Um papo sobre o Brasil, inspirações e luxo com Stephane Rolland

por Izabela Suzuki

Quando recebi o convite para entrevistar o estilista francês Stephane Rolland, minha primeira reação foi "uau, ok, precisamos fazer isso acontecer". Entrevistas, dependendo do convidado e do assunto, podem ser desafiadoras de conduzir, ainda mais em outra língua. No entanto, não foi o caso com o renomado costureiro.

Em uma manhã de quinta-feira, fui ao escritório da joalheira Cristiane Porto, amiga de longa data de Stephane. Aos poucos, fui me preparando para o momento. Revisei as perguntas, respirei fundo e acalmei os nervos. Assim que chegou a minha hora, deixei para trás a Izabela ansiosa e assumi a versão preparada e estudada. Fui muito bem recebida por todos na sala, que, aliás, era muito elegante, e não demorou muito para iniciarmos a conversa que revelaria curiosidades sobre a vida do costureiro. Vale destacar que ele já assumiu a direção da linha masculina ready-to-wear da Balenciaga e assinou uniformes para inúmeras empresas, em junto da Balmain.

Stephane Rolland - blusa preta de gola alta  - Staphane Rolland - outono - foto em preta e branca de um homem com os braços cruzados olhando para a frente - https://stealthelook.com.br
Foto: Stephane Rolland (Reprodução/Divulgação)


Assim que me aconcheguei no sofá, agradeci pelo seu tempo e iniciei a entrevista questionando sobre uma das minhas maiores curiosidades: como e quando ele percebeu que era capaz de integrar arquitetura e moda em suas coleções. Afinal, indo além da admiração pelas linhas de Cristóbal Balenciaga, o estilista também é um grande admirador do trabalho de Oscar Niemeyer. Como, então, ele conseguiu unir essas duas paixões em suas passarelas?

"Aconteceu de forma automática", ele respondeu. "Trata-se de criar movimentos; existe uma estátua no Museu do Louvre chamada 'Vitória Alada de Samotrácia', uma mulher com asas cujo força e o movimento dessa escultura são simplesmente brilhantes", completou. "Quando a vi pela primeira vez, foi como se ela estivesse falando comigo; então, desenhei um vestido em movimento, tentando também incorporar sensualidade a ele."

Foto: "Winged Victory of Samothrace" em exposição no Museu do Louvre (Reprodução)

Decidi pesquisar a imagem posteriormente e achei que seria uma boa ideia trazê-la aqui. Ao olhar para ela, compreendi o que Stephane quis dizer com a força e movimento que tanto retrata em seus vestidos de alta-costura. "Quando eu estava na escola de moda (Rolland estudou na Écoles de la Chambre Syndicale De La Haute Couture Parisienne), uma professora abriu meus olhos também. Ela me explicou que é como observar um homem jogando tênis. Você perceberá que o movimento dos braços é feito com muita energia". 

"Então comecei a criar desenhos com linhas precisas e energéticas; se você fizer muitos 'rabiscos', o desenho perderá o movimento", compartilhou o estilista. "Dessa forma (sendo preciso), quando você apresenta o esboço ao costureiro, ele consegue visualizar facilmente para onde você quer ir e o movimento retratado, e eu aprendi isso muito cedo", acrescentou.

Semana de alta-costura Outono/Inverno 23/24 - vestido preto longo - Stephane Rolland - outono - modelo de costas subindo uma escada grande e longa - https://stealthelook.com.br
Foto: Coleção Outono/Inverno da Semana de Alta-Costura 23/24 (Reprodução/Divulgação)

quando pus os pés em Brasília pela primeira vez, eu chorei.

Rolland expressava cada palavra com grande carinho, como se verdadeiramente fosse grato por todas as fontes de inspiração em sua vida. Entre elas, Cristóbal Balenciaga parece ser seu grande herói na moda, enquanto fora do âmbito fashionista, o brasileiro Oscar Niemeyer, uma das figuras-chave na construção da capital do país, se destaca para ele. "Quando pus os pés em Brasília pela primeira vez, eu chorei", revelou. 

"Naquele momento, me encontrei. Senti uma conexão profunda, como se fosse uma revelação de quem eu era. Percebi que o trabalho de Cristóbal e a maneira como as ruas de Brasília foram projetadas eram semelhantes", explicou com alegria. As palavras escolhidas para descrever ambas as formas de arte? Autenticidade, devoção, pureza, minimalismo e generosidade.

Em seguida, ele mesmo completou o que estava passando em minha mente enquanto o escutava. "É estranho como ninguém para para fazer essa relação", observou, e eu concordei. "Não é pretensão da minha parte, mas percebi que a estética de ambos estava muito próxima da minha, e era exatamente isso que eu queria expressar", finalizou.

