Moda sustentável: o papel das mulheres seringueiras no futuro de uma indústria consciente

por Karen Merilyn

Quando falamos de moda sustentável logo pensamos em brechós, redução do lixo têxtil e utilização responsável dos recursos naturais, mas você já parou para pensar nas pessoas envolvidas em todo o processo da indústria? Para a fabricação de uma peça, milhares de pessoas estão envolvidas, desde a extração de materiais até a embalagem dos produtos. Por conta disso, a sustentabilidade não pode ser pensada separada do aspecto social. 

Nós fomos até a Amazônia acreana a convite da VERT e tivemos a oportunidade de conhecer as pessoas por trás do processo. A marca tem a moda sustentável em seu DNA e compra borracha das famílias extrativistas por um preço acima do mercado para a fabricação de tênis ecológicos. As famílias se comprometem com os pilares da empresa para evitar o desmatamento e extrair a borracha de forma responsável. Em troca, há bonificações para garantir que os recursos sejam retirados com cuidado ao meio ambiente.  

Dentro desse processo estão as mulheres seringueiras, que apesar de serem fundamentais na cadeia da borracha, ainda lutam por seus direitos e às vezes nem se dão conta que são tão parte do processo de extração quanto seus pais, maridos e irmãos. 

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Foto: Leide Aquino (Reprodução)


Para saber um pouco mais sobre o assunto, conversamos com a Leide Aquino, extrativista que é referência na luta para o reconhecimento das mulheres como produtoras. Segundo ela, o que acontece historicamente por lá é que a extração da borracha é uma atividade familiar. O processo, que envolve o corte da seringueira, retirada do látex, lavagem, secagem, prensa e venda, é feito em conjunto. Maridos, mulheres e até os filhos estão envolvidos. No entanto, na maioria das vezes, apenas o homem é reconhecido como o seringueiro. Por conta disso, nem as próprias mulheres seringueiras se veem como produtoras. 

“Geralmente a mulher diz, ‘eu sou ajudante, sou filha de seringueiro, sou mulher de seringueiro’, mas não vai dizer ‘eu sou produtora’. As mulheres não se reconheciam muito”, contou Leide. 

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Foto: Fórum de Mulheres do Alto Acre (Mayara Montenegro/REM)

E por essa falta de reconhecimento, elas acabavam não participando das cooperativas ou das reuniões sindicais, apesar de sua participação ativa na produção. Pensando nisso, as mulheres que já estavam envolvidas na luta criaram o Fórum de Mulheres do Alto Acre, em 2011, para trazer reivindicações pela inclusão produtiva e o acesso a direitos como os benefícios previdenciários e aposentadoria rural. 

“Esse fórum tem esse objetivo de trabalhar para dar visibilidade para as mulheres [com] essa questão da produção, porque as mulheres, a gente sabe que produzem, mas às vezes não têm acesso ao ao dinheiro quando vende a produção. E [com] esse fórum também a gente busca muita capacitação. A gente terminou de ter um curso aqui para as mulheres, [que] a gente faz em várias comunidades. [A gente] busca por apoio do Senar para capacitações e tenta fazer com que as mulheres também se coloquem como protagonistas”, disse.  

 

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Foto: Preparação da borracha na prensa (Reprodução)

Além disso, há ainda um trabalho que promove a sustentabilidade entre as mulheres. “Aqui a gente tem um projeto chamado Quintais Florestais, que a gente trabalha com mulheres essa questão da consciência ambiental e a questão da segurança alimentar. E isso tem feito um diferencial. A gente trabalha com algum incentivo, de que vai melhorar a condição, a qualidade de vida sem esse desmatamento, [que] a gente vai continuar tendo acesso a tudo que a floresta nos dá”, comentou.

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Foto: Oficina do projeto Mulheres da Borracha (Reprodução)

Outra iniciativa que contribui para o empoderamento das mulheres é o “Mulheres da Borracha”, realizado pela VERT, pelo SOS Amazônia e pelo Instituto de Desenvolvimento Social. Através das oficinas organizadas pelo projeto, que acontece em diversas comunidades, cada produtora começa a se conhecer e se ver como a parte fundamental que são na produção. 

“Eles conseguiram alcançar essas mulheres nos locais mais distantes e a metodologia usada neste projeto fez com que as mulheres se reconhecessem. A gente vê que tiveram vários depoimentos no final das oficinas com as mulheres dizendo ’Eu nem sabia que eu era o que eu sou’. Isso foi muito engraçado, foi muito bom. As mulheres começaram a não ter vergonha de dizer que são produtoras de borracha”, explicou Leide. 

Leide Aquino e Dona Conda - mulheres extrativistas - moda sustentável - Bate-papo com mulheres extrativistas - Reserva Chico Mendes - Acre - https://stealthelook.com.br
Foto: Dona Conda e Leide Aquino (Reprodução)

Depois dessas oficinas, inclusive, houve um aumento de mulheres filiadas na cooperativa. “Até então elas achavam que só precisava do marido ser [filiado]”, explicou Leide. Esse movimento é muito importante para um futuro onde as mulheres tenham mais voz e protagonismo no seu trabalho como extrativista. 

O papel dessas mulheres, que tantas vezes não são reconhecidas, é um dos tantos trabalhos fundamentais para a moda sustentável de uma maneira que muita gente não imagina. Pensar em sustentabilidade na indústria têxtil é considerar cada um dos aspectos que a envolvem. Uma moda feita por mulheres de forma justa e consciente é um dos caminhos que precisamos percorrer para um futuro mais responsável dentro da moda.

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