O que é o Afrofuturismo na moda e na beleza

por Inaê Ribeiro

O afrofuturismo é um termo cunhado pelo crítico cultural e acadêmico norte americano, Mark Dery, em 1994. O termo, que gera curiosidade, é na verdade uma ideologia, um movimento e até por vezes uma estética, que se refere à uma geração de artistas, músicos e ativistas que lutam pelo espaço da cultura preta no mundo.  O grande alvo inicial da ideologia é definir uma visão afrocêntrica com a ficção científica, criando assim um universo repleto de possibilidades de vivência negra em mundos que não são marcados pelo racismo e pela opressão a pessoas pretas. 

O afrofuturismo valoriza o passado e o futuro a fim de criar condições melhores para as gerações de pessoas pretas através do uso da tecnologia que está presente na arte, na música e na literatura. O movimento nasceu através da ficção científica, mas aos poucos foi conquistando seu espaço em outros setores, como na moda e na beleza e, para ser afrofuturista,  é necessário estar enraizado e celebrar a singularidade e inovação da cultura negra. As mulheres artistas pretas sempre exerceram um papel essencial no desenvolvimento e na difusão do afrofuturismo na cultura popular. Esse papel é efetivado através dos elementos usados nas roupas, nos cabelos e na maquiagem, que desempenham papel fundamental nessa narrativa.

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Foto: Chloe x Halle (Reprodução/Instagram)


Apesar do nome ter surgido apenas em 1994, o conceito do afrofuturismo já existia muito antes. No início da década de 1950, os artistas estavam lançando as bases visuais, sonoras e de alfaiataria para o movimento cultural, criando assim uma estética que era característica dos artistas pretos.

Artistas como Janet Jackson, Missy Elliott e Grace Jones abriram as portas e as possibilidades para que hoje outros tenham a chance de expressarem sua beleza das mais diversas formas. Um exemplo disso são as cantoras pretas com diferentes tipos de textura de cabelo que hoje fazem parte do mundo artístico. A dupla Chloe x Halle é um excelente exemplo desse fato. As irmãs estão sempre ousando em seus penteados, mostrando a versatilidade do cabelo afro, já os figurinos de apresentações e clipes são sempre modernos e futuristas. 

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Foto: Grace Jones (Reprodução)

o afrofuturismo no passado

Por falar em Grace Jones, ela é um dos destaques quando falamos de ícone de beleza nos anos 80 e início dos anos 90. Com o seu corte de cabelo de topo plano, a cantora destacou seus traços faciais proeminentes e angulares, que ficaram ainda mais poderosos com o uso de sombra e batom ousados e brilhantes. Ainda na maquiagem, Grace utilizava contornos nítidos e tons vibrantes de blush saturando suas maçãs e cobrindo as têmporas.

Através de seu visual andrógino, ela foi essencial no processo de libertação dos padrões estéticos das mulheres negras, que antes haviam outra ideia -  e que deveria ser seguida -  do que era beleza e feminilidade.

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Foto: Missy Elliott (Reprodução)

Outra figura emblemática foi a Missy Elliott, que seguiu os passos de Grace Jones nos anos 90, explorando a estética afrofuturista em seu projeto de estreia, 'Supa Dupa Fly',  em 1997. O vídeo do single, que leva o nome do álbum, trouxe o seu visual mais icônico: um macacão preto inflável combinado com óculos de sol incrustados de strass. Assim como Jones, o seu estilo abraçou o que antes era considerado bizarro, antrógino e sobrenatural, exatamente o que valoriza o afrofuturismo.

o afrofuturismo no presente

Essas referências trouxeram força e espaço para as artistas Millennial e da GenZ abraçarem e explorarem seu lado ousado, andrógeno e as tradições da cultura negra em suas artes. Em 2021, em seu clipe ‘Wild Side’, a cantora Normani mostrou a versatilidade do cabelo afro ao ostentar diferentes penteados e acessórios que fogem do tradicional, como um capacete em formato de dado, um capacete de leopardo e um rabo de cavalo que se curva para a lateral.

Já a Willow Smith, ousa com seu cabelo tranquilamente tanto na vida real quanto na arte. O melhor exemplo para isso foi a sua performance icônica quando ela raspou o cabelo em cima do palco. A cantora é repleta de referências afrofuturistas e em 2021, durante sua performance para "Transparent Soul", ela utilizou um conjunto de tranças Fulani feitas de pelo menos quatro maneiras diferentes, desde aquelas adornadas com argolas até as empilhadas em um coque e torcidas em bantu knots. Na maquiagem, temos dois visuais marcantes, um com sombra preta esfumada e outro com uma sombra lavanda que vai além das têmporas e possui pinceladas de branco.

No Brasil, temos a Iza, que valoriza a estética preta em seus clipes musicais. Em “Meu Talismã'' a cantora desfila diferentes cabelos durante o vídeo, mas um frame em especial chama a atenção: quando a cantora está em um salão de beleza com mulheres trançando cabelos. Mais recente, podemos nos inspirar no vídeo de “Fé”, que inicia com Iza ornando um chapéu grande azul com pérolas contornando o rosto e uma maquiagem que destaca os traços da cantora. Os lábios contornados com lápis escuros e cobertos com gloss, valorizam uma estética negra que foi muito usada nos anos 90.

Não é apenas o visual da cantora que encanta no clipe, todos os figurantes presentes reforçam a presença e história das pessoas negras no cenário musical. Isso é mostrado com elas tocando instrumentos ou cantando, sempre desfilando com penteados estruturados e acessórios sendo utilizados no cabelo. Ainda falando sobre os acessórios utilizados em “Fé”, as unhas longas de francesinha colorida são ainda mais valorizadas com um acessório dourado que contorna a mão da cantora. 

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Foto: Iza (Reprodução/Instagram)

Esses olhares indicam uma mudança na indústria da música e a liberdade conquistada pelos artistas negros em expressarem e utilizarem suas imagens. Isso é algo que por muito tempo não foi permitido, uma vez que maquiadores e cabeleireiros ouviam que não poderiam reproduzir certos visuais em peles pretas. Desde o batom vermelho, que supostamente fariam as meninas negras parecerem palhaços, até a necessidade de estar sempre com os fios lisos. Em resumo, era necessário seguir o que era era considerado bonito pela cultura pop e nunca era a real beleza negra.

Um dos créditos dessa evolução está nas mídias sociais, onde agora temos acessos a um número extenso de influenciadores de beleza. Não são apenas as artistas que nos inspiram, agora, pode ser até mesmo a sua vizinha de bairro. O mais encantador nesse caso é que podemos encontrar pessoas normais, que tem uma beleza que podemos nos identificar.

não são apenas as artistas que nos inspiram, agora, pode ser até mesmo a sua vizinha de bairro

Hoje está mais fácil encontrar referências nas plataformas sociais de visuais realizados no cabelo afro ou na pele preta. Isso aumenta a gama de opções não só de todas nós, como também de profissionais da área que desejam trazer novidades para suas clientes. Antes nossas referências eram exclusivamente vindas do tapete vermelho e agora é a vida cotidiana que inspira os visuais dos palcos, mas de uma maneira mais ampla que dramática, o que torna os visuais ainda mais fashionistas e ideais para serem clicados pelas lentes dos fotógrafos e diretores.

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