Designers da Dendezeiro compartilham experiências da carreira de estilista
A profissão de estilista é muito desejada na indústria da moda. Ser a pessoa que cria peças que centenas e até milhares de pessoas podem usar é ao mesmo tempo um sonho e um desafio. Ela é a primeira função que vem à mente de muita gente quando se fala em carreira de moda, justamente por ser uma das profissões criativas que idealizam o que vai para as passarelas e/ou para as lojas. E para falar um pouco mais sobre isso, conversamos com o Hisan Silva e o Pedro Batalha, diretores criativos e CEOs da Dendezeiro, uma marca nacional que se destacou na indústria brasileira nos últimos anos.
Hisan e Pedro compartilharam um pouco sobre a trajetória deles, como é ser diretor criativo de uma marca como a Dendezeiro, falaram sobre os desafios da profissão e deram dicas para quem pensa em seguir a carreira. O mais legal é que nenhum dos dois tiveram a formação tradicional para se tornarem estilistas, mas aproveitaram as aptidões naturais e estudaram as técnicas e o olhar para se tornar profissionais incríveis.
A definição de estilista é “aquele que se dedica, profissionalmente, a criar e desenvolver um estilo de roupa”, segundo o dicionário Michaelis. Ou seja, é quem vai conceber a ideia de uma peça, desenhá-la, criar um conceito e coordenar uma equipe que vai ajudar a executá-la. O estilista pode trabalhar para grifes e grandes empresas do varejo, mas também ter sua própria label. Para saber mais do dia a dia desse profissional, vem conferir nosso papo com os meninos da Dendezeiro:
STL: Conta para a gente um pouco da história profissional de cada um de vocês individualmente? Como começaram a carreira de estilistas? O que os motivou a seguir esse caminho?
Hisan Silva: Eu sempre usei moda como ferramenta de emancipação. Foi através da roupa que eu me protegi do bullying na escola, foi através da roupa que eu expus minha sexualidade para família, foi através da roupa que eu me reconheci e firmei minha identidade. Falar de moda pra mim é muito mais que pensar em um negócio, o negócio veio como uma oportunidade. Eu estudei diferentes frentes artísticas, minha formação é em produção cultural, cursei audiovisual, tive várias experiências como modelo e por fim entendi minha paixão por fazer direção criativa e design de roupa mesmo. Quando eu fundei a Dendezeiro, só se passava na minha cabeça o quanto eu tinha aprendido com todas as minhas experiências profissionais para comungar aquele momento. Eu tinha a faca e o queijo na mão, e uma aptidão natural, já que nunca cursei moda de forma específica e nem almejei isso, já que nem parecia uma possibilidade sincera em Salvador. A Dendezeiro nasceu de um sonho, uma vontade e principalmente por um talento.
Pedro Batalha: A moda surgiu na minha vida de forma muito espontânea. Eu costumo dizer que não tive grandes inspirações quando criança sobre esse universo, mas talvez foi a exata ausência dele que me cativou a mergulhar no futuro. Antes de aceitar que eu pertencia ao universo artístico, eu me arrisquei em algumas áreas que não iam de encontro com a minha personalidade. Eu fui descobrindo a moda à medida que eu ia adentrando ao universo da criatividade, da comunicação, das artes visuais e audiovisuais. Esse estudo autodidata, pois não fiz faculdade de moda, foi o reflexo do que eu tinha adormecido dentro de mim. Quando eu entendi que podia transmitir as minhas ideias para o mundo através da moda, eu soube que estava no caminho certo.
STL: Como surgiu a ideia de se juntarem e criar uma marca?
