emprego, ou até mesmo medo de sofrer agressões.
Para a comunidade LGBT, essa necessidade surge, em muitos casos, na adolescência, quando vive-se o processo comum a todos de descoberta de seu verdadeiro eu. Neste momento em que a maioria possui a autoestima frágil, lidar com questionamentos e brincadeiras do tipo “você é lésbica? suas roupas são masculinas” não é algo que se deseja encarar, principalmente porque a pessoa ainda não entendeu realmente sua sexualidade. Mas tudo isso, na verdade, é um reflexo da homofobia e dos padrões de moda que fomos ensinados a seguir. Hoje, convidamos pessoas de diferentes sexualidades a fazer parte desse debate e entender como elas já foram julgadas a partir de suas roupas. Te convidamos a se unir e questionar, será que existe se vestir de acordo com sua sexualidade ou estamos apenas seguindo e reproduzindo estereótipos?
será que existe se vestir de acordo com sua sexualidade ou estamos apenas seguindo e reproduzindo estereótipos?
Se pararmos para pensar em nossos padrões de pensamento, sempre associamos os homens bem vestidos, que seguem as tendências de moda como homens gays, e essa associação, além de ser preconceituosa, reflete também na comunidade LGBT, como é o caso do fotógrafo Marcelo Guarnieri, que não só já teve sua sexualidade julgada pela maneira que se veste como ele também já se julgou.
Apesar de desde novo já ter certeza de que era um homem gay, a moda nem sempre foi uma maneira de expressar sua sexualidade, pelo contrário, por muito tempo ele a utilizou como uma forma de escondê-la, mas não de uma maneira que o machucasse. “A restrição do modo que eu me vestia, na minha cabeça era mais como um “respeito” às pessoas a minha volta, não deixava de usar meu mocassim laranja ou vermelho, quando estava com pessoas que tinham mais conhecimento/aceitação com a minha sexualidade mas, quando ia para fazenda, entendia que nem todo mundo tinha essa mentalidade, com isso, acabava indo de bota/roupa de montaria”, relata.
Hoje, ele vê que estava sim se escondendo, mesmo que estivesse feliz com aquilo, mas ele gostava desse seu “outro lado”, como ele mesmo chama. Logo, ele lidava de uma maneira tranquila com isso, era o que ele tinha na época e estava tudo bem, já que não deixava de fazer o que tinha vontade, era um leve “policiamento”.
apesar de desde novo já ter certeza de que era um homem gay, a moda nem sempre foi uma maneira de expressar sua sexualidade, pelo contrário, por muito tempo ele a utilizou como uma forma de escondê-la, mas não de uma forma que o machucasse.
Com o caminho de autoconhecimento e quebra da necessidade de se esconder, Marcelo hoje realmente usa o que o deixa confortável, mas ainda se vê pensando nos questionamentos, e esse é o próximo passo que deseja dar, principalmente quando se trata de moda agênero. “Com o tempo tenho conseguido ser mais seguro, consigo ver a moda com outros olhos, amo que cada dia mais a moda está indo para o caminho sem definição de gêneros, mas ainda tenho muito que entender e evoluir para realmente usar o que eu quero, e não pensar em julgamentos”, divide.
A nossa relação com a moda muda sim a partir do nosso amadurecimento e ganho de autoconfiança, além de refletir o que estamos passando internamente, como já adiantamos. Para o fotógrafo, a sua comunicação através da moda está muito mais ligada ao que ele está vivendo internamente do que qualquer outra coisa. “ Vamos dizer que ainda tenho muita coisa para organizar internamente, então acabo optando por ser mais neutro na hora de me vestir, acredito que me deixa mais calmo, seguro e confortável.
Quando não tenho muita pendência, me dá vontade de ousar bem mais, do tipo usar um vestido camisa, quem sabe não consigo conciliar tudo, a “bagunça”do meu dia a dia e a moda expressando esse momento”, conta Marcelo.
