Durante toda a minha trajetória profissional, incluindo anos de clínica, graduação, mestrado e doutorado, eu nunca havia ouvido falar de "obesidade mental". Sendo bem honesta, torci o nariz quando escutei esse termo pela primeira vez, por considerá-lo extremamente gordofóbico, mas falaremos disso mais adiante. Eis que eu li "The Wisdom in the Age of Twitter", de David Ryan Polgar, para entender do que se tratava.
Fazendo uma analogia com a alimentação, Polgar sugere que, da mesma forma que quando comemos muito ficamos estufados, ao consumir muitas informações ficamos superestimulados e não construímos conhecimento ou pensamento crítico. Colocando de forma prática: quais conteúdos consumidos em redes sociais na última semana você se recorda? Eu posso responder que pouquíssimos. Talvez realmente estejamos consumindo conteúdo em uma velocidade que não conseguimos avaliar ou processar.
A solução para a "obesidade mental" seria simples, iniciando por uma autoavaliação do nosso consumo de conteúdo, priorizando conteúdos de qualidade, separando tempo para refletir sobre esses conteúdos e estando em constante atividade intelectual, exercitando nossa criatividade e pensamento crítico.
E já que estamos falando em pensamento crítico, o conceito de "obesidade mental" não passa de uma narrativa para algo que já é bem estabelecido na neurociência: nossa forma de consumir conteúdo, especialmente em vídeos curtos, libera muita dopamina, fazendo com que continuemos nessa atividade. Em outras palavras, estamos consumindo por consumir, prejudicando nossas atividades executivas, em especial a atenção e a memória de trabalho (aquela temporária, que utilizamos enquanto estamos realizando uma tarefa). Tenho certeza de que não sou a primeira psicóloga a lhe falar sobre isso.
A forma que Polgar escolhe para construir a narrativa da "obesidade mental" é socialmente palatável justamente por replicar um padrão social gordofóbico. Em seu TEDx sobre o tema, Polgar chega a vestir calças "apertadas" na cabeça, arrancando risadas da plateia. Socialmente, aprendemos que o corpo gordo é errado e problemático; logo, se o seu cérebro está gordo, você precisa fazer algo sobre isso.
Em 2024, não podemos deixar de problematizar uma analogia gordofóbica utilizada em prol da saúde mental sem nos questionar sobre a saúde mental de quem estamos falando. Vale realmente a pena fortalecer a gordofobia, um problema social tão complexo, para explicar que devemos filtrar o conteúdo que consumimos? Acredito que não.
Portanto, escolha bem os conteúdos que você consome, tire um tempo para digeri-los, exercite seu pensamento crítico, mas não saia reproduzindo essa ideia de "obesidade mental" por aí.
Este conteúdo foi escrito por mim, Victoria Grassi. Psicóloga (CRP 08/30210), especialista em psicologia clínica e Terapia Cognitivo Comportamental. Doutora e Mestre em Tecnologia em Saúde pela PUCPR. Apaixonada por gatos, café moído na hora e pela biblioteca que tem em casa.