Como o movimento tradwife está tirando as mulheres do mercado de trabalho
Ser uma “esposa tradicional”, ou uma tradwife, é uma tendência social, cultural e que ganhou as redes sociais nos últimos tempos. O movimento é retratado por vídeos de mulheres mostrando uma rotina aparentemente “perfeita”, celebrando os papéis femininos tradicionais dentro do casamento e da família, com dedicação total aos filhos e as tarefas domésticas.
Já a “esposa troféu”, representada por mulheres jovens, que exibem uma rotina de luxo, tempo livre e são sustentadas pelo parceiro, virou o sonho de muitas. A questão crucial aqui é que ambos os movimentos não retratam a realidade da grande maioria, podendo deixar as mulheres, na maioria das vezes, financeiramente desprotegidas.
Ambos os movimentos acendem um alerta, pois abrir mão da independência financeira pode ser o primeiro passo rumo à dependência emocional, vulnerabilidade econômica e perda de autonomia.

afinal, o que é a tradwife?
Inspirado no papel doméstico feminino dos anos 50, as “tradwives” costumam se apresentar como esposas que se dedicam integralmente à casa e aos filhos. Defendem que o marido é o provedor, a mulher deve cuidar do lar, enxergam a feminilidade tradicional como algo valioso, empoderador e rejeitam o que chamam de “pressão moderna” para ter carreira e independência financeira.
O conteúdo costuma mostrar rotinas “perfeitas”, com uma relação marcada por submissão feminina, valores familiares conservadores e uma estética retrô com vestidos rodados e casa impecável, além de cafés da manhã preparados do zero e maridos sendo servidos à mesa.
e esposa troféu?
Nas redes sociais, o termo “esposa troféu” virou tendência e o sonho de muitas. Normalmente são representadas por mulheres jovens, bonitas e que exibem uma rotina de luxo, beleza e tempo livre. Elas são sustentadas pelo parceiro e compartilham o que seria uma vida “ideal”, sem grandes preocupações e compromissos.
A maioria dos vídeos mostra liberdade das tarefas domésticas, já que nada de louça ou vassoura aparece, porque muitas das “esposas troféu” delegam essas funções e exibem uma rotina focada em autocuidado. A estética aparece como estilo de vida, com academia, salão, skincare, procedimentos, compras no shopping, looks e viagens de luxo fazendo parte do pacote visual, onde o corpo e a imagem são o cartão de visita. O status também é central: o parceiro costuma ser rico, oferece casa, conforto e carro de luxo, sendo o provedor da relação, enquanto a mulher aparece como símbolo de sucesso, reforçando a ideia de uma “vida perfeita” em que ela é o troféu.

mas qual o problema por trás desse estilo de vida?
Quem assume e defende esses papéis diz que é sobre a autonomia de escolher uma vida mais caseira e desacelerada, rejeitando a pressão de “ter tudo” (carreira, maternidade, independência financeira). A grande questão é que esses movimentos vendem a imagem de uma vida perfeita, mas escondem questões profundas e realidades que, muitas vezes, são inalcançáveis para a grande maioria das mulheres.
Os principais problemas que esses movimentos carregam são a romantização da dependência financeira, que aparece disfarçada de amor e segurança. Se tudo estiver bem alinhado no casal, esse estilo de vida até pode funcionar, mas sem renda própria a mulher perde autonomia, poder de decisão e fica vulnerável em caso de separação.
A estética também se torna valor, porque o corpo e a beleza são uma moeda social e reforçam a ideia de que a valorização da mulher está na aparência, na docilidade e na capacidade de “inspirar orgulho” no parceiro, e não em suas próprias conquistas. Além disso, existe uma nostalgia perigosa, já que esses movimentos se apoiam na ideia da “família perfeita” dos anos 1950, ignorando que, naquele modelo, as mulheres tinham menos direitos, menos liberdade e pouca voz.
Por trás do glamour e da estética perfeita, existem questões financeiras e jurídicas que podem deixar essas mulheres desprotegidas no futuro, em caso de divórcio ou até mesmo falecimento dos parceiros. Para entender melhor sobre isso, ouça o episódio #56 com Patricia Kaddissi.
No entanto, escolher esse estilo de vida muitas vezes é o reflexo do desejo de desacelerar, viver o feminino sem culpa, e de escolher um papel tradicional por vontade própria, não por imposição.
Uma reportagem do Washington Post mostra que de acordo com uma análise de dados feita por Misty Heggeness, professora da Universidade do Kansas e ex-economista do Census Bureau, a participação de mães no mercado de trabalho entre 25 e 44 anos com filhos pequenos caiu quase 3 pontos percentuais entre janeiro e junho, atingindo o nível mais baixo em mais de três anos.
Após o avanço conquistado no pós-pandemia, o fim do trabalho remoto e da flexibilidade vem empurrando muitas mulheres para fora do mercado. Empresas e órgãos públicos voltaram a exigir presença integral no escritório, o que afeta especialmente essas mulheres.

seria o início de um retrocesso silencioso ou uma tendência geracional?
Desde janeiro de 2025, mais de 200 mil mulheres deixaram o mercado de trabalho nos Estados Unidos, com impacto maior entre negras e jovens de 25 a 34 anos.
Essas interrupções são preocupantes e reduzem ganhos ao longo da vida e dificultam o retorno a cargos de liderança. Esse cenário é visto como um retrocesso estrutural na presença feminina no mercado de trabalho.
Já um estudo da Motherly — State of Motherhood Report 2024, mostra que dois terços das mães consideraram deixar a força de trabalho por causa do estresse e custo de cuidado infantil. A parcela era ainda maior entre as mães da Geração Z (82%).
O levantamento mostra claramente que a maternidade e as responsabilidades de cuidado são fatores que pesam na decisão de sair ou reduzir o trabalho remunerado entre a geração mais nova.
Planejar as finanças é sobre liberdade de escolha e poder decidir se quer trabalhar, cuidar da família ou fazer os dois.
Toda mulher deve ser livre para fazer o que faz sentido para ela naquele momento. Mas é importante falar sobre isso com responsabilidade. Acordos bem combinados (como os pré-nupciais, que podem ser revistos a qualquer momento) também são formas de proteção.
Porque a vida muda, os filhos crescem, o casamento pode não ser eterno, e estar financeiramente preparada é o que garante a liberdade de continuar escolhendo.