Para a influenciadora Luiza Tardin, a maneira que ela se veste nunca foi um fator que causasse uma associação à sua sexualidade. Como uma mulher bissexual, ela não segue o tal famoso esteriótipo de uma mulher que se relaciona com outras mulheres. “Infelizmente tentam nos colocar em caixinhas, por isso sei que minha sexualidade não é a primeira coisa que enxergam, mas também não é a coisa mais importante sobre mim”, divide. A questão é sim complexa e Luiza conta que mesmo tendo um estilo alternativo, que causa impacto nas pessoas, é só quando ela fala sobre que as pessoas descobrem sua sexualidade.
infelizmente tentam nos colocar em caixinhas, por isso sei que minha sexualidade não é a primeira coisa que enxergam, mas também não é a coisa mais importante sobre mim
Para Luiza, a moda é sua principal ferramenta de comunicação da sua originalidade e de quem ela é, tornando-a tão importante. “Sempre quis causar algum impacto através da forma que me visto, lembro que desde nova as pessoas olhavam pra mim de maneira diferente e eu adorava. Gostava e ainda gosto de me destacar, de fugir do óbvio, de expressar minha identidade”, compartilha.
Karine Pedrosa, engenheira mecânica, por outro lado, relata que por diversas vezes já foi julgada pela maneira que ela se veste, relatando “ infelizmente ainda é um tabu e uma grande dificuldade para as pessoas em nosso meio de entender que a forma com que você se veste não está ligada diretamente há uma orientação sexual”. Em muitos lugares que ela vai, sempre sente olhares, principalmente quando vai ao banheiro, que os olhares de dúvida aumentam ainda mais.
Mas não é só ir em um banheiro público que é um processo desconfortável para ela, por preferir roupas que a maioria das pessoas consideram como destinadas aos homens, a realização de compras oferece a mesma sensação. “Chega a ser engraçado, o quanto as pessoas se preocupam se você está na ala correta, se realmente é para você. Em algumas lojas, no momento de realizar o pagamento, algumas pessoas me perguntam se é para presente, mas é perceptível que ela está me perguntando porque na cabeça dela deve está se passando, "tipo, isso realmente é para você?”, relata a engenheira.
infelizmente ainda é um tabu e uma grande dificuldade para as pessoas em nosso meio de entender que a forma com que você se veste não está ligada diretamente há uma orientação sexual
Karine ainda divide que o processo de compra é repleto de preconceitos, até mesmo com alguns vendedores se negando a procurar peças que a sirvam, mas que a maneira que ela se veste não é o que dita sua sexualidade. “Eu sou lésbica, mas isso não é pela forma que me visto, é pela forma que sou, e que é minha essência e consequentemente vou transparecer, mas as pessoas acham que eu ser assim e somado pela forma com que eu me visto elas tem o direto de fazer piadinhasou de fazer perguntas indiscretas só pelo simples fato de não ser do meu estilo usar roupas que na, grande imposição social, deveriam ser ‘mais femininas’ porque eu nasci uma menina”, divide.
A verdade é que Karine sempre se vestiu dessa maneira, mas entender sua sexualidade a ajudou a definir exatamente que essa é a maneira que ela gostaria de continuar se vestindo. Hoje, ela admira a força que teve em realmente vestir o que deseja, sem precisar se esconder, já que agora ela se aceitou e as pessoas são obrigadas a respeitá-la, mesmo que isso ainda seja uma construção diária.
eu sou lésbica, mas isso não é pela forma que me visto, é pela forma que sou, e que é minha essência e consequentemente vou transparecer
Finalizando, a engenheira acrescenta que hoje a maneira que ela se veste é como ela se sente livre “a maneira com que me visto hoje me faz sentir livre, a todo momento, e por mais que ainda é difícil por tantas opiniões que eu tenho que lidar, ainda é muito bom me vestir do meu jeitinho, me olhar no espelho, e ver ‘Poxa, hoje eu sou grande parte do que eu sempre quis ser. A forma com que eu me visto é a minha forma de olhar no espelho e dizer pra mim mesma: você está no caminho certo, você hoje é a sua melhor versão”.
Respondendo à nossa pergunta inicial, utilizar a maneira que uma pessoa se veste para tirar conclusões a respeito de sua sexualidade é apenas uma maneira de reforçar estereótipos, esses fazem com que algumas pessoas evitem utilizar as peças que desejam ou até mesmo se sinta na necessidade de vestir de uma certa forma para mostrar que é parte da comunidade LGBT. A moda tem sim um importante papel dentro da comunidade, mas ela não é motivo para que pessoas tirem conclusões a respeito de outras. De qualquer maneira, o correto é acabar com o pensamento que existe “cara” de pessoa LGBT e, principalmente, que isso é algo ruim que deva ser evitado.
A moda está aqui para que possamos nos representar, mostrar nossa individualidade e utilizá-la como uma ferramenta de comunicação, não como uma maneira de ler estereótipos.