Por mais delicado que seja o assunto, sabemos que precisamos falar sobre depressão. E decidimos fazê-lo no último dia do Setembro Amarelo - uma campanha nacional de prevenção ao suicídio - porque acreditamos que a questão deve ser trazida à tona não apenas durante esse mês, mas também nos outros 365 dias do ano. E o motivo é a urgência: segundo a OMS, a Organização Mundial da Saúde, a doença já afeta hoje, em 2019, 4,4% da população mundial e 5,8% dos brasileiros. Sendo o Brasil, portanto, o país com maior prevalência de depressivos no mundo: 9,3%. O suicídio, por sua vez, já é registrado como a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, também segundo a OMS. Os dados não mentem: eles apenas revelam que as doenças mentais, como é o caso da depressão e da ansiedade, tornaram-se epidêmicas na nossa geração e que, nesse campo de batalha, o "cada um por si" nunca é a melhor saída.
Mas o que isso quer dizer?
Na prática, esses dados se traduzem na perda de amigas, irmãs, primas e filhas que, por muitas vezes não encontraram respaldo, diagnóstico, tratamento, terapia, conversa e apoio, são tomadas pela doença. Honestamente, nossos objetivos com esse texto são poucos e muito humildes, em face da magnitude do problema. Queremos, com alguns depoimentos de leitoras, da nossa equipe, de amigas e profissionais, trazer consciência sobre a importância de dar a devida atenção à depressão e ao que ela pode, de fato, fazer com a vida de alguém. Além disso, queremos que esse, cada vez mais, seja um espaço seguro de amparo e diálogo, pra que possamos, juntas, nos ajudar.
A conversa começou em casa, quando algumas das nossas colaboradoras nos contaram um pouco sobre suas experiências com a depressão:
É interessante perceber como, em meio as nossas rotinas corridas de faculdade e trabalho, casos como esse podem passar despercebidos. O fato de ser uma epidemia na nossa geração significa que a depressão pode estar sempre mais perto do que pensamos: na mesa ao lado da sua no trabalho, no seu grupo da faculdade, na pessoa com quem você divide, agora, o banco do ônibus. E essa proximidade - que muitas vezes evoca em mim um sentimento de quase impotência e inescapabilidade - é, na verdade, a chave do que, talvez, possa vir a nos salvar: a empatia.
Pra mim, e eu espero que pra você também, descobrir que algumas colegas sofreram ou ainda sofrem com depressão me desperta um instinto de proteção, carinho e desejo de ajudar como for possível. Afinal, ela pode esta sempre mais perto do que eu penso.
Na nossa jornada de conhecimento a respeito dessas experiências tão múltiplas com a doença, pudemos ouvir Kenna Conway, uma amiga próxima da nossa editora que conseguiu se adaptar à doença de uma forma menos tradicional, mas que para ela funcionou de forma mais eficaz. A Kenna, que hoje tem um instagram onde fala abertamente sobre depressão e ansiedade, nos contou um pouco, e de maneira muito emocionante, sobre a sua jornada:
1) O que é depressão pra mim?
Minha experiência e compreensão da depressão definitivamente mudaram ao longo dos anos. É algo com o qual estou em contato desde pequena e não é estático ou consistente. Tem sido tantas coisas - a ideia clichê da nuvem escura, não querer limpar a casa ou tomar banho, a ausência de esperança, uma espiral interminável de negatividade e pensamentos prejudiciais, a incapacidade de me apoiar ou apoiar outros, auto-sabotagem, comportamentos viciantes e, às vezes, um desejo de não mais viver. No geral, eu vejo isso como uma pane no sistema, geralmente como uma forma de proteção ou segurança. Eu acho que a depressão pode ser viciante e reconfortante, mesmo que seja uma péssima maneira de se viver. Também vejo os sabores da depressão como algo normal, algo que todos experimentaremos, em algum momento, como seres humanos. Eu tenho um amigo próximo que diz que não confia em quem não fica deprimido.
2) Quando eu percebi que tinha depressão?
Acho que não percebi - os médicos disseram aos meus pais. Eu tinha apenas 8 anos quando comecei a ver terapeutas e psiquiatras, uma experiência que odiei desde o início. Fui rapidamente rotulada com um distúrbio e presa a uma dose constante de Prozac.
3) Quais sintomas me afetam mais?
A pane do meu sistema, o que significa que fico com muito sono e desligada. Não tenho emoção ou criatividade, o que parece um inferno na terra. Não quero me conectar e imagino repetidamente pensamentos negativos. A ansiedade tem sido outra grande luta minha, que é um tipo totalmente diferente de prisão. Costumo comparar a depressão e a ansiedade com sensações muito quentes ou muito frias - as duas situações são péssimas, mas à sua maneira.
