Conheça a Thear, marca goiana que desfila na SPFW N57

por Karen Merilyn

Com seis anos de história, a Thear já tem muito o que contar. Nascida em Goiânia, assim como seu idealizador, Theo Alexandre, foi a primeira marca do Centro-Oeste a participar da Casa dos Criadores, em 2020. Em 2022, estreou na SPFW e agora, em sua quinta apresentação no evento, celebra a fauna e flora do cerrado goiano. 

Suas peças são atemporais, feitas de fibras naturais e tem em seu DNA a preocupação com o meio ambiente. Segundo Theo, ele não gosta de definir a Thear como sustentável, mas responsável. O objetivo é criar roupas com materiais que tenham um melhor processo de decomposição, diminuindo o lixo têxtil. “Nossa escolha é para que tenha uma melhor performance quando for descartada”, contou o designer. 

Para entender um pouco mais sobre a história da marca e, é claro, saber o que podemos esperar da próxima coleção, que será desfilada no dia 12 de abril, conversamos com o Theo. Você confere o papo completo a seguir:

Theo Alexandre - designer - Thear - desfile - SPFW - https://stealthelook.com.br
Foto: Theo Alexandre (Reprodução/Instagram)


Como surgiu a Thear?

T.A.: Eu esse ano eu faço 44 anos, há 23 anos eu estou no mercado de confecção, eu sou cortador antes de ser designer, então eu vim do processo produtivo para ir para a criação. Tive aí esse tempo de maturação trabalhando com empresas de fast fashion, trabalhei na moda atacada, então tive essa experiência desse lado. Enquanto cortador eu já me angustiava com alguns desperdícios, com esses processos, o grande número de volumes no meio ambiente sendo descartado de formas não propícias. Então, eu acredito muito que a Thear já esteve nessas minhas angústias e nessas minhas experimentações. Mas a gente começa a pensar na marca em 2016, ficamos dois anos em imersão, fiz uma pós, que também culminou no surgimento da marca e em 2018 a Thear vai para o ar. 

O que você idealizou ao criar a marca?

T.A.: A gente tinha algumas algumas demandas iniciais: falar sobre sustentabilidade e impactos positivos. No começo da Thear, nessas pesquisas, eu queria que a marca fosse masculina. E quando ela foi para o ar, já tinha esse sentimento de agênero e com o tempo a marca se transforma em feminino, muito mais feminina. Não nego os meninos que usam a marca e se identificam com a marca, mas a modelagem vem desse lugar do masculino e transita para o feminino. Mas o conforto, o design são coisas que já existem desde o início da marca. 

Ela surge desse lugar de algumas angústias, mas também trazendo para mim um processo de tratamento. Eu sou ex vítima do consumismo da moda. Então, eu sei o lugar que a gente ocupa ali enquanto vítima desse processo. Então eu começo a psicanálise nesse lugar e com exercício de autoconhecimento a Thear vem no processo  de cura também sobre a minha história e principalmente entendendo o meu propósito.

Eu tinha vários sentimentos, mas queria principalmente algo que me deixasse feliz com o processo. E eu me coloquei em um local de escuta, por mais que eu tenha planejado a marca, mas quando ela foi para o ar ela contou o que queria ser. A Thear é uma mulher de 35+, pensa em conforto, entende sobre acabamento e reverbera nossa história sobre responsabilidade e cuidado, tanto o autocuidado, quanto com o meio ambiente, pensando em um 360° do processo. 

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

Como a sua cidade natal influenciou e influencia nas suas criações? 

T.A.: Como bom goiano, goianiense, quando eu tinha 21 anos eu fui morar fora do Brasil. Fiquei seis meses fora, morei na Inglaterra e aí deu essa virada de chave na minha cabeça sobre ser bairrista, sobre o meu país e principalmente sobre a minha cidade. Quando eu formei, em 2009, eu não tive oportunidade de fazer estágio com nenhuma marca que tivesse autoral, que trabalhasse dessa forma, por vários aspectos, o curso de moda é novo aqui em Goiânia, a cidade é uma cidade nova, tem noventa anos. Então, a gente tá se compreendendo enquanto processo produtivo. A cidade já teve em vários locais de produção, mas é sempre reconhecida por volume e roupa barata. O processo de criação el é mais recente, a gente diria assim. Mas eu sempre tive essa preocupação comigo. Como eu não tive esse lugar muito de referência, eu sempre quis deixar esse legado. 

