Como ser escritor de moda com André Carvalhal

por Karen Merilyn

Como já falamos por aqui, a indústria da moda é muito ampla e depende de diversas profissões. Uma delas envolve a publicação de livros, uma parte muito importante não só para as universidades de moda, mas também como uma fonte essencial de conhecimento sobre a área e seus diversos campos. E para falar um pouco sobre essa carreira que une a escrita com a moda, batemos um papo com o André Carvalhal sobre como ser escritor. 

Carvalhal é autor dos best-sellers “A Moda Imita a Vida”, que discute a construção de uma marca de moda, e “Moda com Propósito”, referência quando se fala em sustentabilidade na indústria. Ele começou a carreira no marketing e migrou para a escrita quando entendeu a necessidade de falar sobre o que ninguém estava falando. Hoje, além de escrever, também apresenta palestras e trabalha com consultoria para as marcas. Vem ver tudo o que ele compartilhou com a gente: 

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Foto: André Carvalhal (Ana Amado)


STL: Primeiro, conta um pouquinho da sua trajetória profissional como escritor. 

A.C.: Eu comecei minha carreira como publicitário, então eu fiz faculdade de comunicação —  fiz publicidade e jornalismo — depois eu fiz uma pós-graduação em marketing digital e uma especialização em design para sustentabilidade. Comecei trabalhando com publicidade em agência, depois fiz uma primeira transição de carreira e fui para a Farm. Comecei a trabalhar com moda, foi meu primeiro emprego na moda. Fiquei 10 anos na Farm e saí de lá como diretor de marketing. Depois, empreendi um projeto de moda colaborativo, a Malha, e fui diretor criativo da Alma, uma marca de moda mais sustentável.

Quando eu estava na Farm, eu comecei a ser muito sondado por conta do grande case de marketing que a Farm virou na época, logo quando ela estava surgindo. Passei a ser muito convidado para dar palestras e cursos sobre marketing, falando sobre isso. E aí eu notei que não existia nenhuma literatura nesse sentido, não existia um livro aqui no Brasil que falasse sobre marketing de moda, sobre construção de marca. E dessa forma eu comecei a escrever. A minha pesquisa, o que eu estudava dos livros lá de fora, os cursos que eu fazia, foram gerando material para escrever o primeiro livro. Então, foi dessa forma que a minha carreira começou. Eu brinco que foi muito por acaso, não foi algo planejado, pensado, mas foi algo que eu me apaixonei, me envolvi completamente e de lá para cá já foram cinco livros publicados.

 

O que te motivou a escrever sobre moda e sustentabilidade?

A.C.: Apesar dos meus livros não serem biografias, eu acho que eles representam muito o momento que eu estava vivendo e o momento que o mundo estava vivendo também. Quando eu comecei a escrever, que foi sobre construção de marca de moda, a gente vivia o boom da moda no mundo. A chamada democratização da moda com as fast fashions estavam começando, todas as grandes colaborações, as grandes marcas gringas chegando no Brasil. Assim, a gente via a moda virando tema de novela, de série. Sex in the City trouxe para os seriados essa coisa do glamour da moda. Então, acho que a gente vivia esse boom. E aí depois a gente foi passando por outras fases. O meu livro Moda com Propósito, que foi o que veio depois desse, começa a falar sobre um questionamento da moda, sobre esse volume, essa quantidade, a quantidade de marcas. Começa a falar sobre influência, quando esse movimento também estava começando. E era, eu acho, que um movimento do mundo, né? Para onde o mundo estava caminhando. E aí depois veio um livro que se chama Viva o Fim, que foi quando eu saí da Farm, quando eu já tinha também empreendido esse projeto de moda colaborativo e que foi um projeto que não foi para frente. Então, foi um livro que eu falava muito sobre o fim dos ciclos e falava sobre essa coisa dos ciclos no mundo e de uma nova moda, de uma nova arte, de uma nova forma da gente se alimentar, da gente se divertir. Então, ele falava sobre uma transição que eu acho que é o momento que a gente continua passando até agora. Aí eu, nesse período, já tinha feito a minha especialização para sustentabilidade. E também foi quando comecei a falar mais sobre isso e escrever o “Como Salvar o Futuro”. Depois, o “Como Libertar o Presente”, que é uma evolução do assunto da sustentabilidade. Então, eu acho que é isso, dentro do universo que eu me conecto. Esses temas foram quase que uma evolução natural e acho que eram temas pertinentes e relevantes para o mundo no momento que a gente estava vivendo.

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Foto: André Carvalhal (Ana Amado)

quem quer escrever sobre moda precisa entender sobre o que vai escrever dentro desse universo.

Qual foi o ponto-chave para você alavancar sua carreira como escritor?

