Moda e Futebol: uma jornada da periferia às passarelas e aos campos
A moda e o futebol sempre andaram de mãos dadas; no entanto, é um fato que aquilo que nasceu dentro das periferias do país não estava "à altura" do high fashion. Afinal, como poderia uma simples camiseta de time ser considerada uma peça altamente fashionista, não é mesmo? Na realidade, era vista como sinônimo de desleixo ou de uma singela falta de preocupação com a vestimenta, como, por exemplo, ao sair para um passeio no shopping.
No entanto, silenciosamente, com o hype de algumas grifes e a estética bloke ganhando cada vez mais atenção no TikTok, a "moda futebolística" começou a ganhar os holofotes. A maneira como o esporte chegou às prateleiras das grandes marcas e aos perfis de influenciadores gigantes é algo que me deixa pensativa, afinal, essa tendência sempre esteve presente em nós há tanto tempo e sempre causou uma sensação de pertencimento para aqueles que são do "país do futebol". Então, a grande questão é: por que só foi valorizada recentemente? A resposta, todos nós sabemos.
As camisas de time, sejam originais ou não, sempre despertaram interesse, hoje elas dividem o mesmo espaço entre um item cotidiano e um artigo de luxo. Muitos colecionam modelos vintage, com as tradicionais golas polo e tecidos altamente quentes (falo por experiência própria), camisas de treino, do goleiro e por aí vai, sempre em busca de versões cada vez mais descoladas. Isso é algo que o torcedor, do mais apaixonado ao menos, espera do seu time.
Com esse crescimento exponencial, muitos times passaram a investir em versões clássicas que resgatam o estilo dos anos 80 e 90. E não estamos falando apenas das grandes marcas esportivas, como Puma, Nike e Adidas; também podemos incluir nesse mesmo time a Zara e a Balenciaga, por exemplo.
as grifes X o futebol
A marca vem investindo na estética bloke há um tempo. Foi em 2020 que eles lançaram chuteiras no valor de US$ 725 e camisetas inspiradas nos tradicionais modelos de futebol por US$ 780. Na época, a novidade foi recebida de diferentes maneiras: houve quem odiasse e quem adorasse as "novas" peças.
Apesar disso, a maison não foi a primeira a desbravar esses campos. Em 2018, a Versace trouxe os tradicionais cachecóis de futebol para as passarelas. No mesmo ano, a Kenzo também apresentou alguns modelos inspirados em camisas de time, assim como Gosha Rubchinskiy, que foi ainda mais literal, revivendo a estética old school em seu desfile. E lá atrás, em 2015, em colaboração com o Paris Saint Germain, a Koché trouxe várias inspirações para a passarela em uma atmosfera repleta de elementos do futebol.
Enquanto isso, se você acha que as empresas de sportswear ficam para trás, está muito enganada, cara leitora. O jogo está constantemente sendo elevado. Yohji Yamamoto, um conceituado designer japonês, em parceria com a Adidas e sua marca streetwear Y-3, já colaborou para criar os uniformes do Real Madrid.
Além do designer, a marca também trabalhou com Stella McCartney para criarem juntos, o uniforme do time feminino do Arsenal.
Quem também chama a atenção é Diana Al Shammari, conhecida nas redes sociais como 'The Football Gal', por customizar camisas com bordados incríveis que inclusive chamaram a atenção da Puma e de celebridades, como Joe Jonas.
para além das passarelas
A artista, que nasceu no Iraque e atualmente reside em Londres, explicou em entrevista à CNN Brasil que o futebol sempre foi uma válvula de escape para ela. “Meu trabalho surgiu do meu amor pela criatividade e de sempre incorporar o futebol em tudo que faço", explica Diana.
Seu trabalho começou em 2017 e, devido ao aumento na demanda, em 2018 passou a comercializar as peças. Em 2020, veio a parceria com a Puma, onde ela personalizou três camisetas e, mais recentemente, teve seu trabalho exposto em uma das lojas da Nike em Nova Iorque. Em seu Instagram, Diana escreveu: "Lembrete para nunca desistir dos seus sonhos, mesmo sendo uma criança refugiada que tinha poucas esperanças de futuro no futebol."
É realmente gratificante ver como o esporte abre espaços não só para jovens talentos promissores dentro da categoria, mas também para aqueles que enxergam um futuro ali, mesmo seguindo caminhos fora das quadras. Por exemplo, quem um dia imaginou que o encontro entre o bordado e o futebol pudesse coexistir, não é mesmo?
