Dior e Eu é um daqueles documentários obrigatórios para todo mundo que ama moda. O filme lançado em 2014 foi selecionado para uma mostra especial no Festival de Cinema de Lacoste na França, organizado pela universidade SCAD, com a presença do diretor Frédéric Tcheng para um bate-papo com os estudantes de cinema que participavam do semestre no campus francês da universidade.
A escolha do documentário para o festival não foi ao acaso e não é pelo simples fato de Christian Dior realmente parecer estar por todos os lados ultimamente em séries e filmes, mas pela conexão entre a obra e a exposição especial criada pela marca para a universidade, Jarins Rêvés, onde explora-se a inspiração em flores e jardas pelo olhar de diversos estilistas da Dior — mas isso é história para uma próxima matéria. Por isso, nada mais perfeito que re-assistir um filme sobre um dos momentos criativos mais sensíveis da marca, quando Raf Simons é contratado para assumir a direção criativa da maison após a tumultuada saída de John Galliano em 2011. Vale destacar ainda que a cinematografia de Tcheng também inclui outros grandes documentários de moda e arte como como Diana Vreeland: The Eye Has to Travel, Halston e Valentino: The Last Emperor.
E foi nesse clima de revisitar clássicos, no cenário de um vilarejo medieval transformado em uma das mais modernas universidades americanas, fizemos uma entrevista exclusiva com o diretor francês Frédéric Tcheng.

STL: Por que você acha que havia esse interesse na pessoa Christian Dior?
F.T.: Eu acho que Dior sempre esteve em evidência, é uma dessas marcas que conquistou a imaginação das pessoas. Você tem que lembrar que o Christian Dior foi capa da revista Time, nos anos 1950. Quando ele foi para os Estados Unidos, parecia que ele estava fazendo uma turnê como um astro do rock. E assim, ele parecia um contador, não tinha nada de glamuroso. E mesmo assim ele estava na televisão. É algo especial que ele criou, que realmente cativou a imaginação feminina. Talvez seja simplesmente pelo talento dele. Mas acho que a mistura de feminilidade e modernidade, a ideia do New Look que é meio que um retrocesso, mas algo novo ao mesmo tempo, sabe? Essa tensão entre modernidade e tradição, foi o centro do documentário "Dior e eu”. Quando eu comecei a acompanhar a marca, eles estavam prestes a contratar um novo estilista que poderia ser Raf Simons.
Como surgiu esse projeto? Porque parece que você estava na hora certa e no lugar certo para pegar um momento tão único dentro da Dior.
F.T.: Foi exatamente isso. Eu conheci o diretor de comunicação da Dior, Olivier Bielobos, em uma exibição de um filme meu sobre Diana Vreeland, "O Olho Tem que Viajar”. No final ele veio me entregar seu cartão e disse “entraremos em contato". Muito misterioso (risos). E então conversamos alguns dias depois e ele explicou que fariam um anúncio em alguns meses, que não poderia me dizer exatamente o que era, mas que haveria uma mudança na Dior. Essa foi a época em que John Galliano saiu após o escândalo e não havia sido anunciado um novo designer. Então, o mundo estava na expectativa de quem seria e algumas fofocas indicavam que Raf Simons poderia ser o diretor criativo. E eu fiquei particularmente interessado quando comecei a pesquisar sobre ele, porque não era o típico cara da moda. Era o extremo oposto do John Galliano, contido e tímido diante das câmeras. Mas todo o universo que ele trouxe consigo era da arte contemporânea, arte conceitual e também a cena underground e techno. Esse é o universo dele.

