O Brasil é um dos países com maior diversidade de culturas e religiões. Entre elas está o Islã, que, segundo dados do último censo feito pelo IBGE, tem cerca de 35 mil adeptos no país. A exemplo do que mostramos na matéria sobre moda evangélica, o Islã também tem seus formadores de opiniões jovens nas redes sociais e hoje abrimos espaço para conversar com quatro influenciadoras muçulmanas, que apresentam como conectam a sua fé com moda, beleza e comportamento, acabando de vez com estereótipos islamofóbicos, com muito bom humor, leveza e tolerância.
Para começar a debater sobre a relação dos jovens muçulmanos com as tendências, é preciso lembrar de termos que permeiam - e muito! - este universo como moda modesta, halal beauty e as hijabs bloggers, que têm ganhado notoriedade falando sobre sua cultura, religião e fé para milhares de seguidores ao redor do mundo. E não só isso, elas também mostram que seu estilo de vida não é nada diferente das outras pessoas e que sim, elas fazem compras em lojas de departamento, passam por transição capilar e frequentam lugares comuns a muitos jovens de outras crenças.
_a liberdade da mulher muçulmana
Infelizmente, ainda é comum encontrar quem crê que mulheres adeptas ao islamismo não têm liberdade, e as quatro influenciadoras muçulmanas com quem conversamos possuem alguma história relacionada a essa visão errônea e perjorativa que as pessoas têm sobre elas, suas relações pessoais (como o casamento), a escolha de vestimenta ou até mesmo o uso do véu, chamado de hijab.
Salvo, é claro, casos específicos e extremos - como pode acontecer em qualquer religião -, mulheres muçulmanas são engajadas, estudiosas, têm relações saudáveis e cheias de companheirismo com seus parceiros, e estão na linha de frente como porta-voz da religião para não-muçulmanos ou até mesmo à frente de negócios.
_o que é o hijab
O hijab é uma peça que faz parte do vestuário e estilo de vida das muçulmanas. É um acessório - feito, na maioria das vezes, de chiffon, cetim ou algodão -, que simboliza a modéstia, a moralidade e o empoderamento para as adeptas ao islamismo. O princípio do uso desse véu está totalmente conectado com o Divino. "O uso do hijab é uma ordem de Deus, só que no Islamismo é pecado forçar a mulher a algo que ela não queira, sem que a mesma se sinta à vontade", relata Hyatt Omar, uma das incluenciadoras muçulmanas com quem falamos.
o lenço não é para ser sensualizado, não é para ficarmos mais bonitas. Ele faz parte da nossa fé
Portanto, diferente do que muitos pensam sobre o hijab, seu uso não é uma opressão à mulher. Elas o usam porque assim desejam, afinal, para elas é uma representação de empoderamento e coragem. "Para mim, a minha religião garante todos os meus direitos, mas a sociedade que eu vivo me tira os mesmos", diz Hyatt.
_halal beauty e moda muçulmana
Halal (pronuncia-se Haléle) é uma certificação muito parecida com os selos de vegan ou cruelty free, que garante que tudo - fórmula, fabricação, embalagem e armazenamento - está livre e não entra em contato com ingredientes derivados de animais, bebidas alcoólicas, sangue e conteúdo prejudicial. Além disso, é um controle de qualidade que certifica, por exemplo, que o animal foi abatido da forma correta, segundo o Alcorão. Essa certificação se estende para a beleza sob o termo de halal beauty, um nicho da indústria de beautè que deve movimentar 52,2 bilhões de dólares até 2025.
Ainda falando sobre beleza muçulmana, outra palavra muito buscada é "permeável". Isso porque, para os adeptos da religião, é importante que os produtos permitam que a água toque a pele por causa do wudu, purificação que os prepara para a oração, feita cinco vezes ao dia. "Nós não utilizamos esmaltes, por exemplo, pois eles prejudicam nossas obrigações de purificação", explica Pamela, uma das influenciadoras muçulmanas entrevistadas, que ainda complementa: "mas, existem esmaltes que dizem ser Halal e que indico para toda mulher não-muçulmana também."
E se para falar de beleza, muitas vezes usa-se o termo Halal Beauty, para a moda é comum se deparar com a expressão moda modesta - que, vale lembrar, não é uma exclusividade da religião islâmica. Embora não tenha uma origem definida, moda modesta representa quaisquer peças que cobrem boa parte do corpo e tem como intuito fazer com que os olhos das pessoas estejam voltados para além do corpo. "Quando dou palestra sobre algum tema, sem precisar mostrar o meu corpo, fazer um babyliss ou chapinha (coisa que eu faço para mim mesma), mostra que as pessoas estão ali pra ouvir o que eu tenho a falar", relata Carima.
Confira agora o nosso bate-papo com quatro influenciadoras muçulmanas incríveis, que você deveria conhecer e seguir:
_mariam chami
Mariam é influenciadora, empreendedora e mãe de primeira viagem. Ela divide seu dia a dia entre todas essas funções, sempre com muito estilo e personalidade. Filha de pai libanês muçulmano e mãe brasileira convertida, Mariam já nasceu dentro da religião islâmica.