4) Qual tratamento me ajudou?
Medicina vegetal e animal.
O Kambo, que é um veneno dos sapos da Amazônia, tem sido a coisa mais transformadora para minha depressão e ansiedade. Se você sofre de depressão ou ansiedade, dê uma olhadinha no Kambo e em Taylor Eyewalker. As pessoas me viram como "hippie" ou "diferentona" por escolher esse método, mas farei qualquer coisa para me curar. Sou muito apaixonada pela pesquisa e pela ciência por trás desse tipo de tratamento, então não, não estou apenas cegamente seguindo as tendências e fazendo cerimônias com o xamã de Silver Lake. Procure profissionais respeitáveis e experientes ao realizar qualquer tipo de trabalho em medicina de plantas / animais. Isso é crucial e eu tive que aprender da maneira mais difícil.
Também comecei a trabalhar com psilocibina (cogumelos mágicos), tanto em efeitos completos quanto em microdoses. A nova pesquisa sobre os poderes curativos dos cogumelos para depressão e ansiedade é incrível. No momento, não consigo trabalhar com plantas como Ayahuasca ou Ibogaína, porque ainda tomo uma pequena dose minúscula de um antidepressivo. Eu amo modalidades de mudança subconsciente como Hipnose e Kundalini Yoga. Ouvi ótimas coisas sobre o EMDR (reprogramação mental), mas ainda não tentei. Atividade física consistente é muito útil, mas não é uma cura para todos, eu acho. A maioria das coisas que funciona pra mim precisam estar em conjunto. Faço muito pela minha saúde mental e estou bem porque adoro me sentir bem!
Também tenho que dizer que experimentei muita ajuda dos antidepressivos, embora isso tenha um custo. Existem muitos efeitos colaterais com esses remédios. Eu definitivamente me senti mais feliz e mais estável, mas também me senti sem desejo, com sono, inchada e um pouco entorpecida.
5) Que desafios eu enfrentei e ainda enfrento hoje?
Muitos! Minha vida veio com muita beleza e muitos desafios. No último ano e meio, reformulei a forma como vejo a mim mesma e a minhas experiências. Se estou triste, geralmente é por uma razão e chamo isso de tristeza, não de depressão; para mim, há uma diferença definitiva. Não me identifico mais com o fato de estar quebrada ou deprimida clinicamente - tenho muito cuidado com as histórias que conto a mim mesma. Nossas palavras e narrativas são extremamente poderosas e influenciam diretamente nossas vidas.
Desde que comecei minha jornada com o Kambo, meu relacionamento com a depressão é muito diferente. Eu diria que minha luta atual está muito mais ligada ao medo do que à tristeza, mas não é única ou especial. Me preocupo de não realizar meus sonhos ou receio que meu trabalho não seja bom o suficiente ou que as pessoas não gostem dele. Eu me preocupo em dizer adeus ao meu pai, que está doente há algum tempo. Mas para mim, essas são preocupações normais que agora tenho que gerenciar e seguir com uma dose muito baixa de medicamento. A vida se tornou mais desafiadora em alguns aspectos, quase sem remédios, mas recebi muito em troca - minha sensibilidade, minha sexualidade, meu metabolismo e minha energia.
6) O que Setembro Amarelo (mês de conscientização sobre suicídio e saúde mental) significa para mim? Ele é importante?
O mundo é um lugar louco, especialmente agora, então todos precisamos de apoio para a nossa saúde mental. Não acho que a conscientização em saúde mental seja apenas para pessoas com diagnóstico - é para todos. O que aprendi ao longo dos anos é que os seres humanos são frágeis e os tempos sombrios podem vir visitar qualquer pessoa. O namorado de um querido amigo tirou a sua vida no ano passado, de uma maneira muito trágica e inesperada, e isso abalou a vida de seus entes queridos. Quando ouvi as notícias, quase não acreditei - lembro-me dele como alguém muito feliz e enérgico. Então, acho que este mês de conscientização deve nos lembrar de verificar todos, até as pessoas que parecem fortes e estáveis. Ninguém é imune à luta e ao desafio. Ninguém é imune à melancolia ou tristeza. Estamos juntos nisso e todos precisamos uns dos outros.