STL: Vocês já sabiam que seria um documentário sobre a chegada do novo designer?
F.T.: Naquele primeiro momento, não sabiam exatamente o que queriam fazer, mas estavam interessados em colaborar comigo. Expliquei para eles que eu faço filmes para o cinema, longas-metragem que tomam tempo. Você precisa de acesso e estar lá todos os dias para realmente capturar e se aprofundar nas pessoas. Eventualmente deixamos a conversa para um outro momento. Até que foi anunciado de fato que Raf seria contratado. Imediatamente peguei o telefone, liguei para o Olivier e falei: "É esse o filme”.
STL: Para fazer o filme, além da marca, você também precisava da autorização de Raf Simons, que é uma pessoa extremamente discreta. Como você convenceu ele de aceitar participar do documentário?
F.T.: O Raf não gostava da ideia de ser seguido por uma câmera. Eu escrevi uma carta para ele explicando o que ele poderia esperar. Ele respondeu que gostaria de me conhecer e que tentaríamos por uma semana para ver se daria certo ou não. Então, peguei o avião e filmei a chegada dele no atelier. A primeira vez que ele entrou na casa foi também o momento que o conheci. Apenas depois dessa cena que a gente se apresenta. Eu estava ali como uma das várias costureiras que estava ali para trabalhar com ele. Tivemos uma longa conversa onde eu expliquei o que queria fazer e Raf também dividiu que este era um momento em que ele estava extremamente vulnerável, e não sabia se queria ser filmado ou não. Mas ainda assim me deu uma semana combinada antes de eu chegar.
STL: Você começou a gravação sem saber se iria poder de fato fazer este documentário?
F.T.: Naquela primeira semana eu fiz o que sempre faço que é desaparecer. Eu me torno parte da mobília. Claro que a gente tem conversas aqui e ali quando ele estava sozinho, porque era importante criar uma relação com ele, mas a maior parte do tempo eu era como uma mosca na parede. Estão todos trabalhando para fazer uma nova coleção, já é estresse o suficiente sem pensar que estamos filmando tudo, então eu tento facilitar, respeitar todos e dar espaço.
STL: Qual foi o momento que você sabia que tinha sido aceito por Raf Simons?
F.T.: No final daquela semana de teste, eu lembro que Raf me perguntou o que eu faria no dia seguinte e eu respondi que não sabia, que era possível que eu fosse voltar à NY. E ele me convidou para ir ver os arquivos de Christian Dior e disse “eu acho que você deve ficar em Paris”. Aquela frase foi o momento que eu soube que ele também queria fazer o filme.

STL: Você já fez diversos documentários de moda, mas qual foi a sua maior descoberta ao trabalhar em Dior e Eu?
F.T.: Sendo bem honesto, eu descobri o Christian Dior, o homem por trás da marca. Meses antes de trabalharmos juntos, lá no inicio do meu contato com a Dior, eles me enviaram uma caixa pesadíssima de materiais e livros com imagens, lá tinha um pequeno livro cinza que era a autobiografia de Christian Dior, e foi essa a única coisa que eu li. Quando comecei as filmagens parecia que eu estava revivendo o livro, porque as coisas que ele descrevia lá estavam agora acontecendo na vida real. Os altos e baixos do processo criativo, os fittings, erros, brigas, dúvidas. Tudo que Christian descreveu, Raf estava vivendo e eu acompanhando. E foi por isso que eu decidi que a autobiografia tinha que fazer parte do filme de alguma forma. E o Raf também um dia me disse “eu tenho lido a autobiografia, mas não posso mais continuar. É muito pesado, muito similar a mim e ao que estou vivendo”. Foi aí que entendi qual era a estória do filme, o esse relacionamento entre o passado e presente. A ideia de alguém que se coloca no lugar de outra pessoa, tomar a liderança de uma casa e continuar a sua missão. Achei interessante, pois é quase a história de um fantasma.
STL: O filme foi lançado há mais 10 anos e desde então a Dior já passou por várias direções criativas. Como este projeto mudou a forma que você vê a maison Christian Dior?
F.T.: Mudou muito, por hoje sei quem são as várias pessoas por trás de uma grande marca, é um processo colaborativo que muitas pessoas fazem parte. E ao trabalhar nesse filme, eu acabei conhecendo muitas dessas pessoas. Nos tornamos amigos, eu mantenho contato. Então a Dior é uma marca muito especial para mim, pois está atrelada a pessoas que eu me importo muito.

STL: Você está por trás de alguns dos principais documentários de moda. Por que este universo é tão interessante?
F.T.: Eu nunca quis ser reconhecido como um diretor de filmes de moda, não acho que sou. Tudo começa com as pessoas e suas estórias. Sempre que eu falo que vai ser meu último filme de moda, porque admito que estou um pouco cansado. Mas acontece que você acaba se deparando com personagens interessantes ou facetas da moda que você não conhecia antes ou algo que te emociona, e isso define tudo. Eu sou um cineasta, gosto de boas narrativas.
STL: Quais filmes de moda você recomenda — fora os seus?
F.T.: Deixa eu pensar, tenho que indicar algo que pareça inteligente. Um que não é óbvio mas eu sempre gostei, September Issue. Unzipped é um dos melhores, certamente. E eu realmente gosto do documentário do Alexander McQueen, queria apoiar algum designer menos conhecido mas o filme realmente é muito bom.