Com muito humor e didática, a influenciadora muçulmana usa as redes sociais para compartilhar um pouco da sua vivência como uma mulher religiosa, mãe e empresária, quebrando diversos paradigmas que os não-muçulmanos colocam à primeira vista.
um erro comum que as pessoas cometem ao pensar em beleza muçulmana é achar que nós só usamos maquiagem carregada, além de (quase) sempre nos confundirem com mulheres indianas
Mariam faz sucesso na internet com Jennifer, uma personagem criada por ela para fazer com que as pessoas tenham mais empatia e conhecimento sobre o que é ser muçulmana. "A Jennifer não tem papas na língua, ela coloca a mulher muçulmana no estereótipo que as pessoas acham que nós somos", explica.
Embora tenha tido, na adolescência, dificuldade de se aceitar e se achar bela, Mariam sempre gostou de maquiagem e cuidados com os cabelos. "Tudo que aprendi de maquiagem foi no Youtube", conta, "bem no comecinho das grandes influenciadoras - não muçulmanas - que fazem sucesso hoje."
Para fazer uma das maquiagens favoritas de Mariam, você vai precisar dos produtos abaixo:
_hyatt omar
Hyatt Omar é brasileira, filha de palestinos, estuda Psicologia no Canadá e é ativista de causas palestinas. A muçulmana usa as redes sociais para ensinar sobre a sua religião e dar dicas de estudos.
Com a mudança de país e a pandemia, descobriu que sua autoestima não dependia de processos químicos nos cabelos, nem de excessos na maquiagem. Ao se questionar sobre o padrão estético ideal, chegou a conclusão que sua beleza é livre. "As minhas olheiras me incomodam muito e eu não conseguia aparecer sem produto no rosto", confessa, "e na quarentena isso mudou tanto para o cabelo, quanto para maquiagem. Hoje, enxergo o cuidado dos dois como uma forma de elevar a autoestima e não uma prisão."
Tendo muito respeito e amor pela religião, Hyatt é a única das quatro entrevistadas que não usa o hijab para sair em público. "Temos os cinco pilares da fé e tem certas coisas que eu preciso trabalhar na minha fé para chegar num lugar de conforto para o uso do hijab", explica, "eu uso o meu livre arbítrio como mulher, como muçulmana, como ser humano para não usar algo que eu não estou preparada."
_pamelabdul
Pamela Abdul é ambientalista, mãe de duas crianças, muçulmana há nove anos e empresária nômade com estilo de vida minimalista. Ela tem dois projetos lindíssimos, o Seja Halal - um catálogo de produtos Halal - e o Entre Irmãs, uma rede colaborativa entre muçulmanas e para mulheres de locais lusófonos (que têm o português como língua oficial ou dominante). Entre as ações dos projetos, "fazemos a distribuição de um box com hijab e livros para as irmãs mais carentes", conta.
Inclusive, uma das primeiras lembranças com o hijab que Pamela tem é de se sentir "livre pela primeira vez. Livre dos estereótipos que cresci ouvindo, livre da preocupação de estar dentro do padrão na rua para estranhos, livre dos meus próprios receios e julgamentos, de ficar me ajeitando e arrumando o tempo todo, livre de olhares vulgares que já havia me acostumado."
Por ser ambientalista, sua relação com a beleza é totalmente conectada às formas naturais de consumo. Pam explica que os muçulmanos são considerados a nação moderada e os humanos são os Khalifatullah (administradores) do mundo, e que, portanto, se consumisse uma beleza que maltrata animais, provoca desmatamento ou até mesmo gera lixo excessivo, não estaria cumprindo seu papel. "Então, juntando essas informações e sabendo de toda a destruição e injustiça que acontece dentro do mundo da beleza, me sinto na obrigação de saber o que uso, pois serei responsabilizada por isso", diz, "e no Brasil não temos muitas empresas certificadas, por isso costumo comprar produtos cruelty free de marcas pequenas e fazer em casa meus preparados, pensando em uma vida mais naturalista."
_carima orra
Carima Orra é influenciadora digital, brasileira, descendente de libanês e mãe de três meninos que inspiraram muito sua carreira nas redes sociais. Quando perguntamos sobre os maiores erros que as pessoas cometem em relação à mulher muçulmana, ela diz: "acham que somos oprimidas e não podemos mostrar o cabelo, e isso está errado. Para si mesma, para a família, para o marido, a gente pode mostrar." Carima ainda admite que se vê "um lançamento de shampoo, um produto novo, fico louca para experimentar como qualquer outra pessoa."
faço rabo-de-cavalo, trança, tudo que uma mulher comum faz. A diferença é que pra sair, eu cubro. É somente uma questão de fé, é aquilo que eu acredito
Uma das maiores realizações que a influenciadora tem é a oportunidade de trabalhar com marcas de vitaminas e shampoo sem precisar mostrar os fios. "Me sinto feliz porque prova que a minha fala tem muito mais relevância que o meu cabelo." E quando o assunto é moda, sua paixão por esse universo a levou até para as passarelas, sendo pioneira em um desfile de moda modesta, o Modest Fashion Week em Miami.
Carima ainda tem o sonho de ser capa de alguma revista de moda. "Acho que representatividade é quando a pessoa pode participar de tudo mesmo sendo diferente (do padrão)", reflete, "e a moda consegue abraçar todo mundo, seja uma pessoa cadeirante, uma pessoa negra, uma pessoa muçulmana. Todas deveríamos estar incluídas na moda."