A.C.: O meu ponto chave foi de fato o lançamento do meu primeiro livro. O “A Moda Imita a Vida” é até hoje o livro de negócio de moda mais vendido no Brasil. Então, eu acho que o sucesso e a repercussão que esse livro trouxe foi o que de fato me motivou a continuar escrevendo. O feedback das pessoas sobre o livro, o quanto ele ajudou na vida delas, na carreira, na construção das marcas. Então, essa resposta foi um incentivo muito grande e foi também o que me estimulou a continuar e realmente entender que eu tinha, digamos, essa vocação. Eu acho que é uma vocação escrever, comunicar, é algo que dá muito trabalho. E eu acho que foi esse primeiro livro mesmo que me deu esse empurrão.

 

Como ser escritor e falar sobre moda? O que é necessário?

A.C.: Eu acho que para você ser um escritor e falar sobre qualquer coisa e não somente sobre moda, tem duas coisas que eu fui entendendo ao longo desse tempo: primeiro você precisa dominar bastante sobre aquele assunto. Parece uma coisa meio óbvia, mas você precisa se aprofundar, mergulhar realmente nisso. E por outro lado, é importante também que você traga uma visão que seja sua, que não seja óbvia. Então, sei lá, tinham muitos livros de moda quando eu comecei a escrever que falavam sobre estilo, falavam sobre um monte de coisa, mas nenhum livro falava sobre construção de marca de moda da forma como eu falava. Eu acho que o grande diferencial ali foi o olhar que eu trouxe, o recorte que eu trouxe, a edição que eu trouxe para esse tema. Quem quer escrever sobre moda precisa entender sobre o que vai escrever dentro desse universo da moda.

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Foto: A Moda Imita a Vida (Luiz Wachelke)

Como é a rotina de um escritor? 

A.C.: Eu posso te dizer que não tem uma rotina que seja única. Eu acho que a grande coisa é cada um encontrar e descobrir a sua própria rotina, a sua própria forma de fazer dar certo. Eu, como fui me descobrindo escritor ao longo dessa jornada, fui experimentando e tentando diversas formas de processo, conversando com diversas pessoas diferentes, também para buscar experiência, e descobri que não existe um padrão. Para mim, por exemplo, escrever se tornou a coisa mais importante de todas, então eu priorizo isso no meu dia a dia. Quando eu estou escrevendo um livro, essa é a primeira coisa que eu faço, então eu acordo, eu escrevo, eu separo geralmente de uma hora, uma hora e meia para escrever, e aí só depois disso o meu dia começa, porque realmente isso é prioridade. Agora, isso não significa que ao longo do dia eu também não esteja escrevendo. Então eu, sei lá, estou viajando num avião e eu estou anotando coisas num bloco de nota, eu estou lendo coisas e eu estou fazendo prints de referências de coisas que eu gosto. Quando eu estou escrevendo — e para escrever eu leio muito também — ao longo do dia eu vou lendo bastante coisa. E aí eu também separo o tempo para a leitura. Então eu escrevo de manhã, trabalho durante o dia e aí mais para o final da tarde, até para ir desacelerando, eu começo a ler. E aí eu vou colecionando todas essas coisas e praticamente a hora que eu sento de manhã cedo é a hora que eu boto aquelas coisas num computador, coisas que eu vou amadurecendo ao longo do dia [anterior]. Esse é um jeito que funciona para mim, mas para cada pessoa eu acho que pode ser de um jeito diferente.

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Foto: André Carvalhal (Reprodução)

Como está o mercado de trabalho para escritores? 

A.C.: Eu acho que existem alguns tipos diferentes de escritores. Existem pessoas que têm vontade de lançar um livro, então são pessoas que são referências na sua área, na sua carreira, e aquele livro é algo simbólico, é algo que traz alguma contribuição para o mundo, dentro daquilo que aquela pessoa acredita ou que ela pode proporcionar. Outras pessoas realmente decidem ser escritoras, virar escritor e dedicar a sua carreira a isso. E aí, para essas pessoas, a realidade é bem diferente. Então, viver de escrita é algo que não é fácil, porque para você se sustentar diretamente da venda dos livros, você precisa ser um autor de muito volume, de grande sucesso. No Brasil, para você ter uma ideia, um autor best-seller é um autor que vende, em média, dois mil livros, considerando a média de tiragem e de venda dos livros que são lançados. Porém, se você vende dois mil livros, você não sobrevive somente com esse dinheiro.

