Conseguir manter uma rotina de exercícios ainda é questão de privilégio
Você já parou para pensar que conseguir manter uma rotina de exercícios também depende de onde você mora? Eu, por exemplo, sempre tive uma vida esportiva. Meu pai me incentivou desde criança a praticar esportes e, ao longo dos anos, fiz vôlei, natação, balé, jazz… o esporte sempre esteve presente na minha vida, mas confesso que também sempre exigiu um certo esforço por eu ser uma pessoa periférica.
Por exemplo, quando jogava vôlei no Corinthians, eu não morava nada perto do centro de treinamento. Saía da escola às 12h, pegava dois ônibus e chegava ao treino às 13h30 – às vezes, já cansada antes mesmo de começar. Hoje, adulta e com menos tempo do que na infância, sinto essa dificuldade ainda mais. Sempre fui ansiosa e, para ajudar a controlar isso, tomo ansiolítico. O exercício me faz muito bem, pois me ajuda a gastar energia e aliviar a ansiedade, mas é muito desgastante mantê-lo no meu dia a dia.
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Por conta da rotina intensa, eu me vi cada vez mais cansada e frustrada, sentindo culpa por estar sedentária. Moro em um bairro da zona leste de São Paulo e, até pouco tempo atrás, a academia mais próxima exigia que eu pegasse um ônibus para chegar. Primeiro, tentei ir à noite, saindo direto do trabalho, mas acabava chegando tarde em casa e sem tempo para organizar as coisas para o dia seguinte. Desisti. Depois, tentei ir de manhã: acordava às 5h para malhar em uma academia perto do trabalho e saía de casa carregando a bolsa da academia (com toalha, sabonete, chinelo, roupa para o trabalho, marmita etc) e a bolsa do escritório. Passava o dia moída pelo cansaço. Esse esquema também durou pouco.
Quando entrei no STL, senti ainda mais necessidade de voltar a treinar e tentei encaixar a academia na minha rotina. Voltei para a ideia de acordar às 5h para treinar antes do trabalho, mas consegui ir no máximo duas vezes por semana – o que não era sustentável a longo prazo, pois eu não conseguia criar uma rotina de exercícios.
As coisas só mudaram recentemente, quando minhas preces de ter uma academia perto de casa foram atendidas. Uma nova rede abriu a três minutos da minha casa (sim, eu cronometrei!), e finalmente consegui criar uma rotina de exercícios consistente. Não precisar sair do bairro fez toda a diferença!
Toda essa situação me fez refletir: por que o acesso ao exercício físico ainda é um privilégio no Brasil? Quando algo que deveria ser básico é visto como facilmente acessível por muitos, sem considerar a realidade do outro, talvez seja hora de olharmos para isso com mais atenção. Morar longe do trabalho e passar horas no transporte público é a realidade de muita gente na periferia. A rotina exaustiva transforma o ato de incluir o exercício no dia a dia em um desafio. A maioria dos bairros periféricos não tem academias de qualidade, espaços públicos equipados ou parques próximos, obrigando quem deseja se exercitar a buscar alternativas em bairros mais distantes — e mais caros (como foi o meu caso por muito tempo).
Outro obstáculo que surge quando isso acontece: o ambiente. Às vezes, você sente que não está “vestindo a roupa certa” ou que não se encaixa no “padrão” do lugar. Isso gera insegurança e dificulta ainda mais a criação de uma rotina de exercícios, especialmente porque a cultura do esporte nem sempre está presente em todas as realidades.
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Hoje, valorizo muito a possibilidade de treinar perto de casa, com mais praticidade e sem tanto desgaste físico e emocional. O exercício tem sido essencial para minha saúde mental, ajudando a controlar minha ansiedade e me dando mais energia para enfrentar o dia a dia da produção de moda, que não é nada fácil.
Praticar exercícios não deveria ser tão difícil — deveria ser um direito acessível para todos, independentemente de onde moram ou como se vestem. Por isso é tão importante a existência de iniciativas gratuitas que tentam democratizar esse espaço. Afinal, conseguir inserir exercícios físicos no dia a dia é uma questão de saúde pública.
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