Sua admiração pelo trabalho de Cristóbal o levou a ingressar na grife aos 21 anos, embora não por escolha exclusiva dele. Como ele mesmo mencionou, era muito jovem e, naquela época, nem sempre se pode escolher exatamente onde deseja trabalhar. Curiosamente, seu sonho era obter um estágio com Yves Saint Laurent, mas os ventos o levaram para outra direção e ele nem imaginava.

"Para mim, a Balenciaga era intocável", disse. "Naquela época, com 18 anos, conheci Pierre Bergé (sócio estilista e esposo de Yves Saint Laurent). Quando consegui uma entrevista com ele, me disseram que eu teria apenas 15 minutos; no entanto, conversamos por uma hora e meia", contou, e rimos juntos. "Ao final, Bergé me disse que eu não trabalharia com Saint Laurent e eu fiquei desesperado. 'Por quê?', eu perguntei, sou jovem, só quero um estágio", comentou Rolland. Bem, no final das contas, Pierre tinha outra ideia para o jovem estilista.

Pierre o apresentou ao então diretor da escola de moda francesa, a FIA, e o estilista se viu diante de duas personalidades muito importantes definindo seu destino. "Eu logo falei que não queria estudar, mas que queria trabalhar. Eles me disseram que eu deveria ir para a Balenciaga, e eu questionei, é sério?", explicou. "No dia seguinte, tive uma entrevista com a diretora geral da marca; ela abriu meu livro de desenhos e parecia estar entediada. No entanto, assim que o fechou, disse que eu começaria no dia seguinte", conta.

Stephane Rolland - terno preto - Stephane Rolland - verão - homem em pé na passarela ao lado de modelos usando seus vestidos - https://stealthelook.com.br
Foto: Stephane Rolland (Reprodução/Instagram)

precisávamos reestruturá-la. Começar do zero!

"A Balenciaga não era como é hoje. Era o renascimento da marca. Precisávamos reestruturá-la, começar do zero", explicou. "Quando você entra em uma empresa, é fácil ser 'apenas mais um número', mas eu não era isso. Eles me confiaram muitas responsabilidades, e eu absorvi tudo o que podia; aprendi muito".

Em um ano de estágio, Stephane Rolland assumiu a direção criativa da linha masculina da marca. "Foi uma experiência incrível", conclui. Em seguida, arrisquei uma pergunta mais ousada, questionando se eventualmente ele voltaria a produzir peças ready-to-wear. A resposta foi curta, um simples não. Afinal, Rolland gosta de receber cada um de seus clientes em seu ateliê e, além disso, comenta que não quer trabalhar "como um louco" e que quer cuidar da saúde, afinal, só temos essa vida. 

"Eu não concordava com algumas coisas e com a forma como eles estavam tratando a moda, e, ao mesmo tempo, estava sem dinheiro para abrir a minha própria marca. Foi então que me ofereceram um novo mercado, o de uniformes, com a Maison Balmain", conta.

Stephane compartilha que logo de início teve que produzir mais 5.000 uniformes que atendessem a todos. Dá para imaginar? Perguntei a ele se os limites criativos eram diferentes nesse caso, comparando com o prêt-à-porter, e sem hesitar, me respondeu que sim, mas que era um grande aprendizado.

"Meu segundo contrato foi com a Peugeot (a marca de carro francesa), e mais uma vez, lá estava eu produzindo 10.000 uniformes que precisavam ter um bom preço, às vezes serem laváveis na máquina e que fossem elegantes e chiques ao mesmo tempo. Certamente, é um desafio", completa. Depois disso, o costureiro conseguiu abrir sua marca que continua colecionando admiradores até hoje, inclusive celebridades.

Maria Fernanda Cândido, Celine Dion, Jada Pinkett Smith e Philippine Leroy-Beaulieu - roupas diversas - Stephane Rolland - verão - colagem de imagens - https://stealthelook.com.br
Foto: Maria Fernanda Cândido, Celine Dion, Jada Pinkett Smith e Philippine Leroy-Beaulieu (Reprodução/Instagram)

Stephane foi o responsável por vestir muitas personalidades, entre elas, Jada Pinkett Smith e Celine Dion. Lady Gaga também faz parte das musas que tiveram a oportunidade de usar uma peça de Stephane. Além disso, no seu portfólio também estão alguns dos figurinos do seriado "Emily em Paris".

Quando perguntei se ele conseguiria escolher um momento favorito dentre esses, ele respondeu que não, pois foram muitos momentos fantásticos. "É um presente quando as pessoas gostam do seu trabalho. Eu amo artistas e amo a parte 'humana', de poder conhecer e criar para eles".

