Kim Kardashian pode estudar direito, ter uma empresa bilionária e quatro filhos. Lauren Sánchez pode ser piloto, Emmy winner e liderar projetos sociais. Taylor Swift pode ter 12 Grammys, a turnê de maior sucesso da história e ser ativista nos direitos das mulheres. Mas nada disso importa, porque no final do dia, o que se comenta é o corpo da Kim, o excesso de preenchimento da Lauren e suposto motivo porquê Taylor Swift troca tanto de namorado.
O texto da jornalista Mariliz Pereira sobre o linchamento estético que Lauren Sánchez sofreu após se casar com Jeff Bezos — mesmo sendo uma mulher premiada, influente e com um currículo que deixaria muito CEO no chinelo — me fez pensar o quanto a régua que mede as mulheres é torta, cruel e, pior ainda, imposta por elas mesmas.
Enquanto metade da internet criticava o rosto da nova esposa de Jeff Bezos por “exagerar nos procedimentos”, a outra metade comentava sobre as rugas de Cameron Diaz, chamando a atriz de “descuidada para sua idade”. Ao mesmo tempo, Pedro Pascal, com suas linhas de expressão marcadas na testa, é exaltado como charmoso e interessante.
Não me entenda mal, os homens julgam, sim. Mas as mulheres estão sendo implacáveis consigo mesmas. E isso é ainda mais perverso porque quando o machismo se torna norma, ele não precisa mais de um homem para ser reforçado.
É uma estrutura cruel, e se engana quem pensa que já se igualou. Esse duplo padrão atravessa a cultura pop e chega no nosso cotidiano com a mesma força e crueldade. As mulheres ainda ganham menos, têm menos representação política, menos acesso a investimentos, mais trabalho dentro e fora de casa.
E principalmente, mais culpa, afinal ainda precisamos parecer jovens, mas envelhecer naturalmente. Ter uma carreira de sucesso, mas sempre priorizar a família. Ser sexy, desde que no momento “adequado”. A realidade é que a atriz de Hollywood que passa dos 40? Ela vê os papéis sumirem. O homem, grisalho, vira galã.
Eu poderia ficar aqui por horas dando exemplos. Amber Heard e o episódio das fezes na cama foi mais julgado do que Johnny Depp agredi-la e, enquanto seus erros expostos no tribunal lhe custaram o papel no filme Aquaman, o abuso praticado por Brad Pitt com seus filhos não arrisca em nada seus papéis de destaque em Hollywood.

Agora, vamos inverter essa lógica: por que ninguém está cobrando um implante capilar do Jeff Bezos? Ou melhor, por que não cancelamos o Tom Brady por não largar a carreira pra ficar com a família? Parece absurdo, né? Mas é exatamente esse tipo de julgamento que fazemos com nós mesmas todos os dias.
No tribunal da opinião pública, a mulher não tem nem o direito à presunção de inocência, coisa que até um criminoso tem garantida por lei. O julgamento sobre nós é prévio. Não há espaço para defesa, só acusação. E nesse sistema, qualquer escolha vira crime: envelhecer, fazer procedimentos estéticos, trabalhar demais, cuidar demais dos filhos, não ter filhos, ter opinião, não se pronunciar. Ser mulher, aqui, é estar sempre em julgamento, e a sentença já está pronta antes mesmo do veredicto.
A analogia à condenação sem devido processo vem pronta. Luísa Sonza foi condenada por trair Whindersson sem qualquer prova disso. Angelina Jolie foi “ladra de marido” ao se envolver com Brad Pitt. Shakira foi vingativa por expor uma traição em suas músicas. Meghan destruiu a relação da família real.
Se até as mais bem-sucedidas do mundo não escapam do tribunal da opinião alheia, talvez a única saída seja parar de tentar ser absolvida.

