Existem aqueles designers que todo mundo conhece, e que realmente fazem parte do imaginário popular. Em contrapartida, há um grupo igualmente importante que é pouco conhecido do grande público, mas cuja influência e respeito na moda são tão imensos quanto, mesmo que sua reputação fique confinada aos que acompanham a indústria mais de perto. Dries Van Noten se encaixa no segundo exemplo. Com o anúncio de seu afastamento da marca homônima após 40 anos, a seguir vamos contar mais sobre sua importância e por que sua saída vai fazer tanta falta.
Nascido na Bélgica, como terceira geração de uma família de alfaiates, Dries Van Noten ganhou notoriedade através do coletivo "Antwerp Six". A origem do apelido é geográfica, já que a Antuérpia é o berço da renomada escola de artes onde todos estudaram e onde se conectaram. A título de curiosidade, essa também é a cidade natal de Dries.
O grupo de designers, graduados na Royal Academy of Fine Arts no início dos anos 80, foi uma espécie de movimento avant-garde. Em 1986, o sexteto, do qual também faziam parte Ann Demeulemeester e Walter Van Beirendonck, se juntou para apresentar um desfile na London Fashion Week, colocando o design belga em evidência pela primeira vez. No mesmo ano, Dries Van Noten debutou sua própria marca com uma coleção masculina.
O negócio foi construído em cima do prêt-à-porter, ou seja, roupas, e não em fragrâncias ou beleza como a maioria dos gigantes da indústria (eventualmente ele se rendeu ao mundo dos cosméticos também e com sucesso). Talvez por isso mesmo, seu nome não tenha sido alçado ao panteão da cultura pop. Dries, com toda sua apreciação por estampas e cores vibrantes, sempre criou para a vida real. Os conceitos são traduzidos em peças usáveis, práticas e que geram desejo em suas consumidoras. O que se vê nas passarelas é exatamente o que vai parar nas araras das lojas.
Isso não quer dizer que ele não crie momentos inesquecíveis nas passarelas. Seu talento para proporcionar experiências pouco convencionais e memoráveis, dignas de sonhos, é merecidamente celebrado. Em 2017, o desfile com arranjos de flores congeladas em blocos de gelo gigantes, realizado em colaboração com o artista japonês Azuma Makoto, é lembrado até hoje como uma das cenas mais poéticas já testemunhadas em um desfile de moda.
Outra vez, em 2004, a passarela tomou a forma de uma mesa de jantar, com convidados sentados ao redor. Mesmo quando não contavam com superproduções, o cuidado com todos os detalhes, desde a trilha sonora até o ambiente, sempre foi fundamental para Dries.
Apesar de ter fãs celebridades como Cate Blanchett e Hunter Schafer, parece que Anna Wintour nunca curtiu muito seu trabalho, e ele, de fato, nunca depositou seu foco em viralizar ou agradar o mainstream. Tudo em seu trabalho é intencional.
Sem orçamento para grandes campanhas, a marca se manteve independente até 2018, quando foi parcialmente vendida para o grupo espanhol Puig. Foi calcada na base da consistência e do allure excêntrico e sofisticado. Vale ressaltar que, apesar de oferecer roupas para a realidade, suas inspirações sempre foram um complexo mosaico de referências, e talvez aí se encontre a mágica de Van Noten: a capacidade de tecer todos esses elementos e transformá-los em algo completamente único.
Alguns temas são recorrentes em sua trajetória, podendo ser considerados códigos da casa. Sua predileção por texturas, estamparia e bordados vem da vontade de explorar o mundo em todas as suas possibilidades, geograficamente, artisticamente e emocionalmente. Identidade e individualidade são indissociáveis de seus designs, que celebram a diversidade. Justamente pelo caráter tão autoral, suas criações são atemporais e têm como pilares a alfaiataria e o conceito de durabilidade. A preocupação com corte e caimento é prioridade e permite que cada item seja o canvas perfeito para todos os seus impulsos criativos.
entre suas marcas registradas:
Estampas e padronagens ecléticas: Possivelmente a assinatura mais reconhecida de suas criações. De abstratos vibrantes à geometria, ele é mestre em mix and match de elementos aparentemente dissonantes.
Flores: Sem dúvida, a natureza é a fonte mais recorrente de inspiração, especialmente motivos florais. A jardinagem é uma de suas paixões, e seu jardim é frequentemente referenciado em suas criações e compartilhado em seu Instagram, tendo também um papel central no documentário sobre sua vida lançado em 2016.
Cartela de cores: Um exercício cromático constante, sua habilidade para criar com todo tipo de paleta é fascinante. Podendo ser considerado um dos mestres na arte de deslumbrar através do domínio da mistura de tonalidades, das mais vibrantes às mais discretas.
Estudo de materiais: Rei das texturas, ele sempre amou experimentar com tecidos diferentes, trazendo contraste e deixando cada criação mais interessante. Da seda mais leve aos brocados mais elaborados, passando por fios metalizados, tudo tem vez.
Artesanal: Detalhista, Dries Van Noten é celebrado pela habilidade de inserir práticas artesanais e bordados complexos com destreza, conferindo um caráter elevado e luxuoso às peças decoradas por miçangas delicadas, paetês maxi e bordados.
Fusão cultural: Outro talento de Van Noten é acrescentar elementos tradicionais de outras culturas sem cair na apropriação. Ele incorpora toques orientais, folclóricos e tribais com sensibilidade, resultando em criações que celebram a diversidade cultural de maneira autêntica.
Opulência: Uniformes e aristocracia figuram com frequência nas criações de Van Noten. Sua obra é como uma aula de história onde opulência e funcionalidade se encontram para criar um resultado moderno e original.
Relacionamento próximo com as artes: Algumas peças de Van Noten podem ser consideradas verdadeiras obras de arte. Ele valoriza a importância da arte em sua marca, realizando inúmeras colaborações com artistas ao longo dos anos, desde estamparia até instalações em suas lojas próprias.
Van Noten já explorou uma variedade de influências culturais, desde os movimentos musicais como o psicodelismo dos anos 60 até o grunge dos anos 90, passando por obras cinematográficas como "Laranja Mecânica", clássicos da literatura e da arte como Yves Klein.
Genderless: Apesar de nunca ter lançado uma coleção sem gênero, Van Noten sempre adotou uma visão fluida e não binária, gostando de fundir as linhas entre masculino e feminino, transcendendo estereótipos de gênero.
Sustentabilidade: Van Noten é um entusiasta de práticas sustentáveis na moda. Sendo pioneiro no assunto, advoga por métodos de produção éticos e pelo uso de tecidos orgânicos, além da implementação de estratégias de redução de resíduos. Ele demonstra um compromisso firme com a sustentabilidade ambiental. Também foi o primeiro a assinar a petição para mudar o ritmo frenético das semanas de moda, visando reorganizar o calendário anual da moda de uma maneira mais sensata.
O substituto de Van Noten ainda não foi anunciado, e sua última coleção será apresentada em junho, durante a semana de moda masculina.
Quer saber mais sobre a obra maravilhosa do estilista? A riqueza de inspirações pode ser explorada de perto no livro "Dries Van Noten: Inspirations", que é fruto da exposição de mesmo nome realizada em Paris em 2015 pelo Musée das Arts Decoratifs e no documentário "Dries", de Rener Holzemer, lançado em 2016.