Dentre todos os nomes que ele citou, o que mais se destacou para mim foi o de Maria Fernanda Cândido. Rolland não poupou elogios à atriz brasileira e disse que é um prazer vesti-la. Em meio a risadas, ele contou que ela pode pegar todos os vestidos de seu acervo. Inclusive, ela desfilou na sua última coleção de outono/inverno da alta-costura e foi convidada a apresentar um poema de Clarice Lispector para a audiência. Maria Fernanda não só aceitou o convite, como também o recitou em francês.

E essa fascinação pelo Brasil não para na atriz Maria Fernanda. Como chegamos nesse assunto, me senti na obrigação de perguntar a ele por que homenagear o Brasil no seu último desfile de primavera/verão e, claro, como ele escolheu o que seria representado na coleção. Afinal, como expliquei a ele, moramos em um país imenso e cheio de culturas diferentes, até mesmo dentro de um único estado.

Rolland contou que é impossível retratar o Brasil em apenas uma coleção, que ele precisaria ser mais amplo, mas que ele queria capturar um pouco da sua primeira viagem ao Rio de Janeiro. "A primeira coisa que mais me seduziu foi o perfume", ele conta. "Eu juro, o aeroporto cheirava bem", completa. "Depois desse primeiro impacto, fui surpreendido pelas vegetações; a estética da cidade falou comigo instantaneamente".

Junto disso, veio a inspiração da cultura marajoara, que floresceu na ilha de Marajó e também a de Nossa Senhora, que pode ser vista no último look, a noiva, vestida em uma espécie de manto dourado todo esculpido. Um visual de tirar o fôlego. 

Coleção de alta-costura S/S Stephane Rolland - N/A - Stephane Rolland - primavera - modelo negra desfilando na passarela - https://stealthelook.com.br
Foto: Coleção de alta-costura S/S Stephane Rolland (Reprodução/Divulgação)

aqui você vê muito das próprias marcas do país, e isso é bom! Vocês protegem a identidade e conhecimento de vocês.

Junto a tudo isso, Rolland não escondeu sua admiração pela nossa autenticidade. Conversamos um pouco sobre como, às vezes, somos capazes de não ligar para as nossas raízes e não querer desvendar mais sobre nossa própria cultura. O costureiro disse que isso acontece em todos os lugares, mas reforçou que aqui somos diferentes. "Quando cheguei aqui pela primeira vez, eu reparei que a cidade não estava lotada das mesmas marcas que vemos em todos os outros lugares", explicou. "Aqui, você vê muito das próprias marcas do país, e isso é bom! Vocês protegem a identidade e conhecimento de vocês", conta.

"Vocês não se parecem com as demais cidades", finalizou, e eu concordei, parando para refletir que, de fato, o nosso "borogodó" é só nosso.

Stephane Rolland - N/A - Stephane Rolland - primavera - homem sentado em um sofá desenhando ao lado de uma modelo - https://stealthelook.com.br
Foto: Stephane Rolland (Reprodução/Instagram)

Chegando ao fim do nosso papo, entrei no assunto sobre o futuro. É clichê, mas como não perguntar sobre os sonhos e desejos para o futuro? O estilista dividiu que dentro do universo da moda, mais especificamente da alta-costura, está tudo muito bem encaminhado, que tudo está dando certo. Mas que ele está preocupado com o futuro da manufatura e da continuidade do trabalho haute couture.

"Precisamos educar os jovens para que eles saibam diferenciar a verdadeira essência do luxo", falou. Imediatamente, é como se ele tivesse lido minha mente, pois eu estava prestes a perguntá-lo qual era a definição dessa palavra para ele. "Preservar a qualidade, a elegância, isso é o verdadeiro luxo", completou. "É cuidar dos detalhes, das proporções, da origem, entende? Tudo precisa fazer sentido quando finalmente está no corpo".

"Todo dia eu estou aprendendo algo; sou um eterno estudante. É assim que eu trago beleza para a minha vida e cresço", explicou o estilista.

Stephane Rolland - blusa preta de gola alta - Stephane Rolland - outono - homem parado em pé com os braços cruzados - https://stealthelook.com.br
Foto: Stephane Rolland (Reprodução)

jogo rápido:

Para fechar, não perdi a oportunidade de fazer um bate-bola com ele, para descontrair um pouco.

Como você descreveria seu estilo de criação?

S.R: Trazendo emoção! 

Um prato do Brasil?

S.R: É difícil, pois eu gosto de tudo daqui! E pode considerar isso como um elogio vindo de um francês que preza muito pela culinária!

Um hobby?

S.R: Sem tempo, infelizmente.

Um artista?

S.R: Constantin Brâncuși.

Um conselho para todos aqueles que querem entrar nesse fascinante e "louco" mundo da moda?

S.R: Humildade, observação e muito trabalho.

Um lugar na França que todos deveriam conhecer um dia?

S.R: A Provença, pois eu cresci lá, é parte da minha vida. Mas são muitos lugares incríveis, é difícil dizer.

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