Como a moda se tornou ferramenta de expressão e resistência LGBTQIAPN+

por Karen Merilyn

A moda é muito mais que roupa, ela faz parte da expressão de identidade. E a comunidade LGBTQIAPN+ sempre usou isso como forma de resistência, afirmação e celebração de quem se é.

Durante séculos, a sociedade impôs normas rígidas de gênero e comportamento. Enquanto as mulheres precisavam ser femininas e delicadas, os homens tinham que ser másculos, fortes e provedores — e isso, é claro, incluía a forma como esses grupos se vestiam. 

Para quem não se encaixava nesses padrões, a roupa virou uma ferramenta poderosa de enfrentamento e comunicação não verbal. A relação entre a comunidade LGBTQIAPN+ e a moda sempre foi sobre desafiar as normas, ocupar espaço e existir com liberdade.

Pessoa sorridente em evento, vestindo roupa colorida e acessórios, celebrando diversidade e orgulho LGBTQIAPN+.
Foto: Marsha P. Johnson (Reprodução)


a moda como documento entre pessoas trans

Pessoas trans e travestis passaram a usar peças do gênero com o qual se identificavam como uma forma de reafirmar sua identidade — principalmente em uma época em que isso era considerado “crime” ou “desvio”. Até meados do século XX, em muitos países (inclusive no Brasil), usar roupas “do gênero oposto” era motivo de prisão e violência.

Mesmo assim, travestis e mulheres trans brasileiras foram pioneiras na luta por expressar quem eram nas ruas, enfrentando repressão diária. Na falta de reconhecimento legal e social, o corpo vestido se tornava uma espécie de documento, uma maneira de validar a própria existência. A estética travesti foi forjada na luta, no enfrentamento e na criatividade de transformar o pouco em muito.

Pessoa LGBTQIAPN+ em traje formal branco, incluindo cartola e bengala, no ambiente de um clube dos anos 1930.
Foto: Gladys Bentley (Michael Ochs)

mulheres lésbicas e o estilo com identidade

Mulheres lésbicas também subverteram as expectativas ao escolherem peças historicamente masculinas. Em uma sociedade que não aceitava abertamente relações homoafetivas, a moda virou uma linguagem cifrada entre elas — era uma forma de se reconhecerem em espaços onde não era seguro fazer sobre a própria sexualidade abertamente. 

Além disso, foi uma forma de romper com o olhar masculino: enquanto a sociedade esperava que as mulheres se vestissem para agradar aos homens, muitas lésbicas começaram a vestir-se para si mesmas — com conforto, autonomia e identidade.

Pessoa dançando em ambiente vibrante, com expressão de concentração. O evento destaca cultura e diversidade LGBTQIAPN+.
Foto: Willi Ninja (Rita Barros / Getty Images)

desafiando as normas de masculinidade

Homens gays também desafiaram a rigidez da moda masculina: eles incorporaram elementos ditos "femininos”, mas que eram uma forma de mostrarem quem eram. A vaidade estética e a ousadia eram alguns elementos do estilo desse grupo, que também usava alguns acessórios para se reconhecerem entre si, como lenços nos bolsos ou brincos. No geral, eles se expressavam de forma mais fluida do que era imposto para os homens, que precisavam impor a masculinidade através do visual. 

Pessoa sorridente ajoelhada no sofá, vestindo roupa rosa com plumas. Celebrando a diversidade LGBTQIAPN+.
Foto: Vera Verão (Divulgação)

a arte drag como expressão e crítica

Além disso, a moda sempre foi uma forma de arte dentro da comunidade LGBTQIAPN+. As drag queens sempre apostaram em um guarda-roupa feminino cheio de opulência e exagero, que ao mesmo tempo evocava humor e crítica social. Nos anos 80 e 90, por exemplo, figuras como Jorge Lafond, com a Vera Verão, e artistas de todo o mundo deram visibilidade a esse estilo provocador — e foram essenciais para que a arte drag fosse popularizada e reconhecida.

Pessoa posa com elegância em festa LGBTQIAPN+, usando vestido branco, óculos escuros e chapéu preto, rodeada por grupo animado.
Foto: Octavia St. Laurent (Catherine McGann/Getty Images)

a cultura ballroom e a criação de espaços de liberdade

Outro movimento fundamental foi a cultura ballroom, que nasceu nos anos 80 em comunidades negras e latinas LGBTQIAP+ de Nova York, mas hoje é global. Os bailes eram uma resposta direta à marginalização: um espaço seguro para que essas pessoas desfilassem, competissem e brilhassem com os looks mais criativos, ousados e não convencionais.

A regra era clara: quanto mais extravagante e autêntico, melhor. E essa energia transgressora ecoa até hoje em passarelas, editoriais de moda e nas redes sociais.

Pessoa em traje dourado e extravagante, com adereços na cabeça, participando de um evento LGBTQIAPN+.
Foto: Paris is Burning (Reprodução)

customização e a criatividade como forma de sobrevivência

Vale lembrar também que, historicamente, muitas pessoas LGBTQIAPN+ não tinham acesso a roupas que expressassem sua identidade. Por isso, a customização sempre foi uma ferramenta de sobrevivência estética. Adaptar peças, costurar à mão, fazer suas próprias roupas ou garimpar em brechós sempre foram práticas comuns dentro da comunidade.

Essa cultura de "faça você mesmo” não só criou estilos únicos, como também influenciou a moda mainstream, inspirando coleções de grandes marcas até hoje.

Por fim, essa conexão entre a comunidade LGBTQIAPN+ e a moda mostra que não se trata apenas de resistência, mas também de criação e protagonismo. Essa comunidade não apenas desafia padrões: é quem dita tendências, inspira a indústria e movimenta uma economia que carrega, em cada costura, a história de um grupo historicamente marginalizado, mas culturalmente revolucionário.