Como as novas tarifas dos EUA contra o Brasil vão impactar a moda brasileira?

por Beta Weber

A tarifa de até 50% imposta pelo governo dos Estados Unidos a produtos do Brasil começou a valer esta semana. E a indústria da moda brasileira entrou na lista sem nenhuma isenção. Independentemente de posicionamento político ou de onde cada um se coloca nesse debate, o episódio agora é dentro de casa, e o impacto não está mais no futuro nem em mercados distantes. A medida influencia empregos, preços, coleções e até o futuro de muitas marcas nacionais.

Os efeitos do pacote global anunciado no primeiro trimestre já vinham sendo sentidos: aumento de custos, atrasos na cadeia, reajustes em fornecedores, marcas com medo de investir. Mas, com o tarifaço direto para a gente, o cenário piorou bastante.

A decisão atinge tudo: calçados, roupas, tecidos, aviamentos e acessórios. Enquanto alguns setores conseguiram negociar exceções (como o aeroespacial, o agronegócio de nicho e parte da energia), a moda ficou de fora de qualquer alívio tarifário. Não é só um detalhe técnico, é um sinal de que, para os EUA, o que o Brasil exporta nesse campo é substituível ou dispensável. E para agravar: países asiáticos como Vietnã, Malásia e Camboja seguem exportando têxteis com tarifas em torno de 19% a 20%, o que coloca a gente em clara desvantagem competitiva.

Ferramentas de costura utilizadas na moda brasileira sobre tecido bege.
Foto: Pequenas marcas podem ser as mais afetadas com as taxas (Pinterest)


Você sabia que nós somos um dos maiores produtores de calçados do mundo? E os EUA são, historicamente, o nosso principal comprador internacional. Em 2024, exportamos mais de US$ 420 milhões em pares para o mercado americano. Nossa indústria calçadista é reconhecida no exterior pela qualidade, se destacando em diversos pontos competitivos, do design, passando por preço e mão de obra. São mais de 280 mil empregos diretos, com polos significativos no Rio Grande do Sul, Ceará, Bahia e São Paulo. Só que agora tudo isso corre risco.

Com a nova tarifa, os produtos chegam aos EUA até 50% mais caros. Vários importadores simplesmente cancelaram pedidos. Outros tentam renegociar com descontos que não cobrem nem o custo de produção. E as marcas brasileiras que haviam conquistado espaço em multimarcas e e-commerces estão sendo literalmente cortadas do mapa.

A Abicalçados já fala em quedas de até 40% nas exportações e estima a perda de milhares de empregos no setor ainda neste semestre. As fábricas menores, que dependem quase exclusivamente do mercado externo, já começaram a reduzir turnos, segurar lançamentos ou até suspender atividades.

E a moda que sai daqui vai muito além dos calçados, com moda praia e fitness, têxteis e acessórios em couro, expandindo cada vez mais seu alcance no mercado estado-unidense, que agora passam a se deparar com um cenário de atraso, custos extras e grande incerteza.

Para empresas maiores, até existe margem para reagir. Mas, para a maior parte do setor, que vive de ciclos curtos, operação enxuta e crédito escasso, é um nocaute.

Marcas pequenas e médias, mais autorais, que produzem em pequena escala, exportando ou produzindo sob demanda para marcas internacionais, enfrentam a necessidade urgente de mudar toda a estratégia. Algumas estão segurando entregas, outras já falam em redirecionar produção para Europa ou América Latina. E é lógico que isso não acontece do dia pra noite.

O impacto aqui vai além de performance comercial. Ele afeta a continuidade de um setor que ainda é um dos poucos da indústria nacional com cadeia produtiva própria, regionalizada, com capacidade de gerar emprego, inovação e identidade. E que, agora, está entre os únicos setores não isentos das tarifas mais agressivas já aplicadas ao Brasil desde 2002.

E o efeito não para ali: com a exportação travada, o estoque volta ao mercado interno. O que parecia um bom momento para o “Made in Brazil” vira uma disputa ainda mais acirrada por espaço e sobrevivência. E o mercado doméstico já sofre com a avalanche de produtos chineses. Mais de 60% das importações têxteis brasileiras vêm da China. Para o consumidor, isso pode significar preços estabilizados no curto prazo, mas com o custo de um setor operando no limite. Regiões como o Nordeste, com alta dependência da exportação têxtil de baixo valor, devem sentir de forma muito mais intensa.

Lá em abril, ainda se falava em "janela de oportunidade" para o país. Com a Ásia sendo tarifada, o Brasil poderia, quem sabe, ocupar espaço na cadeia global. Mas essa perspectiva muda quando a tarifa passa a mirar diretamente na gente.

E tem solução rápida? Infelizmente não. O governo brasileiro acionou a OMC e ameaça retaliar, mas a indústria não pode esperar. A ABIT, Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, também está em diálogo com autoridades brasileiras e representantes norte-americanos, tentando reverter ou, ao menos, reduzir a tarifa. A entidade defende o retorno à taxa-base de 10% ou a concessão de tratamento emergencial para o setor.

O risco, para a moda nacional, não é só de perder dinheiro. É perder acesso, reputação e espaço num mercado que levamos anos para conquistar.

Boné verde com
Foto: Miragaia (Reprodução/Instagram)

Diante da gravidade do tema e das consequências já em curso, cresce a necessidade de diálogo direto com os Estados Unidos para tentar reverter ou ao menos mitigar os efeitos das tarifas.

Paralelamente, outras alternativas vêm sendo consideradas para enfrentar o desafio: diversificar destinos, buscar acordos com União Europeia, Reino Unido, Mercosul, China e Índia.

“Diversificar mercados é algo vital, especialmente nesse momento. Apesar de possível, não é fácil, nem imediato. No curto prazo, o setor vai amargar perdas, e para muitas marcas isso pode representar um desafio extremamente difícil de ser resolvido”, explica Patrícia Palermo, Doutora em Economia. 

Apostar em produtos com maior valor agregado, de linha premium, com diferenciais de design ou narrativa que resistem melhor ao impacto no preço. Reorganizar a cadeia, aproveitando matéria-prima local e enxugando custos estruturais. E, claro, fortalecer marcas no consumo interno e nas exportações indiretas via digital.

Todas são medidas válidas, mas sozinhas não são suficientes para combater o lado negativo de forma rápida. Enquanto tudo se desenrola, e a gente torce que o cenário mude em breve, a ordem é improvisar para sobreviver. Na correria, na falta de investimento, estrutura e, principalmente, tempo. Um luxo que muitas marcas não têm.