Eu até falo muito que talvez se eu estivesse em São Paulo meu trabalho estaria em outro lugar. Mas acho que minha principal relevância é deixar um legado para minha cidade, deixar a minha cidade orgulhosa do que a gente vai construindo enquanto história de moda. Fui professor na UEG recentemente e fazia muito sentido essa troca, essa entrega para os alunos da perspectiva de alguém que veio do atacado, do Fast Fashion, e conseguiu fazer essa transição e também fazer o processo com muito amor. Então, a transformação tem sido importantíssima e Goiânia com certeza é um fator importantíssimo nas minhas escolhas de temas e esse contar de histórias. 

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

Como é seu processo criativo a cada coleção?

T.A.: O meu processo criativo é sempre muito experimental. Principalmente nessa coleção de agora, eu fiz muitos testes com tecido, modelagem, manequim, caimento… Parte muito desse lugar. De certo modo, eu que trabalho só com fibras naturais, algodão, viscose, seda, tem uma certa limitação de tipos de caimentos de base. Então a gente cria um pouco nessa escassez de possibilidades, principalmente de formato de tecido e texturas. Mas o design de superfície é sempre super importante, então a gente testa textura de sobreposições, a estampa, junção de materiais. A gente faz um teste muito grande. E assim a gente vai delimitando e delineando a coleção.

Como eu vendo atacado eu fico muito condicionado a pesquisar os grandes desfiles, olhar para esse lugar também e pensar em uma coisa globalizada. Eu acho que esse exercício também é importante, de se antenar com agora para que a gente esteja conectado nesse tempo. Eu olho o passado, eu olho o presente, mas também penso no futuro. Esse meu exercício de experimentar o agora se faz muito importante. O processo é muito sobre experimentações.

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

A Thear tem peças super atemporais, mas cheias de informação de moda. Como você chega nesse equilíbrio para que elas não fiquem datadas?

T.A.: Quando a gente começou a pesquisar marcas, eu fiz essa essa esse exercício de profundidade. Em 2016 já havia várias conversas sobre sustentabilidade, mas eu tinha muito essa preocupação de ficar profundo o processo. Eu comecei a olhar o processo produtivo antes de construir a roupa. Pensei no corte, na modelagem, e costura, em processos para que a roupa tivesse esse aspecto mais sustentável. Hoje eu nem falo mais que é sustentável, mas responsável. Então, qual é a grande sacada da Thear nesse sentido? A gente coloca o mínimo de materiais sintéticos dentro do nosso produto. Por que disso? Quando a roupa é descartada no meio ambiente, ela faz um processo de decomposição por um todo. Se eu tenho uma entretela, um zíper, um botão de acrílico, tudo isso se decompõe em prazos diferentes. Nossa escolha é pra que tenha uma melhor performance quando for descartada, se for descartada da forma certa. 

Essa nossa pesquisa, dentro dos nossos pilares ali para para um produto ser mais  responsável, seria a atemporalidade. Ela é um dos nossos códigos, mas a gente tem esse esse também momento com agora. 

Eu acho que o conforto traz esse lugar de atemporalidade. E eu acho também que a roupa da Thear não é o que já existe, eu falo isso muito pras minhas clientes. A Thear coordena com tudo que a cliente tem no guarda-roupa, ela vem como complementar. 

Esses exercícios que a gente faz a cada coleção coloca esse lugar de atemporalidade e também de coordenação das peças com as outras. Isso é um acúmulo de caminhos que a gente faz para que o produto fique mais com esse aspecto de ter informação de moda, mas com atemporalidade também.

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

Com a sustentabilidade como pilar muito importante da marca, quais as medidas que você precisa tomar no dia a dia da marca e na criação das peças para garantir que sejam produtos sustentáveis?

T.A.: Eu acho que o tema “sustentabilidade” carrega muitos estigmas. E para mim, hoje, com a maturidade do processo, do que eu entendi, para uma roupa sustentável eu teria que rastrear desde o plantio do algodão até o descarte do meu cliente, depois da vida útil da peça. Eu não tenho condições de rastrear o processo, porque ia ser extremamente caro. Então, a gente também trabalha com realidades, né? Acho que o não extremismo também faz parte dos nossos pensamentos. A gente toma esses cuidados no processo produtivo. 

