Pelo direito de ser fútil

por Karen Merilyn

Pode parecer meio bobo falar sobre o direito de ser fútil, mas, se analisarmos bem, é o oposto disso. Não sei se você já parou para pensar, mas há um padrão até em quem pode ou não criar conteúdos leves, gostar de coisas bobas e não precisar falar sobre assuntos sérios se não quiser. Isso porque há uma cobrança em cima de um grupo específico: as mulheres negras.

Se você não está entendendo do que eu estou falando, vou explicar melhor: nós, mulheres pretas, somos constantemente cobradas para estar em um lugar que, muitas vezes, não estamos confortáveis: o de ter que falar sempre de racismo, explicar por que algo é errado, ter que ser sempre didática. Por que nós não podemos simplesmente falar do que gostamos, seja fútil ou não?

Leia também: Quem define o que é estiloso ou cafona?

Pessoa com vestido vermelho xadrez, renda preta, óculos escuros e acessórios em destaque, como brincos vermelhos e pulseira ampla. Batom vermelho. Bolsa preta e unhas decoradas completam o visual. Texto: Pelo direito de ser fútil.
Foto: @_thisisclaire (Reprodução/Instagram)


Bom, para explicar como isso acontece, podemos exemplificar perfeitamente com as criadoras de conteúdo nas redes sociais. A internet é feita de vários nichos e muitos são considerados "fúteis", por serem uma forma de entretenimento. Moda, beleza e lifestyle geralmente estão dentro desse rótulo. E apesar de existirem milhares de influencers que abordam esses temas, parece que as negras estão fadadas a abordar raça e racismo, mesmo quando estão dentro desses nichos. 

Não me entenda mal, é extremamente importante falar, debater e conscientizar sobre esse tema em todos os âmbitos. Eu, uma jornalista de moda, tenho sempre um olhar crítico sobre o recorte racial dentro dessa indústria que é tão branca e já escrevi sobre isso por aqui algumas vezes. No entanto, no meu TikTok e Instagram, por exemplo, eu gosto de mostrar meus looks, falar sobre moda e estilo, mostrar um pouco da minha vida no geral e só. E não há nenhum problema nisso, afinal, eu também posso ser fútil.

@stefanineeze

Pelo meu direito de ser, pra além de uma mulher preta, mulher. As vezes é simples, romântico, leve, suficiente, positivo e fútil, despretensiosamente existindo. 💋✨🍾💅🏽 #mulher #mulherpreta #fyp #fy

♬ som original - Ste ✨

Assistir a esse vídeo da Stefanine Eze no TikTok me fez refletir sobre algo que eu já tinha notado: como a cobrança é diferente para mulheres negras. É como se a gente se resumisse às dores de viver em um mundo envolto de racismo. Mas nós somos mais que isso. Como todas as mulheres, podemos ou não gostar de moda e beleza, podemos ou não falar de questões políticas, sérias e urgentes, podemos ou não querer só exibir nossa beleza em uma selfie no story.

No entanto, somos sempre cobradas de maneira diferente. Até quando alguém branco se envolve em uma polêmica, as amigas negras são as mais cobradas para se explicar, para se aprofundar no assunto nas redes sociais. Por que isso?

Mulher vestindo trench coat bege, blusa marrom de alças finas, calça jeans cinza e segurando óculos de sol transparentes. Estilo casual chic com tendências urbanas e modernas. Texto: Pelo direito de ser fútil
Foto: Suban (Reprodução/Instagram)

O que me incomoda é mais esse estereótipo da mulher negra, como se já não tivéssemos várias pré-concepções do que podemos ser. Somos um grupo com muito em comum por conta da raça, mas somos múltiplas e, o mais importante, podemos ser e falar o que quisermos. 

Portanto, se uma mulher negra quiser ser fútil, reclamar sobre uma unha quebrada que seja, fazer um feed só de selfies, passar o dia falando sobre compras, é o direito dela. Isso não a torna menos negra, menos relevante, menos nada, pelo contrário. Por mais mulheres negras que possam se preocupar mais em serem fúteis e menos com as dores do racismo. Queremos que as mulheres negras sejam felizes e, se isso significa ser rotulada como fútil, que bom. Queremos o direito de ser fúteis também.

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