O que você espera de uma marca de moda e o que ela deve entregar?

por Beta Weber

À medida que nos tornamos mais exigentes e conscientes, nossas expectativas em relação às marcas de moda também evoluem. Qualidade e beleza seguem sendo fundamentais, mas agora dividem espaço com valores, representatividade e experiência, carregando em seu centro a vontade de casar o essencial com a emoção. Isso inclui redefinir as noções de luxo, não mais limitadas a itens caríssimos e opulentos, mas nas sensações que nos causam e no propósito de cada coisa. Na passarela, a gente também quer ver o que vamos vestir de fato. Ao mesmo tempo que o consumidor quer consistência, ele deseja reinvenção e essa contradição define a busca atual. A seguir a gente explora as complexidades da moda contemporânea, onde o desejo é o fio condutor, mas o caminho para alcançá-lo é diversificado, reflexivo e, muitas vezes, paradoxal.

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Foto: Bottega Veneta (Vogue Runway)


O tema começou a me rondar a partir de declarações recentes de três dos principais nomes da indústria de luxo atual, que utilizaram a palavra "objeto" para se referir às suas criações: Matthieu Blazy da Bottega Veneta; Daniel Lee da Burberry e Sabato de Sarno, da Gucci. Despindo-se dos adjetivos normalmente associados a coleções de grandes marcas, repletos de superlativos e descrições conceituais, optando por um discurso pragmático onde a palavra chave é funcionalidade. Coletivamente demonstrando um anseio por elevar o legado de casas tradicionais prezando por uma moda esteticamente cativante, mas também prática e significativa.

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Foto: Gucci (Vogue Runway)

Blazy vem se destacando pelo olhar extraordinário para o cotidiano, transformando elementos usuais do dia a dia em obras de arte. Em seu segundo desfile para a Bottega Veneta, colocou Kate Moss na passarela vestindo calça "jeans" e uma "camisa de flanela", ambas confeccionadas em couro, matéria prima principal da grife italiana, conseguindo ao mesmo tempo honrar os códigos da Bottega, inovar na interpretação do tecido característico e apresentar sua visão de modernidade através de ícones, tanto nas roupas, quanto em quem as vestia. Blazy acredita que o palco mais relevante é a vida real, e sua ênfase está na excelência do processo e no resultado final. Em suas palavras:

a ideia principal é entregar um produto excelente, bem feito e desejável. Se as pessoas também o considerarem moda, fico satisfeito.

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Foto: Kate Moss para Bottega Veneta (Vogue Runway)

Daniel Lee, ex-chefe de Blazy na marca italiana, está atualmente à frente da Burberry, pilar da moda inglesa responsável pela criação do trench coat, e seu discurso é similar: a ambição é por designs com significado, que inovem com um propósito, não apenas em peças que sejam visualmente revolucionárias, mas que honrem as raízes da marca britânica concentrando seus esforços em criar peças que façam sentido no cotidiano das pessoas com estilo e utilidade.

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Foto: Burberry (Vogue Runway)

É preciso simplificar, mas não ao ponto de se tornar trivial ou chato. E é esse equilíbrio entre o essencial e o especial que resume o objetivo de Sabato de Sarno, o recém nomeado diretor criativo da Gucci. A crítica mais frequente à sua coleção de estreia foi a percepção de que a maior parte dos looks poderiam ser usados diretamente da passarela, demonstrando uma aparente falta de imaginação, particularmente em contraste ao universo nostálgico e excêntrico cuidadosamente cultivado por seu antecessor Alessandro Michele. Realmente, elementos teatrais não têm nada a ver com a visão de De Sarno, que se vê mais como um engenheiro do que um artista com seu interesse centrado na estrutura e na forma como as peças são construídas.

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Foto: Gucci (Vogue Runway)

Sem resposta certa ou errada, no fim das contas, é tudo semântica e essa escola do essencialismo e da compreensão que o que vestimos comunica quem somos e mais importante, o que pensamos, existe há muito tempo. Muito antes do trio discutido acima dar seus primeiros passos, Miuccia Prada já era, e continua sendo, adepta da filosofia: suas criações são manifestos concretos da forma que ela enxerga o mundo impregnadas por ideias, ideais e motivações que vão muito além da estética.