Dendezeiro: A gente já era apaixonado por moda, cada um no seu canto. Tudo começou quando a gente começou a montar nosso próprio guarda-roupa juntos, fazíamos passeios juntos para garimpar em brechó e customizar peças. Foi quando a gente entendeu que nossa junção era possível, porque existe muita diversão na nossa criação, nossas ideias se complementam de forma incrível, somos muito diferentes, mas apesar disso somos lineares. Quando a oportunidade de abrir um negócio surgiu, conversamos sobre os caminhos, possibilidades, todo processo era muito empolgante, fomos motivados ainda mais pelo mercado de moda carente de maiores numerações, roupas mais estilizadas com padronagem descolada e principalmente com a imagem e possibilidade de fazer com que a moda fosse diversa. Nossa maior confiança era - e é - no nosso olhar, na nossa visão de mundo. Sempre soubemos que somos diferenciados.
STL: Qual foi o ponto-chave para vocês alavancarem a carreira?
Dendezeiro: Quando entendemos que o mundo da moda não precisava de mais uma marca, mas necessitava de mais criativos. A moda brasileira passou décadas celebrando o Sul, Sudeste e principalmente a Europa. Quando olhávamos as revistas de moda brasileiras, nem parecia que estávamos falando do mesmo país, apesar de vários criadores incríveis fora do eixo viverem na sombra. Criamos a nossa própria visão, analisando o que nunca foi celebrado antes. Quando lançamos a segunda edição da nossa coleção “Cor de Pele”, mostramos o visual, as peças, a história e todo material para Giovanni Bianco e lembro como se fosse hoje do rosto de espanto dele, falando “Nem Rihanna fez isso, nunca se desapeguem desse olhar de vocês”. E assim nasceu nosso “Cor de Pele 3”, que apresentamos na última edição da SPFW e foi o maior sucesso. Para uma marca que nasce no Nordeste e desde sempre sonha em ser global, acreditar na própria visão é o maior desafio. Confiar nos seus sonhos em um Brasil que sempre nos apagou é desafiador, mas isso fez tudo mudar, para hoje sermos listados como “expoente da moda brasileira”.
Se pudéssemos listar três grandes momentos da Dendezeiro, cronologicamente pontuaríamos: 1. Nossa collab com a C&A, onde brigamos por roupas inclusivas e acessíveis, 2. Coleção Cor de Pele III, onde a SPFW viu pela primeira vez um estudo sobre nossa diversidade inspirado nas nossas peles e 3. O DENDÊGAME, onde a gente celebra o que a moda brasileira mais classificou como brega: o Brasil!
STL: Expliquem um pouco sobre como é a profissão de estilista na prática. O que um estilista faz? Como é o dia a dia?
Dendezeiro: É difícil falar só como estilista, porque na marca temos várias funções, mas principalmente a direção criativa da marca, onde o ser estilista faz parte. É louco e divertido! Enquanto estávamos na coxia do nosso último desfile, no vigésimo dos 40 looks, estávamos cochichando o tema da coleção seguinte. Ser diretor criativo é estar sensível a tudo e a todos, tudo pode te inspirar, qualquer coisa pode virar algo incrível, um filtro de barro pode virar uma bolsa viral, uma estria pode virar um super puffer, um tabuleiro de acarajé pode virar uma coleção completa. Quando você se vê, está criando 24 horas por dia, de forma natural e ininterrupta.
E ser estilista da Dendezeiro é ter cuidado com tudo, com a modelagem inclusiva, com a diversidade de tamanhos, com a história da peça e a narrativa de cada pedaço, cada botão conta algo, no final o que o estilista mais sente prazer é quando uma jaqueta jeans se torna uma capa de Superman para o cliente. O trabalho flui de forma incrível quando paramos de buscar o grande sucesso e buscamos o sentimento, quando as pessoas sentem, o sucesso vem de forma natural.
STL: O que é necessário para ser um estilista/designer? Qual formação ou estudo vocês acham essencial?
