A coragem de ser brasileira no exterior

por Anne Santos

Na fila da imigração do aeroporto de Lisboa, eu esperava ansiosamente a minha vez de ser atendida pela sempre calorosa (contém ironia) recepção da polícia portuguesa. Entreguei meus documentos, contei minha história e fingi aquela simpatia de quem passou nove horas em um assento de avião. O policial que me atendeu perguntou-me de tudo, insistiu na desconfiança - eu já estava preparada para a deportação quando finalmente ele olhou para mim e disse que era difícil acreditar na minha história porque “vai me desculpar, mas uma menina brasileira entrando em Portugal sozinha né... levanta suspeitas”. Eu olhei para ele sem entender a insinuação; suspeitas de quê? Traficar pastel de nata?

Só depois minha ficha caiu: a suspeita era de que eu estava entrando em Portugal para me prostituir. Acho que quebrei um novo recorde; não durei nem 30 minutos em solo estrangeiro até que o primeiro homem me chamasse de puta. Meus primeiros momentos como imigrante foram uma amostra do que eu descobriria ser a realidade da mulher latina, de uma equação quase científica aos olhos europeus.

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Foto: Kay (Reprodução/Pinterest)


mulher + sozinha + brasileira = puta

O cálculo da violência que permeia a vida de uma comunidade inteira de mulheres que corajosamente escolheram a vida no exterior é complexo. Nos belíssimos cinco anos como imigrante brasileira em Portugal, posso dizer que tive sorte, mas não passei ilesa - aliás, passei longe disso. A violência contra a mulher brasileira é complexa e toma muitas formas. Às vezes, ela é sutil, quase imperceptível, flutuando em partículas invisíveis no ar. Está nos olhares e no tom de voz depois que escutam o meu sotaque carioca; está no sentir-se descredibilizada por ser jovem e latina diante de homens brancos e mais velhos que você - está nas salas de aulas, nas entrevistas de emprego, na caixa do supermercado, no guichê da imigração, da grande esfera à mais trivial. Embora muitas vezes seja difícil apontar com certeza, todas as outras brasileiras que cruzaram meu caminho confirmam: carregam o peso da latina estereotipada em comunhão, como um segredo só nosso.

A vida da mulher latina hoje é um produto direto do que herdamos da colonização europeia (além de pombos, o vírus da gripe e racismo, é claro). Desde o estupro das mulheres indígenas e negras, a América Latina foi moldada como a conhecemos. Mais de 500 anos se passaram, mas ainda hoje as mulheres latinas carregam um alvo nas costas. O peso disso no dia a dia manifesta-se nas microagressões e, em alguns casos, em grandes agressões; nos olhares maliciosos e nos comentários que escapam durante as conversas. E deste pacto silencioso entre os homens europeus, solidificam-se os casos mais absurdos que se pode imaginar, nas histórias que já aconteceram comigo e nas que ouvi de amigas.

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Foto: Anitta (Reprodução/Instagram)

E é lógico que nossa vida amorosa também não escapa disso. O que os homens esperam do encontro com uma brasileira é uma personagem pornográfica. Não tem cérebro, nem voz, mas tem bunda. Uma personagem para sexo e fantasia. Sem nenhuma brincadeira, quase todas as vezes que eu declaro que sou brasileira para algum europeu, consigo ver um VT da Anitta rebolando no submundo do cérebro deles - isso não é uma crítica à Anitta, inclusive Anitta, se estiver lendo isso, saiba que eu te amo.

É claro que reconhecer a beleza e sensualidade da mulher latina não é o problema. O problema é quando a sensualidade não é sua para viver, mas dos homens para fantasiar. E eles fantasiam tanto que isso contamina sua vida acadêmica, profissional e amorosa. Não demora muito até você começar a questionar suas relações com todo homem que já cruzou seu caminho - já não se sabe se o que ele viu era você mesma ou um personagem inventado por outros homens.

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Foto: Elle Kaiser (Reprodução/Pinterest)

Geralmente, também vem nesse combo a certeza inabalável de que as latinas querem, a qualquer custo, um europeu para garantir seu passaporte. E, particularmente em Portugal, as brasileiras têm a fama de roubar os maridos das portuguesas. Sim, eu atravessei o oceano Atlântico, deixei minha família e passei por todo processo de imigração porque meu sonho é "roubar seu bigodudo". Como eu disse, a hostilidade que é invisível, pouco a pouco começa a tomar forma diante dos nossos olhos.

Mas contrariando todos os boatos indecentes, a grande maioria das mulheres imigrantes está aqui em busca de um diploma, de uma carreira ou de novas experiências. Outras abandonaram toda a sua vida para fugir da pobreza e violência que encontravam em seu país de origem para sustentar suas famílias de longe. No meu tempo como imigrante em Portugal, conheci tantas brasileiras incríveis que não conseguiria contar em sete mãos. Desde minhas melhores amigas, conhecidas que cruzo na rua, até a caixa do supermercado e minha manicure. Todas são singularmente complexas e únicas, vivendo a imigração como podem e carregando com elas suas raízes femininas e as histórias das brasileiras que as criaram e as colocaram no mundo. Mais do que qualquer coisa, fiquei cada dia mais orgulhosa de mim e de tantas outras mulheres que deixaram a mãe pátria amada - que nunca percamos nossa sensualidade, nossa beleza, mas sobretudo, nossa coragem.

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