Já no Brasil, é lógico que os times não ficam atrás! No ano passado, a quarta camisa do Corinthians foi escolhida pelos próprios torcedores. O uniforme era bege com detalhes em preto e o escudo de 1913 centralizado.
Como sou palmeirense, é óbvio que não falaria do meu maior rival sem mencionar o Palmeiras. Este ano, o uniforme do Alviverde recebeu muitos elogios, superando até mesmo os gigantes europeus, e foi eleita, por votação realizada pelo site Footy Headlines, como a camisa mais bonita do mundo.
jamais esquecer seu contexto histórico e social
Isso é um reflexo direto do que mencionamos, sobre como o torcedor está cada vez mais engajado nesse universo, mesmo que involuntariamente. Desfilar o traje por aí virou sinônimo de fashionismo. No entanto, sempre é bom ressaltar que isso é uma mudança recente. Como mencionei no início do texto, havia uma resistência por parte de grande parte do público não apaixonado por futebol em relação às camisas de time.
Por isso, é importante lembrar de onde veio essa tendência, para que toda uma história não seja apagada. É necessário entender que foi a moda periférica que lançou essa tendência no Brasil, juntamente com o estilo mandrake, as "lupas" ou óculos Juliette, e outras grandes grifes como Lacoste ou Oakley, que estão presentes no vasto portfólio das ruas e possuem uma enorme relevância cultural.
Não há problema em usar camisas de futebol, nem que a Balenciaga ou a Versace reproduzam esse item. Toda essa visibilidade, por um lado, é positiva, no entanto, é crucial respeitar para que as origens não sejam ignoradas, em uma tentativa de deixar a tendência mais atrativa para outro público.
e o Samba com isso?
E como falar sobre moda e futebol sem mencionar um dos maiores desejos do momento: o Adidas Samba. Criado lá na década de 50, suas raízes são vintage, mas só foi lançado com o design que conhecemos hoje somente em 1972. O que começou como um tênis especializado nos campos gelados da Alemanha, onde os jogadores precisavam de uma boa aderência nos calçados, virou um símbolo do estilo bloke, justamente por se assemelhar a uma chuteira.
Apesar de levar esse nome, ele não está relacionado ao Brasil. Como sua performance nos campos de gelo foi altamente eficaz, acabou recebendo esse nome (segundo a história oficial do calçado no site da Adidas). No entanto, reza a lenda que a escolha do nome foi sim proposital, já que a marca queria promover o tênis aqui durante a Copa do Mundo de 1950, que ocorreu no Brasil.
Essa febre dos tênis, incluindo o Samba e outros modelos clássicos, tem um potencial tão grande se aliado com os esportes (basta ver a história do Air Jordan, por exemplo) que, de acordo com informações do Allied Market Research, essa indústria atingirá um patamar de US$ 165 bi até 2030. Uau!
Indo além dos bilhões apenas do universo dos tênis, de acordo com uma matéria publicada no The Standard, a indústria de vestuário de futebol deverá atingir cerca de £ 90 bi até 2028. Toda essa movimentação altamente lucrativa se deve à parceria de sucesso entre os grandes times europeus e as marcas, assim como à crescente adesão dentro do street style e de embaixadores como Kylian Mbappé na Dior Men, Megan Rapinoe na Nike e Jack Grealish na Gucci.
Inclusive, é muito importante falarmos sobre como Rapinoe e a Nike quebraram muitas barreiras ao longo da campanha que fazem juntos. Essa influência vai muito além das conquistas esportivas, impactando e transformando mentalidades, paradigmas. Afinal, sabemos como o futebol ainda funciona. É um espaço liderado por homens, assim como na maioria esmagadora dos esportes. Com as portas abertas por Megan - e, mais próximos de nós, a jogadora Marta, da seleção brasileira -, é possível sonhar com um espaço mais igualitário, seguro e inclusivo para mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+.
E à medida que avançamos para o futuro, é evidente que a relação entre moda e futebol continuará a se fortalecer. Essa fusão de estilos e culturas não só enriquece o panorama da moda contemporânea, mas também amplia as oportunidades para a expressão individual e a celebração da diversidade.
Seja nos gramados ou nas passarelas, a união entre moda e futebol é sobre paixão e da criatividade. É uma história que está longe de ser concluída, prometendo continuar a marcar muitos gols por aí - trocadinho intencional, é claro.
