O luxo no cotidiano: a lógica de quem compra bolsas, mas não casa própria
Quando a Chanel decidiu apresentar seu Métiers d’Art dentro do metrô de Nova York, as opiniões se dividiram. De um lado, clientes prometendo nunca mais comprar na Maison, de outro, a nova geração animada com o ar jovem que Matthieu Blazy estaria dando pra marca. Por fim, aqueles que entendem que aliar uma bolsa de 22 mil dólares ao transporte publico nada mais é do que a última estratégia de marketing para parecer relatable com o luxo no cotidiano.
Calma, vou te contextualizar. Em 2002, sob direção de Karl Lagerfeld, a Chanel apresentou sua primeira coleção Métiers d’Art, criada para celebrar a técnica e a herança artesanal da maison. A proposta desse desfile anual é justamente homenagear os ateliês que estão presentes nos detalhes mais luxuosos da marca, as bordadeiras, sapateiros, plumassiers e todos os artesãos responsáveis por dar vida aos detalhes.
Na última semana, em seu segundo desfile como diretor criativo da Chanel, Matthieu Blazy já fez o inesperado (principalmente para um Métiers d’Art), colocou os terninhos de tweed e camélias no metrô de Nova York, e esse descompasso entre os dois mundos teve efeito imediato, a internet ficou fascinada.

Apesar de soar chocante para alguns, essa aproximação entre luxo e cenários cotidianos está longe de ser novidade e, hoje, aparece com ainda mais frequência. Tom Ford já havia desfilado no metrô em 2019. Karl Lagerfeld transformou um mercado popular em passarela. E, em 2025, Gloria Coelho levou sua coleção diretamente para o metrô de São Paulo.
No último ano, campanhas da Balenciaga foram fotografadas com iPhones, enquanto sets “nada aesthetic”, sofás velhos e interiores bagunçados dominaram os outdoors da Miu Miu. O cotidiano virou cenário fotográfico para o luxo. Mas por que, de repente, essa estética de vida real ganhou tanta força e se tornou tão frequente?
A resposta mais polida, seria que até marcas como Chanel perceberam que não dava mais para se apoiar na hereditariedade para vender bolsas e, por isso, performar o “relatable” virou uma saída.

Para mim, o buraco é mais embaixo: o mercado de luxo simplesmente não quer dizer em voz alta quem é o consumidor que vai sustentar a indústria daqui para frente porque, se falar, o aspiracional construído por décadas se esvai.
Não é mais a herdeira, a senhora com estabilidade financeira... segundo relatórios da BOF, WGSN e Bain, o novo motor do mercado são as gerações que talvez nunca tenham casa própria, trabalham mais mas guardam menos, que não acumulam patrimônio mas acumulam experiências.
Tanto o movimento de performar online quanto a impossibilidade estrutural — custo de vida altíssimo e um mercado imobiliário praticamente inalcançável — fazem com que o consumo mude de forma e se torne uma recompensa emocional. O famoso little treat: a bolsa para celebrar um job, o sapato que pode mudar minha vida, o acessório que dá sensação de vitória por poucas horas.
As marcas entenderam isso. E é por isso que, visualmente, se aproximam do cotidiano. Porque a emoção do consumidor está lá: na rotina, no cansaço, na vida comum que precisa de pequenos respiros.

É no metrô, não no iate, que o luxo encontra o novo desejo.
A nova coleção da Chanel aponta exatamente para esse caminho: diferentes personalidades, bolsas amassadas com porta-café, roupas com movimento e personalidade. Elas podem muito bem estar em um château na França ou em um coquetel em Milão, mas seu objetivo é brilhar aos olhos de quem está no subsolo do metro.
Focar no consumidor aspiracional faz muito sentido do ponto de vista estratégico. O volume maior de vendas de itens de entrada pode gerar receitas substanciais e, ao mesmo tempo, é uma tática de crescimento comprovada: permite às marcas de luxo expandir a base de clientes, construir lealdade e diversificar fontes de receita, sem abrir mão da percepção de exclusividade que define a marca.
Para uma maison que vinha se sentindo um pouco estagnada, essa estratégia parece particularmente acertada. É uma forma de reconectar a marca com consumidores que podem não ter herança ou imóveis, mas veem em um batom, um sapato ou uma bolsa de grife um momento de validação, de conquista, uma vitória.
Se o consumidor que movimenta o luxo anda de metrô, trabalha demais, não dorme direito, paga boleto, divide aluguel, então nada mais natural que o luxo se reencontre com esse contexto.
Hoje, o luxo virou isso: não ter casa ou segurança, só aquele instante de prazer que, se apertar, cabe no bolso... e no feed.
