Moda e comida é o feat mais inesperado da atualidade. Em tempos de Ozempic, retorno da silhueta bodycon e performance de wellness dominando narrativas e feeds, é curioso observar como a comida, símbolo máximo do prazer imediato, vem se tornando protagonista no universo do luxo. Logo ela, que quando acompanhada de indulgência, ainda é considerada por tantos a inimiga do abdômen trincado.
De grandes maisons oferecendo experiências gastronômicas, passando por campanhas que colocam alimentos em primeiro plano até o número crescente de nomes abrindo cafés temáticos, a fome por um momento gourmet não para de aumentar.
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A capacidade de criar universos é habilidade sine qua non para uma marca de luxo realmente prosperar. No cenário presente, de crise socioeconômica global e competição sem precedentes, a capacidade de diferenciação é mais que fundamental. E as iniciativas gastronômicas oferecem a oportunidade perfeita. O café no azul característico da Tiffany's, chamado, claro, de Blue Box. O Bar Luce da Prada, idealizado por Wes Anderson. O preppy eterno do Polo Bar da Ralph Lauren. O café conceito da Margiela em Seul. Saint Laurent, com restaurante de sushi e ambientação minimalista, e Jacquemus servindo burrata em Paris com décor mediterrânea. Comer virou status. E o restaurante que se frequenta, um símbolo. Se vier com logotipo, melhor ainda.

Quando lançou a Gucci Osteria, o renomado chef italiano Massimo Bottura, parceiro da marca na empreitada que abriu as portas em Florença, Seul, Los Angeles e Tóquio, declarou: “O luxo está nos detalhes, e o sabor é um deles. Comer bem é tão importante quanto se vestir bem.” A máxima Mangia che ti fa bene em ação.

Nos cafés da Louis Vuitton, é possível pedir por bolos e outros itens patissier estampados com o logo clássico da marca, alguns até monogramados com a padronagem Damier, o quadriculado típico da LV.

E o movimento é embasado por resultados claros. De acordo com uma pesquisa do NPD Group, lojas com café têm 25% mais chance de ver os clientes voltarem. Já um relatório da Euromonitor apontou que consumidores da Geração Z e millennials esperam que marcas de luxo ofereçam experiências além do produto. A gastronomia aparece entre os três pilares mais valorizados junto com personalização e bem-estar. A lógica é simples. Estamos cada vez mais sedentos por experiência.
Mais do que isso, o gourmet se tornou ferramenta de storytelling. O projeto La Table da Alaïa é um caso emblemático. Resgatando a tradição dos lendários jantares comandados pelo próprio Azzedine, Pieter Mulier encontrou na comida uma maneira de perpetuar o legado afetivo da maison. Menos nostalgia, mais experiência pensada para um consumidor que não quer só comprar uma roupa, mas viver um estilo de vida inteiro. Receitas assinadas, chefs convidados, louças exclusivas e, claro, uma narrativa perfeita para alimentar redes sociais. Tudo isso sem perder o toque pessoal e o culto ao savoir-faire que sempre foram assinatura da marca.

E não se trata só do prato principal, mas do desejo que também aparece encapsulado em um frasco. O recém-lançado Lemontini da Rhode Skin é um gloss labial com gostinho de drink veranil, mas também uma extensão do apetite cultural por tudo que é gourmet. Uma estética de sabor e sensação que escapa da cozinha e invade a beleza. O gosto virou visual. O sensorial virou sacada de branding. É a era do império dos sentidos.
A campanha de verão 2025 da Saint Laurent mostra os produtos da nova coleção em meio a momentos cotidianos em volta das refeições. De situações mundanas como o suco de laranja no café da manhã até mesas mais estilizadas, com acessórios exibidos ao lado de torradas perfeitamente tostadas e tortas mais bem decoradas que convidados de desfile.
A marca londrina Chopova Lowena fez uma collab com a Hellmann’s e lançou a bolsa Margaret, que ganhou o apelido de bolsa Mayo. Sim, cada uma vem com um pote de maionese acoplado e uma colher vintage para servir o condimento. Se o look, ou o prato, não forem cremosos o suficiente, é só pegar a bolsa.
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Recém-chegado à Dior, Jonathan Anderson fez um rebranding de sua marca própria, a JW Anderson, expandindo o escopo e focando agora em lifestyle. Entre as ofertas, móveis para casa, objetos de décor e, em sintonia com nossa pauta, mel artesanal e chás. Permitindo que do chá ao mel que você usa para adoçar, da caneca à roupa, tudo seja assinado pelo designer irlandês. Experiência completa.
Já a Kate Spade fez parceria com a Heinz para uma clutch estampada com o ketchup icônico da marca.

Falando em tomate, quem tá achando que a influência não se tornou literal está esquecendo das clutches da Loewe, que viralizaram no ano passado. A pedida não é apenas carregar a bolsa de tela da feirinha, mas sim os seus pertences dentro de um item em forma de algo comprado por lá.

E como não pensar nos brincos em formato de croissant da Jacquemus?
Na nova lógica do luxo, a fome transcende o look. É sobre o que você consome, estética e gastronomicamente. O desejo agora é multissensorial. No gloss com gosto de limão, no bolinho na padronagem da maison e na clutch que carrega condimento ou imita sua forma. A proposta é imersão total. Saboreando o lifestyle até a última garfada.
