Nos desfiles de verão da Miu Miu e Hermès, as modelos cruzaram as passarelas carregando bolsas maxi transbordando objetos. Paralelamente, a Bottega Veneta ressuscitou o hábito Y2K de fotografar editoriais e campanhas como se fossem fotos de paparazzi, convocando Kendall Jenner e ASAP Rocky para estrelarem sua versão. No desfile pre-fall da Balenciaga, Kim Kardashian chamou a atenção ao chegar carregando uma sacola de papelão de um supermercado natureba badalado de LA. Em comum, esses acontecimentos apontam para uma mudança de comportamento nas grandes marcas de luxo, que desejam cada vez mais encurtar a distância entre as aparentes vidas extraordinárias dos ricos e famosos e as de pessoas "comuns". Além disso, nas redes sociais, cresce o interesse pelo termo errand-dressing e o hábito de pensar no que vestir em momentos corriqueiros, carregando a bandeira de que tudo é ocasião especial. A seguir, a gente analisa o significado do errand-dressing e a encenação do cotidiano na moda.
Se influenciadores conquistaram tanto espaço porque o público estava pronto para se ver no lugar das celebridades, agora, celebridades e marcas de luxo tentam usar códigos do dia a dia para criar uma imagem mais acessível, de "gente como a gente". A noção de inatingível não faz mais sentido em um mundo em crise constante, de guerras a desastres climáticos.
O TikTok tem um papel grande na ideia de romantizar a própria vida. E o tal de “errand-dressing” também apelidado, claro, de “errand-core”, ganha ainda mais tração graças à nostalgia recorrente pelos anos 2000. Basicamente, incentiva o hábito de se arrumar para completar tarefas mundanas da rotina, como passear com cachorro, ir ao supermercado ou a alguma consulta médica.
Os feeds e vídeos mais populares também apontam para o mesmo caminho, onde uma espécie de performance do cotidiano fica evidente no estilo de fotos que nomes influentes vêm escolhendo postar. Sem grandes produções, bem lo-fi, às vezes com efeito analógico e em poses de clique espontâneo, registradas durante esses compromissos corriqueiros e em cenários banais, com uma energia do tipo "só vou correr ali e já volto”.
No entanto, apesar do ar despretensioso, as composições carregam um toque mais estratégico. Em vez de uniforme típico e — talvez mais realista — de legging, moletom e um sapato qualquer, surgem track pants, como o modelo retrô hit da Adidas, calças listradas tipo pijama ou modelos wide leg amarrados na cintura , representando a vibe relax, mas ainda planejada, que demonstra algum cuidado com estilo.
Quando se trata dos desfiles, o styling favorito para evocar o errand-dressing surgiu nas bolsas repletas de coisas. O fenômeno começou durante a temporada Verão 24 do hemisfério Norte. Na Bottega, por exemplo, as bolsas com a icônica técnica Intrecciato vieram lotadas das mais diversas coisas, incluindo um jornal feito de couro.
Na Miu Miu, o conteúdo das bolsas era de sapatos e jeans, sugerindo que as "surfistas nerds" da marca jogaram rapidamente as roupas para dentro do acessório antes de curtir uma praia.
Já no pre-fall da Balenciaga, os modelos surgiram carregando cafés em embalagem para levar e as sacolas iguais as de Kim na primeira fila.
Na Undercover, variações de sacolas que iam de delicadas eco bags em organza com flores e frutas a reproduções de sacolas de supermercados famosos como Whole Foods.
Na Moschino, Adrian Appiolaza, em sua coleção de estreia como diretor criativo, elegeu de baguetes a papelada aleatória de quem precisa levar documentos no cartório para preencher os interiores das bolsas.
Na Coach, os objetos ficaram pendurados do lado de fora. Os objetos iam de itens funcionais, como a bela maneira de carregar o boné na alça, até elementos mais absurdos e irônicos, como uma caneca souvenir de NY.
Ao que parece, a moda adotou mesmo o cotidiano como um elemento fashionista.