Os alisamentos capilares voltaram com tudo. É só ficar alguns minutos nas redes sociais para ver uma grande quantidade de vídeos de “antes e depois” com cabelos cacheados e crespos se tornando lisos com produtos químicos, como a escova progressiva. Esse comportamento, infelizmente, faz parte da volta dos anos 2000, onde cabelos extremamente lisos e a magreza excessiva, por exemplo, eram o ideal de beleza que todas as mulheres queriam alcançar.
Eu, como millennial que sou, já fui uma das adolescentes que faziam de tudo para ter o cabelo liso. E vendo essa nova geração cometer os mesmos erros, senti que precisava falar sobre os motivos pelos quais eu nunca, em hipótese alguma, jamais faria escova progressiva novamente.
Primeiro, eu preciso contar minha história com a escova. Eu comecei a alisar o cabelo aos 13 anos, porque antes disso minha mãe não deixava. E apesar de hoje achar que era nova demais para ter começado a alisar, eu sei que entre as meninas de cabelos crespos, o alisamento era comum aos 7 anos, ou até menos.
Desde que comecei o alisamento, mais ou menos a cada três meses, durante seis anos, eu ia até um salão para fazer a escova progressiva. Tudo que eu lembro era do cheiro muito forte, da queimação no couro cabeludo e dos olhos que ardiam com a fumaça. Na época, nada disso me preocupava muito porque, no fim das contas, o importante era que meu cabelo ficasse extremamente liso.
Acontece que essas escovas continham formol, algo super comum naquele momento, mas que é considerada uma substância cancerígena pela Organização Mundial de Saúde. Inclusive, ele é proibido em cosméticos desde 2009, o que até hoje não impede que o alisamento com formol aconteça. Eu, por exemplo, fiz escova progressiva com a substância até 2015.
Segundo a Anvisa, em uma pesquisa divulgada em 2022, 35% dos fiscais de Vigilâncias Sanitárias que participaram do estudo relataram ter constatado o uso irregular de formol em alisantes. Isso mostra que ainda é comum que mulheres continuem passando produtos que podem causar câncer apenas para ter o “liso perfeito”.
E toda essa questão ainda tem um outro lado. Durante boa parte da minha infância e em toda a adolescência, eu odiava meu cabelo natural. Eu via a escova progressiva como uma salvadora, uma ferramenta para levantar minha autoestima. O que eu não percebia era que, na verdade, era uma relação de dependência, que me causava horror cada vez que minha raiz crescia alguns centímetros.
Foram muitos anos odiando o meu cabelo como reflexo de algo que eu tinha muito forte dentro de mim: eu queria desesperadamente ser branca. E mesmo que alcançar esse ideal de beleza fosse humanamente impossível, eu tentava através do alisamento. Na minha cabeça, ter o cabelo liso significava ficar mais parecida com as minhas amigas e ser mais bonita por consequência.
Foi só quando eu entrei na faculdade de jornalismo, participei de palestras, comecei a ler sobre o movimento de mulheres negras, que eu entendi a raiz do problema. Eu passei por todo um processo até perceber que aquela escova progressiva ia muito além de um procedimento estético. Ela me destruía fisicamente por danificar meus fios e emocionalmente porque eu nunca era suficiente.
Depois que eu parei de fazer escova progressiva, meu cabelo mudou completamente - e eu não estou falando só de voltar a ser cacheado. A saúde dos meus fios ficou outra. Eu parei de ter pontas duplas, não tive mais quebra capilar intensa, as pontas ralas já não existiam e, é claro, chega de ardência no couro cabeludo. Foi muito bom ver meu cabelo saudável de verdade e não precisar me preocupar com a raiz.
Em vez de passar produtos químicos, passei a mudar meu cabelo de outras formas e as tranças foram — e ainda são — minhas melhores amigas. Já tive cabelo de todas as cores que dê para imaginar: laranja, rosa, azul, branco, loiro, vermelho (e ainda posso estar esquecendo algum).
Também já fiz só chapinha por um tempo, há uns anos atrás, e me arrependi. O alisamento térmico não é tão agressivo quanto a progressiva, mas ainda assim estou até hoje em uma transição capilar por conta disso.
Esse ano, finalmente entrei no mundo das laces. Elas, pra mim, são a melhor escolha de todas para mudar os fios porque você pode ter literalmente o cabelo da cor, curvatura e tamanho que quiser sem danificar em nada a estrutura natural. Ainda tem o bônus de você poder ser cada dia de um jeito sem nenhuma consequência capilar.
Por fim, eu sei que a gente fala muito sobre liberdade capilar, mas liberdade para mim é poder ter mil versões do meu cabelo sem precisar mexer com a curvatura dele. Eu finalmente entendi que com lace, trança, e até chapinha (com muita cautela), eu consigo mudar de forma que não agrida algo que é tão precioso para mim.
Meu cabelo representa muito mais que qualquer tendência ou vontade passageira. Ele faz parte de quem eu sou de verdade e isso, felizmente, nunca vai mudar.