Por mais que hoje existam mais debates, discussões e ações que tem como objetivo tornar a indústria da moda um lugar mais sustentável, consciente e de consumo ético, é inegável que esse ainda é um universo de desperdício, poluição e grande volume de descarte de lixo têxtil. Não é segredo para ninguém que o setor fashion é uma das maiores poluidores mundiais, e pasmem, ficando atrás somente da indústria petrolífera - que por sua vez é uma das grandes fornecedoras do campo têxtil.
Desde descartes irregulares em lixões clandestinos, a falta de clareza sobre as leis de responsabilidade de refugo do lixo têxtil, voltadas tanto para o poder público quanto para pequenas e grandes empresas de confecção e marcas de moda, o volume cada vez maior desses resíduos tem causado grandes impactos. Essas consequências muitas vezes são irreversíveis, não só para o meio ambiente, mas também para nós, seres humanos, e principalmente para a parcela da população que vive em situação de pobreza extrema.
Mesmo com o surgimento da pandemia do Coronavírus, que causou enorme impacto socioeconômico, e consequentemente uma grande crise na maior parte dos setores, a indústria da moda conseguiu enfrentar a maré e atingir um crescimento significativo de em média de 36% no primeiro semestre do ano passado, 2021, segundo a Abit - Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Mas, por mais que esse avanço seja muito importante e positivo por um lado, por outro lado exprime efeitos negativos, principalmente pelo aumento, digamos que proporcional, da produção de lixo têxtil. Uma análise realizada no começo do ano passado, para o relatório ‘Fios da Moda’, do Instituto Modefica e da Fundação Getulio Vargas, por exemplo, constatou que em média, 16 caminhões de resíduos têxteis, são retirados da região do Brás, em são Paulo, totalizando uma média de 45 toneladas diárias. Por sua vez, o bairro do Bom Retiro, também localizado em São Paulo, produz em média 12 toneladas por dia.
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Se engana quem pensa que o lixo têxtil é formado somente por sobras de tecidos de confecções - que por sinal geram cerca de em média 20% a 30% de perda total de materiais nesse primeiro momento -, dentre os itens, estão também, peças com defeito ou inacabadas e até rolos inteiros de tecido. E vale ressaltar, que as peças comercializadas, as quais chegam até o consumidor final, em sua maioria também são descartadas inadequadamente. Os principais destinos são a revitalização e reutilização, onde roupas usadas são reformadas e revendidas para o consumidor; a reciclagem, no qual os resíduos são enviados para fábricas recicladoras a fim de transformar os mesmos em subprodutos, como enchimentos de almofada e revestimentos para estofados, por exemplo; os aterros sanitários, que por mais legais que sejam ainda causam grandes danos, e, infelizmente, os lixões clandestinos, que por sua vez são um dos responsáveis por gerar detritos altamente poluentes, tanto para a atmosfera, quanto para os lençóis freáticos, por exemplo.
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O assunto lixo têxtil tem ganhado destaque nos últimos tempos, principalmente pelas imagens impactantes de aterros e lixões espalhados pelo mundo que tem circulado pelas mídias. Pilhas, montanhas, enfim, uma infinidade de resíduos da indústria da moda descartados a céu aberto, e esse é um problema, cara leitora, é mais antigo do que se imagina. Um estudo realizado pela Ellen MacArthur Foundation, concluiu que a quantidade equivalente a um caminhão de lixo têxtil é incinerado ou descartado em aterros por segundo. No deserto do Atacama, localizado no Chile, por exemplo, há aproximadamente 15 anos, cerca de 300 hectares foram transformados em um gigante lixão de resíduos têxteis, que constam com peças de todos os tipos e materiais, em sua maioria de poliéster. Para se ter uma ideia da gravidade desse descarte inadequado, o poliéster é um material altamente poluente e resistente, onde demora mais ou menos 200 anos para se decompor na natureza - para título de comparação, o algodão, que é uma fibra natural, mas que recebe transformações químicas na indústria, demora em cerca de 5 meses a 20 anos, dependendo do tratamento que sofrido.
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Mas muitas empresas viram nesse descarte, uma espécie de oportunidade de negócio. Cerca de 50 empresas importadoras de resíduos têxteis se instalaram no Chile, com o objetivo de receber e distribuir toneladas de peças de segunda mão descartados pela indústria, para todo país. Em números essa informação fica ainda mais impressionante, onde diariamente mais ou menos 59 mil toneladas de lixo têxtil são importadas de vários países do mundo - com destaque para países da América do Sul, países da Europa e Estados Unidos - todos os anos, mas somente por volta de 19 mil toneladas são realmente reaproveitadas, separadas em categorias de qualidade e depois revendidas nos grandes mercados das roupas de segunda mão, como a feira de La Quebradilla, por preços extremamente baixos. O restante, se é que podemos chamar de resto, voltam a ser lixo, sendo descartadas nos grandes lixões já citados. Sim, tudo isso é chocante, mas também temos que dizer que é totalmente legal, tirando a parte do descarte irregular, que por sua vez não tem a fiscalização adequada por parte dos governos. Uma informação importante é que no Chile, o descarte de materiais têxteis é proibido e não existe um local legal para tal, por conta da instabilidade de seu solo, onde a solução acaba sendo a incineração que pode durar até dez dias seguidos.
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A responsabilidade por esse lixo têxtil é outro problema claro, mas ironicamente, as leis de fiscalização, ou de quem é a obrigação em dar um destino adequado para todo esse lixo são turvas e cheias de brechas, onde governos e empresas jogam um ping pong de compromissos. Por um lado os governos, grande parte deles, afirmam que é de total responsabilidade das empresas armazenar, transportar e descartar legalmente tais materiais, já as empresas defendem que é uma obrigação governamental oferecer um serviço público que se responsabilize por tal processo. Mas, estabelecer leis que obriguem as partes a solucionar essas questões e acordar interesses entre esse mercado, que é gigantesco e envolve muito dinheiro, os governos e a população, não são fáceis de serem colocadas.
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