Dendezeiro: Acho que ser estilista é pouco sobre a formação e mais sobre o seu propósito e olhar artístico. [É] sempre se questionar: “por que eu quero ser estilista?”. Fazer roupa é a mesma coisa que fazer um quadro, a sua visão vai determinar onde esse quadro vai estar exposto. É sempre importante imprimir a sua visão, a sua individualidade, o que vai fazer sua criatividade apaixonar as pessoas. A partir disso, o curso é fundamental para entender técnicas de aplicação dessa visão. Nenhum curso vai te dar talento, todo curso vai te dar ferramentas. Você pode ter a furadeira e saber usar, mas sem a visão você pode furar um cano e levar um banho de água fria. Acho que o estudo fundamental é o comportamento. A moda exprime algo a partir de uma realidade e essa realidade é o dia a dia das pessoas. Analisá-las é um passo importante, observar as ruas: o maior reduto cultural, onde todas as identidades se encontram. É imprescindível estar nas ruas e observar.
STL: Agora uma pergunta que acho que todo mundo que considera ser estilista se faz: é preciso saber desenhar ou isso é algo que se aprende durante a formação?
Dendezeiro: Você não precisa desenhar para deter uma marca. [Mas] o estilista precisa desenhar. É importante conseguir elucidar a imagem que você tem na sua cabeça para você, para sua equipe, para você entender se vai dar certo ou não. É importante você ter a formatação da peça antes de aplicar. Isso é algo que aprende com o tempo e a teste, nem sempre o desenho vai sair perfeito, mas vai sair.
STL: O estilista pode tanto trabalhar para uma marca quanto ter sua própria label. Qual é a diferença entre esses dois tipos de trabalho?
Dendezeiro: É muito comum estilistas apresentarem seus projetos para outras marcas, uma só marca pode ter diversos estilistas, assim como é comum estilistas terem as próprias marcas, mas isso significa que elas precisam cumprir esses dois lugares, o diretor criativo e o CEO da marca.
STL: Quais vocês consideram os maiores desafios da profissão?
Dendezeiro: Se estabelecer no Brasil é bastante assustador, [porque] a gente fala de um mercado que tem o exterior como referência. Quando a gente é uma marca brasileira e usa o Brasil como pauta, burlar os estigmas de ser uma marca brasileira, nordestina, as caixas que colocam os criadores do Brasil, tudo isso é muito assustador.
STL: Me diz um livro que vocês recomendam para qualquer pessoa que queira ser estilista.
Dendezeiro: Figures of Speech, do Virgil Abloh e Desenho de Moda, do Senac.
STL: Como estar sempre inspirado para criar novas peças? É possível?
Dendezeiro: Ninguém nunca fica inspirado o tempo todo para criar peças, isso é impossível. Vão existir momentos de hiatos criativos, por isso é sempre importante ter boas estratégias, reaproveitar itens já lançados com novas características, ter uma boa equipe, celebrar o trabalho que você já fez, aprender a dar um ponto final na moda com tempo de validade e saber trazer o seu melhor sempre à tona.
STL: Compartilhem uma dica para quem está pensando em seguir a profissão.
Dendezeiro: Nossa dica é: a grama do vizinho sempre parece estar mais verde quando não é você que está regando. Plante suas próprias sementes e ague seu próprio terreno. Aprenda a lidar com seus próprios desafios e com isso celebrar suas próprias vitórias.
STL: Me conta algo que todo estilista precisa saber?
Dendezeiro: Todo estilista precisa saber que qualquer coisa é brega até a pessoa certa usar. Num mundo com tantos gostos e tantos olhares, você não vai agradar a todos. Você precisa agradar o seu público e quem celebra suas ideias, [porque] você não vai ser amado por todos.
Para se formar tradicionalmente como estilista, o caminho mais procurado é a faculdade de Design de Moda, que foca na concepção e criação de peças. Há instituições em todo o país que oferecem o curso de graduação, como a Estácio e o Senac na rede privada e na UFPI, UFMG e USP na rede pública. Também há cursos mais curtos focados na profissão, como o da EBAC.
Esse é nosso segundo conteúdo da nossa série sobre carreira de moda, que estará quinzenalmente aqui no STL, sempre com o ponto de vista de um profissional de cada área. Você pode encontrar nosso primeiro post, sobre Consultoria de Imagem, aqui.