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Foto: Prada (Vogue Runway)

Os tempos incertos, além de destacarem a busca por funcionalidade, também aumentam a vontade por itens atemporais e clássicos, já que esses oferecem alento e a sensação de estabilidade, como comprovam Chanel e Hermés, que podem continuar elevando anualmente os preços dos seus produtos, aumentando seu faturamento, sem jamais comprometer seu status e prestígio, também em crescimento exponencial. O presidente de moda da Chanel, Bruno Pavlovsky, falou ao The Guardian:

a Chanel não é sobre um produto e sim sobre uma silhueta, um espírito.

O que nos leva à outra vertente, o da moda como show que levanta a dúvida: você cria roupas ou cria conteúdo? A crítica de moda Vanessa Friedman separa os atuais diretores criativos das marcas de luxo em dois grupos: a turma do conteúdo, que considera a moda uma forma de entretenimento, versus a turma das roupas que enxerga a moda como um serviço.

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Foto: Chanel (Vogue Runway)

No time do "tudo para viralizar”, nenhuma voz é mais alta que a de Demna Gvasalia na Balenciaga, muito embora suas decisões às vezes sejam condenáveis - a exemplo, a polêmica campanha com imagens de crianças em contextos sexuais. É inegável que o que mais chama atenção em sua obra não são as peças em si, mas sim o mise-en-scene. O que não desmerece seu talento como estilista, que é enorme, mas que destaca seu igualmente poderoso talento para o marketing. Outro exemplo é a nomeação de celebridades como diretores criativos, uma estratégia que gera constante conteúdo, embora não necessariamente propostas criativas. O recente caso de Pharrell Williams na Louis Vuitton masculina exemplifica isso. Apesar que, vale ressaltar, o multidisciplinar Williams vem exercendo seu papel muito bem e calando os céticos de plantão.

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Foto: Louis Vuitton (Elle)

Mas se a moda é entretenimento, isso não quer dizer que ela precisa ficar na superfície: o aspecto do show pode ser traduzido em outras formas mais aprofundadas. Existem aqueles que buscam na poesia ou na expressão artística mais intensa sua fórmula para criar. A saída de Sarah Burton da McQueen, possivelmente, representa o fim de uma era na marca. Burton era braço direito de Alexander McQueen e soube dar continuidade à visão de Alexander que entretia e instigava como ninguém. Seus designs provocativos geravam desconforto na mesma medida que despertavam curiosidade, costurando história, rebeldia e excelência técnica em coleções que transbordavam autenticidade- seu talento para a alfaiataria era tão relevante quanto seus desfiles super produção. E a saída de Sarah deixa um ponto de interrogação sobre o futuro do legado.

Carregam essa bandeira também a Mugler, onde o fundador Thierry conquistou fama graças a capacidade de tecer universos fantásticos em forma de roupas esculturais e arquitetônicas, hoje em dia muito bem preservados por Casey Cadwallader. Finalizando com a figura mais polarizante entre as gigantes de luxo, Maria Grazia Chiuri da Dior, que apesar do sucesso comercial, é frequentemente alvo de críticas devido à execução e inovação de suas criações que tentam se manter fiéis à herança de Christian Dior, constantemente referenciando mensagens e simbolismos inerentes à maison, mas que ainda assim parece não acertar o ponto.

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Foto: Mugler (Vogue Runway)

O que dá para concluir é que, independentemente da abordagem preferida, o objetivo final de uma marca de moda permanece o mesmo: despertar desejo. As formas de alcançar isso são variadas, assim como as maneiras de interpretá-la. As nuances, contradições e diferenças de opiniões fazem parte da natureza humana e da moda, afinal seu papel é refletir nosso mundo servindo como um espelho da existência em toda sua riqueza e complexidade.

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