Por fim - mas sabemos que essa discussão não pode e nem deve ter um fim - conversamos com a nossa psicóloga parceira, Shirley Stamou, que atua na área há 24 anos e atende principalmente meninas adolescentes e mulheres jovens. Com muita experiência em casos de ansiedade e depressão, ela recentemente participou da nossa pauta sobre ansiedade e já escreveu inúmeros textos sobre Psicologia que podem ser lidos no seu instagram. Além disto, ela já foi docente de graduação e de pós-graduação por 10 anos e contribuiu em várias matérias, mantendo também um blog desde 2008.
Sua visão profissional sobre a doença é muito esclarecedora, tanto pra quem sofre, quanto pra quem quer entender e ajudar como pode:
1) O que é a depressão?
A Depressão é um transtorno mental crônico e recorrente caracterizado por uma alteração do humor que faz com que a pessoa tenha uma tristeza persistente, que não passa, sentimentos de dor, desesperança e amargura, baixa autoestima, apatia, perda de vontade de fazer coisas antes prazeirosas, além de distúrbios do sono e do apetite e aparecimento de pensamentos suicidas.
2) Quais são os sintomas? Como saber se eu me encaixo em um quadro depressivo?
A depressão se caracteriza pelo humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, por pelo menos duas semanas, diminuição de interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades, perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta, insônia ou excesso de sono, agitação ou lentidão, fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva, redução da capacidade para pensar ou se concentrar, pensamentos recorrentes de morte, pensamentos suicidas ou tentativa de suicídio. Se você ou alguém que você conhece anda mais triste do que o normal ou tem alguns dos sintomas descritos acima, é importante que você procure um médico psiquiatra ou um psicólogo para fazer uma avaliação. Fique atenta ao fato de que a depressão é uma das causas mais comuns do suicídio e que quase 1 milhão de pessoas se matam por ano em todo o mundo.
3) Quais são os tratamentos mais indicados?
A depressão pode ser tratada com psicoterapia (com psicólogo ou médico psiquiatra e frequência semanal) nos casos mais leves e com a junção da terapia medicamentosa (antidepressivos prescritos pelo médico psiquiatra) em conjunto com a psicoterapia semanal. Os remédios para tratamento da depressão precisam de um acompanhamento médico especializado com o psiquiatra.
4) Como lidar com a doença no dia a dia?
O que causa a depressão não é fraqueza, não é “falta de Deus”, não é preguiça, não é incapacidade de superar. A depressão é uma doença real que é causada por vários fatores: desequilíbrio na química cerebral, fatores genéticos, traumas, negligência na infância, luto e perdas, sobrecarga de trabalho, perfeccionismo, autoestima baixa, entre outras razões. Se você anda sentindo uma tristeza que não passa, um desânimo diante da vida e percebe que está perdendo o prazer de fazer aquilo que você gosta, converse com seus amigos e familiares, procure ajuda especializada de um médico psiquiatra ou de um psicólogo. Se a ideia de se matar não sai da sua cabeça, ligue gratuitamente para o 188, onde um voluntário especializado do @cvvoficial pode lhe ouvir e lhe ajudar.
5) Qual a importância do Setembro Amarelo?
O Setembro Amarelo é o mês de prevenção ao suicídio nos Brasil. No Brasil o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, depois da violência e de acidentes de trânsito. A maior parte das pessoas que tenta o suicídio tem algum transtorno mental como a depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia e anorexia.
Fatores externos como brigas com familiares, cônjuges ou namorados, perda do emprego ou endividamento, perdas importantes por morte ou separação conjugal, abuso sexual e/ou situações extremamente traumáticas, além de doenças físicas crônicas, incapacitantes ou que causem dor podem servir de gatilho para o suicídio.
Existem alguns sinais de alerta sobre o risco de suicídio:
- Frases de alerta: “não aguento mais”, “eu queria sumir”, “eu quero morrer”, “vocês vão ficar melhores sem mim”, “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar” - não acredite no mito que a pessoa que fala sobre seu desejo de morrer só está tentando chamar a atenção
- Mudanças inesperadas e perda do interesse pelas atividades que antes traziam prazer
- Depressão ou outros transtornos mentais e consumo de álcool e drogas
- Isolamento social
- Baixa autoestima
São outros fatores de risco: gênero masculino, com idades entre 15 e 30 anos ou acima dos 65 anos, pessoas sem filhos, solteiros, separados ou viúvos, desempregados ou aposentados, trabalhadores rurais que lidam com pesticidas.
No Brasil, o Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, O telefone é 188, o serviço funciona 24 horas por dia e é gratuito. Conversar sobre o suicídio salva vidas! Procure um psicólogo, faça terapia.