Não é segredo para ninguém que o mundo da moda - assim como em outras áreas - se inspira e reflete determinados momentos que marcam a sociedade. Alguns exemplos são os grupos e ideologias que ganharam força e foram iniciados nos anos 60. Movimentos como, Black Power, os hippies e as lutas pelos direitos da comunidade LGBT - hoje LGBTQIA+ -, tiveram forte influência na maneira como as pessoas passaram a se vestir. Outro exemplo que se destaca, nessa época, foi a tendência Space Age, que nasceu logo depois do boom da corrida espacial protagonizada pelos EUA e a antiga URSS.
Enquanto as duas potências disputavam o protagonismo aeroespacial durante a Guerra Fria, era impossível não notar os significativos avanços tecnológicos gerados. E o universo fashion se aprofundou nesse campo, se inspirando e trazendo para si muitos desses elementos, dando origem ao Space Age. Seja com elementos mais sutis, como em peças estruturadas e super volumosas, com linhas simples e formas geométricas, ou nas interpretações literais, com estampas do universo e utilização da cor prata lunar, podemos dizer que foi uma verdadeira revolução.
A criação e popularização da tendência Space Age na década de 60, depois da chegada do homem a lua, é, principalmente, atribuída à tríade de estilistas Paco Rabanne, Pierre Cardin e André Courrèges - esse último que se auto denominava criador da mini saia -, que ficaram conhecidos por suas visões criativas e vanguardistas, que iam de encontro com os padrões conservadores da moda na época. Eles representaram em suas coleções peças com estética futurista - que hoje chamamos carinhosamente de retrô futurista, ou seja, como no passado imaginavam que seria o futuro. Os modelos tinham como principais características um visual intergalático, com elementos que lembravam trajes espaciais, muitas vezes com uma pegada cinematográfica com referência de ficção científica. Thierry Mugler, Emilio Pucci e Emanuel Ungaro são outros nomes que ajudaram a popularizar a estética, abraçando características como materiais não convencionais e metalizados, modelagem evasê, botas brancas de cano médio com salto bloco e assimetria em seus desfiles.
O Space Age não ficou restrito às passarelas das grandes casas de moda. Pouco tempo depois se tornou um grande mainstream, com o lançamento de produções com temática espacial e alienígena, como 'Star Trek' e 'Barbarella' - o figurino usado pela personagem principal é a personificação da estética. Como já citamos, essa tendência se utilizava muito de materiais não convencionais e inovadores para a época, como plástico, vinil, metais, acrílico e acabamentos metalizados e cromados. Modelagens retas, como a do icônico vestido trapézio em comprimento mini também faziam parte. Além das interpretações mais conceituais do look futurista, a tendência também influenciou outros estilos, se mesclando a roupas esportivas ou tradicionais, por exemplo. Querida leitora, quando dissemos que o Space Age foi uma verdadeira revolução fashion, não estávamos brincando, pois além de transformar o vestuário, também invadiu o mundo da beleza, trazendo penteados super volumosos e marcantes, que diga-se de passagem lembravam capacetes de astronautas, os quais tem tudo a ver com a proposta.
A perspectiva do mundo da moda, durante os anos 60, em relação ao futuro, era muito otimista, onde os criadores acreditavam que viveríamos em um mundo renovado que beirava o lúdico, e esse era o sentimento transmitido em seus trabalhos. A verdade é que nunca na história da humanidade havia existido um avanço tão avassalador em relação a tecnologia. Esse movimento fez com que as pessoas abrissem os olhos para as inúmeras possibilidades existentes fora do planeta, despertando assim, um fascínio absurdo pelo universo e tudo que fosse cósmico, por isso o Space Age. Por mais que essa certa obsessão pelo desconhecido ainda existisse e não fosse exclusividade dos anos 60, com o tempo foi perdendo a força, principalmente com o fim da corrida espacial nos anos 70, e o fim da Guerra Fria alguns anos depois.
Nos anos subsequentes, muitas marcas tentaram resgatar a estética Space Age, e de certa forma marcaram a história, como a coleção de primavera verão de 2007, do designer Hussein Chalayan, que apresentou peças com shapes volumosos, elementos metalizados e que resgatavam a essência retrô futurista - e nostálgica - dos 60’s. Ou a coleção primavera verão de Alexander McQueen de 2010, que apresentou uma estética espacial alienígena, com formas exageradas e texturas. Além da Valentino em seu pré-outono de 2015, onde explorou como uma de suas temáticas o cosmo. No caso da Courrèges, uma das precursoras da tendência, o estilo se manteve intrínseco a essência da grife francesa. Mas o sentimento em relação ao que envolvia o espaço estava morno, o desenvolvimento tecnológico voltou a uma certa linearidade evolutiva e outras tendências passaram a dominar a moda.
Tanto é que o recente retorno da tendência Space Age aos holofotes da moda mundial, foi em parte surpreendente, já que desde os anos 60 não se via e ouvia tanto falar no espaço como nos dias de hoje. Podemos dizer que os responsáveis por esse novo boom, são os visionários bilionários da tecnologia atual, como Jeff Bezos e Elon Musk, que tornaram populares ideias da nova era espacial, como as viagens interplanetárias - o famigerado turismo espacial -, colonização de outros planetas e missões espaciais anti envelhecimento, por exemplo. Em um momento de caos terrestre, as pessoas passaram a olhar para os céus - leia universo - como forma de escapismo e fuga da realidade, o famoso grito por liberdade que temos ouvido dizer por aí. Tudo isso por acreditar que um dia o ser humano pode ser interplanetário, e consequentemente pode levar a moda, literalmente, para o espaço. Para se ter uma ideia, já existem até projetos de moda espacial, que planejam futuramente levar catwalks para a gravidade zero.
Mas diferente da visão positiva que a primeira onda do Space Age trazia, a trend retorna com um visão distópica do futuro. No lugar das máquinas e robôs super desenvolvidos, somos apresentados a um amanhã pós apocalíptico, onde a funcionalidade toma o lugar do lúdico. O volume e a estrutura, de peças como puffer jackets e modelagens exageradas, continuam sendo fortes elementos da estética, mas misturado a formas distorcidas, muita assimetria e utilitarismo com uma vibe cyberpunk. O estilo ainda se mescla a outros, então também temos leituras um pouco mais ‘limpas’ do futuro, como na coleção de outono inverno dessa temporada, 22/23, de Raf Simons que explora o futurismo como uma releitura de Pierre Cardin, mas com toque mais sombrios. Não podemos deixar de citar o já icônico desfile da Schiaparelli haute couture desse mesmo ano, onde o tema abordado foi o espaço. De maneira mais literal e glamourosa - dessa vez o prata deu lugar ao dourado -, Daniel Roseberry trouxe o universo de forma mais literal para as passarelas, onde elementos como sol, planetas e órbitas se faziam presentes.
LEIA MAIS: A ORIGEM DAS PEÇAS MAIS ICÔNICAS E FAMOSAS DA HISTÓRIA DA MODA
HISTÓRIA DA MODA: SCHIAPARELLI
O QUE É A ESTÉTICA INDIE SLEAZE QUE RESGATA O PUNK, O GRUNGE E A IRONIA?