A fibra natural é uma coisa que não muda para gente, então a gente começa com 100% algodão e depois com a mudança de um pós-pandemia, com a dificuldade do algodão, o preço do algodão, a gente transita para outras fibras também, mas todas têm uma boa performance aí de decomposição.  

No dia a dia a gente fala muito que a gente trabalha com uma certa escassez. O que seria essa escassez? É não tem uma diversidade muito grande de materiais. A gente trabalha principalmente a textura que dá um aspecto único para a peça, outros aspectos em modelagem, criação, para que com as mesmas bases a gente consiga construir outros produtos. O fator atemporalidade também nos ajuda nesse lugar.

E quais são os desafios de ter uma marca sustentável atualmente? 

T.A.: Os desafios são dialogar sobre, fazer com que nossa comunicação chegue até o cliente final, ainda mais em uma venda que é virtual. A gente tem esse cuidado, repete esses valores com muita frequência, para a gente também, para a equipe. E todos os dias a gente faz um exercício para que possamos comunicar da melhor forma. Eu acho que a comunicação é sempre o maior desafio no quesito sustentabilidade. 

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

Agora, sobre o SPFW, o que mudou na Thear desde que a marca se apresentou pela primeira vez no evento?

T.A.: Antes de chegar no São Paulo Fashion Week, a Thear passou pela Casa de Criadores. Nós somos a primeira marca do Centro-Oeste a ocupar um espaço no evento. Esse início foi em 2019, nossa primeira coleção dentro do projeto LAB. 

Olhando para trás, esses lugares e esses eventos sempre nos potencializam e, para além disso, eles nos fazem, de uma forma quase visceral, transformar nossa história, nossos processos. A gente começa a pensar num todo, começa a pensar comercialmente também, em uma estrutura que seja diferente, em uma roupa que vai causar impacto, que tenha seus valores, mas que também fala sobre design, porque todo mundo que acompanha a moda pensa nesse aspecto. 

Por isso, com certeza, existe uma Thear antes dos eventos e existe uma Thear nesse outro lugar pós-evento. E a cada coleção a gente vem consolidando os processos, consolidando aquilo que a gente acredita, nossos clientes, nossos desejos, nosso futuro. 

Esses seis anos é pouco tempo para já estar ocupando esses lugares, esses espaços, mas muito tempo como história de uma marca.

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Foto: Thear (Reprodução/Instagram)

Por último, me diz o que podemos esperar da próxima coleção que vai ser desfilada? Pode revelar algum spoiler?

T.A.: Essa é a nossa quarta coleção (solo) dentro da SPFW. Acho que é a coleção que teve mais colaborações, mais mãos dentro do processo. A gente fala sobre cerrado, um tema bem profundo. Já era uma vontade nossa contar histórias do cerrado, da fauna e flora, e tivemos a oportunidade dessa vez. 

A coleção é dividida em dois tempos. Nesse primeiro momento a gente fala sobre terra e fogo, no segundo momento a gente fala sobre ar e água. É uma coleção complementar, um ano inteiro falando sobre o cerrado. 

A gente fez uma pesquisa grande nesse sentido, tem plantas que são bem bacanas dentro do processo, que nos inspiram. Temos uma colaboração de criação de estampa e também de códigos e iconografias que usamos na coleção do artista visual Caboco. Ele tem um olhar muito peculiar sobre a fauna e flora do cerrado, porque ele viveu 7 anos em Alto Paraíso. O trabalho dele é reconhecido nacionalmente e internacionalmente também, ele tem uma sofisticação no trabalho que ele faz e isso atravessa muito a nossa história. 

Foi uma parceria do qual surgiram vários frutos e vão surgir muitos outros também. 

Temos a nossa parceira de acessórios que é a Eleonora Hsiung, com o Eleonora Hsiung Atelier, que também agrega muito ao que a gente vai contar. 

E dessa vez a gente também está contando com a parceria do ateliê da Jerônima Baco, que é uma especialista em corsets, então temos uma modelagem mais feminina, uma roupa que se aproxima mais do corpo e começamos a ver um pouco mais de silhueta. Não é um corset que vem para trazer uma rigidez, mas para ajudar a dar formas. 

É isso que veremos: o cerrado goiano pelo olhar da Thear. 

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