Agora, existem ganhos indiretos quando você se torna um escritor e lança um livro. Você é convidado para palestras, para eventos, você tem outras formas de monetizar em cima do livro, às vezes vendendo direitos dos livros para séries, para documentários, para fazer audiobook, enfim, tem outros desdobramentos. Muitos criadores de conteúdo, muitos escritores, acabam desmembrando também esse trabalho para podcasts, para outras coisas. Então, é um mercado também que eu acho que não tem uma fórmula, não tem uma linearidade, é um mercado em constante transformação. Até a pandemia, por exemplo, os livros impressos estavam em declínio, as vendas, grandes livrarias fechando, existia quase como uma crise pairando no ar. Na pandemia teve um resgate muito grande da leitura e principalmente dos livros impressos, então esse mercado se reaqueceu. Então eu acho que existem muitos caminhos, muitas possibilidades dependendo do objetivo de cada pessoa.

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Foto: Viva o Fim (Reprodução)

Como funciona a pesquisa para escrever um livro?

A.C.: A pesquisa, eu acho que vai depender bastante do tema do recorte do livro, então para algumas pessoas pode ter sentido fazer entrevistas e publicá-las ou não. Ao longo dos meus processos de pesquisa, eu gosto de entrevistar, eu gosto de, digamos, ir a campo, eu publico algumas entrevistas no livro, mas outras servem como fonte de inspiração para me ajudar a chegar no tema, no recorte que eu quero ter. Muitas entrevistas também acabam me abrindo possibilidades, me levando a outras perspectivas, a outros lugares que eu inicialmente não estava imaginando. Além disso, como eu disse, eu gosto de ler muito, então, sei lá, para cada livro que eu escrevo, eu devo ter lido uns 30 livros. Escrever é algo também que me ajuda muito, não só porque me traz informação, me traz conteúdo, mas também é uma forma de aprender a escrever. Então, eu também leio observando, prestando atenção na construção, na divisão, entendendo como os livros são organizados, como eles são divididos. Acho que tudo isso faz parte desse processo de pesquisa, não necessariamente só o conteúdo ou a história que você vai contar, mas como você vai contar aquela história, como você vai organizar, como você vai apresentar. Acho que esse é um processo rico e é um processo que eu acho que não acaba enquanto o livro não acaba. É um processo também que vai de forma paralela enquanto todo livro está sendo feito.

 

Você acha que ainda há muitos temas a serem explorados na moda e que merecem ser transformados em livros?

A.C.: Eu acho que escrever um livro é trazer um recorte e um ponto de vista específico sobre um determinado tema. Então, partindo dessa perspectiva, existem infinitos temas, porque existem muitas pessoas diferentes com muitas perspectivas e muitos olhares diferentes. Eu acho que, a partir de um desejo, a partir de uma intenção, de um determinado recorte, o próximo passo é olhar para o mercado, olhar o que já existe escrito nesse sentido, olhar para as pessoas, olhar se esse tema vai ser relevante para as pessoas, para quantas pessoas. Eu acho que esse cruzamento é bastante importante para entender a pertinência daquele livro naquele momento, o tamanho daquele livro naquele momento, e também o objetivo desse autor com esse livro, como eu falei lá atrás. Qual a sua intenção em escrever, em publicar um livro?

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Foto: André Carvalhal (Reprodução)

Quais são os maiores desafios para escritores do nicho de moda?

A.C.: Eu acho que o maior desafio mesmo é publicar, é ter acesso às editoras. Se você não conhece ninguém, se você está lançando o seu primeiro livro, talvez possa ser um caminho mais difícil. Então, por isso, eu apoio essas outras alternativas. Por exemplo, esse formato de lançar um livro digital e ele é de graça para as pessoas. Muitos autores novos optam por esse caminho para começar e aí depois que o livro dá certo, o livro tem um número considerável de downloads, enfim, o livro se mostra como um livro de sucesso, acaba sendo um argumento mais legal para chegar nas editoras, sendo uma pessoa nova, desconhecida, e atrair o interesse da editora com a publicação. Então, esse pode ser um caminho.

 

Qual livro você indica para quem quer escrever sobre moda? 

A.C.: Meu primeiro livro, “A Moda Imita a Vida”. Ele é um livro que fala sobre construção de marca a partir do autoconhecimento e eu tive muitos retornos de pessoas que tiraram proveito para as suas próprias vidas. Também recomendo os livros da Joan Didion, escritora que colaborou por muito tempo com a Harper’s Bazaar. Apesar dos seus livros não serem sobre moda, eles tem uma linguagem bastante inspiradora.

Apesar da profissão não exigir uma faculdade específica, você pode começar fazendo alguns cursos especializados se você não sabe como ser escritor e trilhar sua carreira. Há algumas opções na PUC, ESPM e Fundação Bradesco. Eles podem ajudar nas técnicas para transformar as ideias e pesquisas em um livro. 

Esse é mais um dos nossos conteúdos sobre carreira de moda que estão por aqui quinzenalmente. Em cada profissão, conversamos com pessoas que têm experiência para compartilhar seus pontos de vista sobre a indústria. 

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