Precisamos falar sobre a invisibilidade de estilistas negros na indústria da moda

por Karen Merilyn

Nas últimas semanas, houve uma grande movimentação na indústria da moda. Estilistas saindo de suas casas tradicionais e novos designers sendo nomeados — quase todos homens brancos e isso gerou muito debate nas redes sociais. Mas o que percebi nessas discussões é que era mais uma questão de gênero do que de raça. Afinal, o incômodo foi pela saída de mulheres brancas de seus cargos e a substituição por homens, também brancos. 

Olivier Rousteing - Balmain - indústria da moda - comportamento - desfile - https://stealthelook.com.br
Foto: Olivier Rousteing (Reprodução)


Estamos falando de uma realidade onde estilistas negros ainda são pouquíssimos nos cargos de diretores criativos. Não muito tempo atrás, Olivier Rousteing, designer da Balmain, era a única pessoa negra a ocupar esse cargo. Ele assumiu a direção criativa da marca em 2011 e outro negro só chegou até esta posição em 2018, quando Virgil Abloh foi escolhido para comandar a linha masculina da Louis Vuitton.

Atualmente, há apenas dois estilistas negros como diretores criativos além de Olivier: Pharrell Williams, também na Louis Vuitton masculina, e Maximilian Davis, na Ferragamo. Quando se trata de mulheres negras, não há nenhuma nessa posição nas grandes marcas de luxo. 

Pharrell Williams - Louis Vuitton - indústria da moda - comportamento - desfile - https://stealthelook.com.br
Foto: Pharrell Williams (Reprodução)

E mesmo entre os que “chegaram lá”, a reação do público é, no mínimo, hostil. O próprio Pharrell teve sua capacidade questionada ao entrar na Louis Vuitton, ainda que ele tenha uma marca de streetwear desde 2003 — a Billionaire Boys Club — e, assim como o Virgil, seja um multiartista. 

Ann Lowe - vestido de noiva - indústria da moda - comportamento - ateliê - https://stealthelook.com.br
Foto: Ann Lowe (Reprodução)

E se quando falamos dos homens negros a situação é essa, as mulheres negras não têm nem chance de serem vistas na indústria da moda. Ann Lowe, por exemplo, foi a primeira mulher negra a se tornar uma estilista reconhecida. No entanto, esse reconhecimento dentro da história só veio anos depois de sua morte.

Ela foi a responsável por criar o vestido de noiva de Jackie Kennedy para o casamento com John F. Kennedy. E, apesar de atender apenas a elite estadunidense da época, seu negócio faliu porque os clientes frequentemente queriam pagar menos do que as peças valiam, quando pagavam qualquer coisa.

Ann Lowe - vestido de noiva - indústria da moda - comportamento - ateliê - https://stealthelook.com.br
Foto: Ann Lowe (Reprodução)

Ann morreu pobre e ficou esquecida pela história por um bom tempo. Sua trajetória só foi celebrada com o resgate do movimento negro nos últimos anos. Hoje, ela tem uma biografia e um livro infantil publicados, além de ter tido seus trabalhos exibidos no Museu Nacional de Cultura e História Afro Americana, mas não é nem de longe vista como referência como outros designers do tempo dela. 

Mônica Sampaio - Santa Resistência - indústria da moda - comportamento - SPFW - https://stealthelook.com.br
Foto: Mônica Sampaio (Reprodução)

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Sempre foram poucos estilistas negros nas semanas de moda. Isso só melhorou quando, em 2021, foi instaurado o projeto Sankofa, uma iniciativa idealizada pelo movimento Pretos na Moda em conjunto com a startup VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda).

Levando sete marcas racializadas para a SPFW naquela edição, eles aumentaram a participação de marcas comandadas por pessoas negras para 25%. Apesar dos esforços, hoje essa porcentagem é cerca de 28%. Das 38 marcas desfiladas na última edição do evento, apenas quatro eram de mulheres negras. Um número baixo, considerando que vivemos em um país com 55,9% de pessoas pretas e pardas, de acordo com o IBGE. 

Tracy Reese - moda - indústria da moda - comportamento - ateliê - https://stealthelook.com.br
Foto: Tracy Reese (Reprodução)

Esse é um problema na indústria da moda há bastante tempo. E, como podemos ver, o que não faltam são talentos negros mais do que capazes de assumir cargos de liderança nas marcas. O questionamento que fica é: por que essa desigualdade só se tornou um incômodo geral quando mulheres brancas saíram de suas posições? E por que a questão racial não é vista como um problema de todos? 

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