Um all star rosa e como o racismo afetou (até) meu estilo

por Karen Merilyn

Às vezes não percebemos o quanto nosso estilo pessoal pode ser moldado por inúmeros fatores. Enquanto crescemos e descobrimos quem somos e do que gostamos, tudo que nos permeia vai nos influenciar de alguma forma. Isso significa que até os aspectos ruins podem nos afetar. No meu caso, como mulher negra, percebi — por conta de um All Star rosa — o quanto o racismo afetou a maneira como eu me vestia. 

Pessoa usando camiseta verde clara, gravata listrada colorida e shorts curtos estampados. Completa o visual com tênis rosa e óculos de sol rosa. Estilo casual e colorido, com tendência de mistura de estampas e acessórios chamativos.
Foto: Karen Merilyn (Reprodução/Instagram)


Atualmente, sou conhecida pelas pessoas à minha volta como alguém que se veste de forma bem espalhafatosa. Cores, estampas, texturas, brilho… qualquer coisa fora do comum, e que geralmente chama atenção, faz parte do meu estilo. Mas nem sempre foi assim. Pelo contrário, houve um tempo em que tudo o que eu não queria era me destacar. 

Como boa millennial, vivi minha infância e adolescência entre os anos 2000 e metade da década de 2010. Era um período em que a internet era recente, as referências, para mim, vinham muito mais da TV e das revistas, e que não se falava sobre representatividade. Talvez fosse por isso que eu queria desesperadamente ser branca. 

Mulher sentada em cadeira, com cachecol xadrez azul, blusa branca sem mangas, calça jeans e botas até o joelho cinza claro. Estilo casual com mix de tendências outono-inverno, destacando acessórios como cachecóis para adicionar um toque moderno.
Foto: Karen Merilyn (Reprodução/Instagram)

Quando eu entrei no ensino médio, minhas amigas eram todas brancas e, por conta disso, eu queria ser parecida com elas. Éramos um grupo de quatro e as pessoas sempre falavam que as três podiam ser irmãs, porque se pareciam. Claro que isso não se aplicava a mim, a diferente. E eu odiava isso. Então, meu mecanismo era me vestir como elas, tentar me misturar ao máximo e não chamar muita atenção — como se isso fosse me tornar menos negra. 

Pessoa vestindo jaqueta branca, camiseta listrada preta e branca, calça rosa com cadarços brancos e tênis rosa combinando. Acessórios incluem óculos de sol brancos. Estilo ousado e colorido, tendência pop fashion no Kids' Choice Awards 2010.
Foto: Willow Smith (Reprodução)

Apesar desse cenário, eu já gostava muito de rosa e também de coisas consideradas diferentes, que, é claro, jamais tinha coragem de usar. No entanto, um belo dia, quando eu fui à uma loja de sapatos, me apaixonei à primeira vista por ele: o All Star rosa. Mas não era qualquer All Star rosa, era simplesmente aquele modelo de bota, que vinha até o joelho, bem típico dos anos 2000 (parecido com a icônica calça-tênis da Willow Smith, sabe?). Meio que sem pensar muito, pedi de presente e consegui ganhar. Foi uma sensação indescritível ter algo que eu queria tanto e achava tão lindo.

Mal sabia eu que o difícil seria ter coragem de usar — e para mim é doido pensar que realmente houve um tempo em que eu precisava de coragem só para vestir algo que eu gostava muito. Bom, na época eu reuni toda a confiança que eu não tinha e fui para a escola com ele. Fiquei tímida, mas quando saí de casa, foi melhor do que parecia. 

Quando cheguei na escola e encontrei uma das minhas amigas, ela disse que “não teria coragem de usar”. Isso foi o suficiente para eu morrer de vergonha. A culpa não foi exatamente dela, mas eu tinha tanta necessidade de validação das minhas amigas brancas, que o fato de uma delas dizer que não usaria algo que eu tinha amado fez com que eu automaticamente não quisesse mais aquilo. A partir daquele dia, eu não quis usar mais o tênis e até doei depois de um tempo. 

Uma única vez usando algo que me destoava ainda mais das outras pessoas foi o suficiente para eu desistir de tentar ser eu mesma. Uma única frase de uma amiga fez com que eu passasse a odiar algo que amava. 

O racismo age de formas inimagináveis para quem não é uma pessoa negra. Ele nos tira tudo: nossa confiança, nossa autoestima, nossa identidade, nossos desejos e gostos. São tantas nuances de como o racismo interfere na nossa personalidade que é difícil distinguir quem somos de verdade e o que é resultado de uma ferida aberta.

Moda urbana colorida e ousada: body vermelho de vinil, jaqueta preta oversized, botas estilo All Star de cano alto, meia-calça preta, óculos de sol retrô e boina preta. Look complementado por uma bolsa transversal pequena e colorida.
Foto: Karen Merilyn (Reprodução/Instagram)

Depois de muitos anos desse episódio, lembrar desse All Star rosa me faz pensar no quanto de mim, eu abri mão só para tentar ser aceita. Ele é um lembrete do quanto minha identidade foi ceifada durante boa parte da minha vida por conta de uma estrutura que é feita para perpetuar o auto-ódio entre as pessoas negras. E saber que meu estilo, que é algo tão fundamental na minha vida, foi afetado por isso é muito doloroso. 

Recentemente, comprei um tênis como aquele. Não era rosa, porque não encontrei, mas a versão preta foi o suficiente para acolher a Karen adolescente dentro de mim. Usei com confiança e sem me importar com os olhares das pessoas. 

Hoje, não há quem me faça deixar de me vestir como eu quero. Não importa o quão colorido, esquisito ou chamativo seja algo, se eu gostei, eu vou usar. E se ser eu mesma vai fazer eu me destacar no bom ou mau sentido aos olhos dos outros, ótimo. É libertador saber que não tem nada que vá me podar. Não mais. 

Você também vai gostar