A profissão do coolhunter talvez seja a que gera mais dúvidas para quem quer trabalhar na indústria da moda. Apesar de não ser exclusivamente da área de moda, está frequentemente ligada a ela, porque trabalha essencialmente com tendências. Além disso, o coolhunting é uma atividade relativamente nova, tendo surgido por volta dos anos 1990. Em tradução livre, a palavra quer dizer "caçador do cool", ou seja, alguém que procura o que vai ser considerado legal, na moda, em um futuro próximo.
Para falar um pouco mais sobre o papel do coolhunter e como se tornar um profissional da área, conversamos com a Sofia Martellini, Estrategista Sênior de Conteúdo de Fashion na WGSN, uma empresa que é referência quando se fala em identificação de tendências de comportamento e consumo e por isso tem tudo a ver com a carreira.
STL: O que é um coolhunter?
S.M.: Coolhunters são profissionais, normalmente de empresas ou times de pesquisa, que são responsáveis por identificar comportamentos e movimentos emergentes que irão influenciar o mercado em um futuro próximo.
Como você começou a trabalhar na área? Conta um pouco da sua história profissional.
S.M.: Eu sou formada em Negócios da Moda e, apesar de sempre ter me apaixonado por moda, nunca tive a aspiração de trabalhar nos campos mais criativos da indústria, como design, styling, fotografia, etc. O que me interessava na moda era justamente entender e analisar como ela é um reflexo dos tempos, da cultura e da personalidade - individual e coletiva - da sociedade. Além disso, eu sempre gostei de escrever, então via minha carreira indo para áreas ligadas a jornalismo e/ou pesquisa. Assim, ter entrado na WGSN há 10 anos me pareceu o casamento perfeito entre minhas principais aspirações, já que somos a principal empresa de pesquisa de tendências.
Porém, quando eu entrei na empresa, como estagiária, não existia um time de conteúdo ou tendências no Brasil, apenas lá fora. Foi apenas com o passar dos anos, depois de criar conexões internas e de adquirir bastante experiência com clientes, entendendo como a indústria opera, que tipo de informação eles precisam, os direcionamentos de produto que funcionam ou não no mercado e etc., que finalmente migrei para essa área.
Como é o dia a dia desse profissional?
S.M.: Sendo sincera, na maior parte do tempo acredito que o meu dia a dia seja bem parecido com a maior parte dos cargos em empresas mais criativas - essencialmente ficar atrás do computador e fazer reuniões, rs. O meu trabalho especificamente fica majoritariamente dividido entre pesquisar - o que envolve em ler e ver de tudo - de artigos a vídeos do TikTok, de desfiles a lançamentos de varejo, para então criar relatórios falando sobre as tendências que estou identificando, e como elas vão impactar o negócio dos nossos clientes.
Porém, é importante também trocar com outros profissionais para ouvir o que eles estão pesquisando e percebendo, seja em reuniões ou workshops, e experienciar as coisas 'ao vivo'. Então visitar lojas e museus também é algo que procuro fazer de tempos em tempos. Eu já fui a desfiles e cobri festivais também - uma experiência incrível. Além disso, eu também faço muitas apresentações para clientes e em eventos.
O que é necessário estudar para ser um coolhunter?
S.M.: Muitas áreas podem te levar a trabalhar com isso. Vejo pessoas que estudaram moda ou comunicação, outras antropologia e ciências sociais, há quem fez cursos de coolhunting e trend forecasting. Porém, pessoalmente acredito que não seja uma profissão que exige um currículo acadêmico muito específico, o mais importante é ser uma pessoa extremamente curiosa, que entende que é necessário olhar para diferentes indústrias e mercados - indo além daquilo que te interessa diretamente.
Como está o mercado de trabalho?
S.M.: A cultura de pesquisa, especialmente a pesquisa de tendências, é algo mais novo no mercado brasileiro. Algumas empresas de moda possuem departamentos de pesquisa há anos, mas na realidade, ainda são poucas - e além do mercado de moda é a mesma coisa. Por isso ainda é um mercado restrito, com muita gente interessada em trabalhar com isso, mas poucas vagas disponíveis. Porém, vejo essa realidade mudando nos últimos anos, e acredito que isso irá crescer nos próximos.
O coolhunter trabalha de forma autônoma ou para empresas?
S.M.: Ambos. Eu trabalho em uma empresa, porém conheço muitos profissionais autônomos nesse mercado.
Quais são os maiores desafios da profissão?
S.M.: A velocidade crescente que as coisas estão mudando é sem dúvidas o maior desafio. Se torna cada vez mais difícil se manter 100% atualizado de tudo que está acontecendo, e a busca por se manter atualizado é certamente exaustiva, assim como a sensação de que tudo é fonte de pesquisa, informação, o que nos leva a sentir que precisamos estar sempre conectados.
Além disso, é importante entender que apesar de fazer pesquisa ser algo super legal e interessante, no meu caso, eu preciso sempre me lembrar que estou prestando um serviço para outras empresas. Isso significa que a minha pesquisa tem que se traduzir em direcionamentos palpáveis, acionáveis e claros para que as empresas possam produzir produtos melhores - não basta eu apontar uma tendência, eu preciso deixar claro o que ela significa para o mercado. E isso muitas vezes é uma responsabilidade imensa - principalmente quando estou conversando com as principais marcas de moda do mundo, que irão gastar bastante dinheiro para produzir algo de acordo com o que eu estou recomendando.
Qual o segredo para construir uma carreira na área? Me diz uma dica que você daria para quem está pensando em seguir essa profissão.
S.M.: Como mencionei, é preciso olhar para além da sua área de interesse. Por exemplo, se você quer trabalhar com pesquisa de moda, não basta ler apenas sobre essa indústria, é preciso ler sobre tecnologia, meio ambiente - entendendo como as crises climáticas podem afetar a produção de fibras naturais como o algodão, por exemplo - política, economia e muito mais. Além disso, é preciso se aprofundar nos assuntos que você irá falar sobre, não basta um entendimento raso - um problema recorrente na Era da Informação é que muita gente sabe muito pouco sobre muita coisa, e sai por aí falando tudo como se fosse verdade. Tem muita gente boa na internet, mas também tem muita gente divulgando conhecimento raso, ou pior, errado. Criar um repertório de pesquisa é essencial, com fontes que você gosta e que sejam confiáveis - novamente, dos mais diversos assuntos, criados por pessoas diversas.
Indica um livro essencial para qualquer coolhunter?
S.M.: Eu pessoalmente não leio muitos livros sobre trabalho, especialmente em uma profissão como coolhunting que é muito mais sobre a prática do que a teoria. Porém, recentemente uma ex-colega de trabalho escreveu esse artigo bem completo sobre Trend Forecasting, que indico bastante para quem quer saber mais sobre o assunto na prática - especialmente para os que têm interesse em moda.
Se você tem interesse em ser um coolhunter e quer fazer cursos especializados no assunto, há alguns disponíveis em instituições como a ESPM, Senac e FMU. Há algumas versões on-line, mas em sua maioria são presenciais, porque contam com ir a campo para aprender a fazer pesquisas de comportamento.
Esse é mais um dos nossos conteúdos de carreira de moda que estão quinzenalmente aqui no STL. Com essa série de pautas, trazemos pontos de vista de profissionais de cada área dentro da indústria para ajudar quem sonha em trabalhar com moda.