Pressão estética: será que as nossas escolhas são realmente nossas?

a pressão estética e as redes sociais
Desde o surgimento do Instagram e do Snapchat, em 2010/2011, a vida de muitas pessoas mudou. Em particular, a percepção das mulheres em relação à própria aparência foi muito afetada pelo uso generalizado de filtros de imagem em aplicativos. Quem nunca ouviu uma amiga dizer: “não me sinto bonita o suficiente pra postar foto sem filtro” ou “deixa eu dar uma ajeitadinha no FaceApp”?
Em 2018, "dismorfia do Snapchat" foi usado pela primeira vez por especialistas para se referir aos pedidos e expectativas de pacientes que queriam procedimentos estéticos que os deixassem parecidos com as imagens filtradas. Após o início da pandemia da COVID-19, muitas de nós fizemos a transição do trabalho presencial para reuniões online e videoconferências, o que levou à introdução do termo “dismorfia do Zoom”. Longas horas se vendo na câmera aumentaram ainda mais a pressão estética e fizeram muita gente se concentrar em suas supostas falhas ou se comparar aos outros.
O uso exagerado de filtros nas redes sociais diminuiu a autoestima, adoeceu muita gente e amplificou a pressão estética — especialmente por meio de padrões de beleza irreais e da comparação constante. Veja bem: crescemos lendo revistas que chamavam mulheres magras de gordas, cabelo cacheado de feio (pois o certo seria alisar) e narizes grossos ou grandes de errados, que tínhamos que afinar com truques de make das Kardashian.

mas antes de tudo, vamos voltar ao tempo?
Em 1486, foi publicado um dos livros mais importantes da cultura ocidental, escrito pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger: Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras). Esse livro era um guia de como identificar, julgar e punir uma bruxa. Reforçou a misoginia, a tortura e a morte de mais de 100 mil mulheres sob o pretexto, entre outros, de “copularem com o demônio”. E o que um livro do século 15 tem a ver com estética, procedimentos, beleza? Muita coisa!
A partir desse livro, começou o período da "Caça às Bruxas", que durou aproximadamente três séculos. A obra corroborou incontáveis mortes de mulheres na fogueira (além dos castigos físicos), tendo seu fim com a ascensão do Iluminismo. E como as bruxas eram identificadas? Pela aparência física.

Velha? Bruxa! Feia? Bruxa! Tem sardas? Bruxa! É “corcunda”? Bruxa! Ah, claro: as verrugas! O livro orientava os caçadores a examinar fisicamente o corpo feminino em busca de marcas. Os exames quase sempre descobriam uma verruga ou pinta que justificaria o assassinato de uma mulher.
De acordo com o dicionário "Oxford Languages", bruxa é um substantivo feminino que designa uma mulher que tem fama de se utilizar de forças sobrenaturais para causar malefícios, prever o futuro e fazer sortilégios; feiticeira. Igualmente utilizada como adjetivo, significa mulher muito feia, ranzinza, agressiva e mal-humorada.
ainda viajando no tempo… só que agora no século 20
Em 1939, o filme O Mágico de Oz era babadíssimo. A atriz Judy Garland tinha por volta dos 16 anos e, apesar de nova, era um dos ícones da era de ouro de Hollywood. A primeira grande estrela-mirim do cinema! Mas, pra manter a imagem de atriz perfeita, infelizmente ela foi submetida a inúmeras cirurgias plásticas pra manter sua aparência sempre jovem.
Essa pressão estética insustentável também está presente no tratamento das divas pop dos dias de hoje. Exemplos não faltam: Britney Spears, Demi Lovato, Selena Gomez… Jovens que cresceram sob os holofotes e até hoje lutam por estabilidade emocional. No centro dessa turbulência, quase sempre, está a cobrança estética: corpos, rostos e comportamentos vigiados 24 horas, como se a aparência fosse um termômetro do valor e do sucesso delas.

Se você não faz procedimentos, tá errada. Se faz, também tá errada. É um jogo impossível de vencer. E se for uma figura pública, qualquer pessoa acha que tem o direito de opinar sobre a aparência. Millie Bobby Brown? Jovem demais com “cara de velha”. Julia Roberts? “Não se cuida”. Meryl Streep? “Cheia de rugas”. Já viu o bafafá que rolou em torno da Lindsay Lohan, Kris Jenner e Emma Stone, né?

no fim das contas, quem é que aguenta essa pressão?
No Brasil, 69% das mulheres já sentiram alguma pressão estética no ambiente de trabalho.
Dentre os principais motivos apontados pelo estudo estão o peso corporal, o não uso de maquiagem e as preocupações com o cabelo. Esses dados fazem parte de uma pesquisa da The Body Shop realizada no ano passado, em colaboração com o Instituto Plano de Menina — projeto social que tem como missão capacitar e conectar meninas de periferia a grandes oportunidades que as tornem protagonistas de suas histórias.
Precisamos entender uma coisa: as cirurgias plásticas e os procedimentos estéticos são tão suscetíveis às tendências culturais quanto qualquer outra área da indústria da beleza e, assim, os pedidos dos pacientes se renovam conforme os padrões mais recentes.
Afinal, não é por acaso que, à medida que as cinturas das celebridades diminuíram, as prescrições para Ozempic aumentaram, em conjunto com o número de procedimentos de lipoaspiração (que lideraram a lista das cirurgias estéticas mais populares em 2022 nos Estados Unidos).

agora é a vez de dar um tempo no relacionamento com a harmonização
A abordagem agora é para um rosto com aparência mais jovem. Chegou a vez do lifting bombar novamente e, junto, suas variações, como o mini lifting. Comparado ao lifting facial tradicional, o mini lifting concentra-se no terço inferior do rosto e pescoço. O interesse não é mais em ficar preenchido, mas sim em manter o pescoço e a linha do maxilar bem definidos.
É claro que rinoplastias, liftings e preenchimentos (entre outros procedimentos invasivos populares) não devem ser encarados levianamente — para o bem da sua saúde e do seu bolso. Mas, com a expansão do uso das redes sociais e a crescente preocupação com a aparência, principalmente entre os mais jovens (lembram do fenômeno “Sephora Kids"?), dermatologistas e cirurgiões plásticos precisam estar cientes da chamada dismorfia de filtro para evitar procedimentos desnecessários.

vamos mais fundo?
Se reconhecermos a política por trás da linguagem e entendermos a razão de a sociedade julgar uma mulher de cabelo branco como descuidada, enquanto sempre trata homens grisalhos como galãs, entenderemos que os padrões de beleza são um dos truques mais ridículos do patriarcado! Homens não precisam conquistar a sociedade pela sua aparência: eles têm a sanção cultural por apenas existirem. E muitos ditam o que é belo e o que é feio.
Isso nos leva a uma pergunta: como nós, mulheres, percebemos o envelhecimento e a inevitável diminuição da beleza (conforme definida pela sociedade) à medida que envelhecemos? Muitas internalizaram a ideia de que precisamos ser bonitas e que a beleza envolve um conjunto específico de regras: se eu quero ser lida como uma mulher bonita, preciso seguir à risca uma cartilha. Se eu não a seguir, serei julgada.
Por que esse condicionamento se enraizou tão profundamente? Porque a beleza, como definida pela sociedade, está em toda parte.
