Se você foi uma criança ou adolescente no final da década de 2000 e no começo dos anos 2010, com certeza vai se lembrar da terra sem lei que eram as revistas, livros, sites e redes sociais da época. Revistas de impacto nacional e internacional compartilhavam em suas capas dietas milagrosas, propagandas de remédios para emagrecer, fotos de modelos perigosamente magras, com o corpo irreal e editado em praticamente todas as páginas, e muito mais.
Crescer com acesso ilimitado a tudo isso, combinado com o surgimento da internet — que disseminava ainda mais esse discurso — moldou o meu cérebro, me fez acreditar que meu corpo não era magro o suficiente e eu desenvolvi meu primeiro distúrbio de imagem aos 7 anos de idade. Eu fui uma criança que praticamente cresceu e evoluiu junto com a internet, e hoje consigo ver claramente como isso impactou diversas áreas da minha vida, principalmente meus distúrbios alimentares. Ter um acesso tão rápido a esse discurso de que a magreza é o único caminho possível para se tornar bela me fez desenvolver distúrbios que me perseguem até hoje. Para ter uma ideia, o acesso era tão fácil que me lembro de entrar em um site que ensinava as melhores formas de vomitar depois de comer e como ingerir algodão molhado quando sentisse muita fome.
Eu era uma criança de 12 anos lendo esse tipo de informação e não tem como eu explicar para vocês o quanto isso me prejudicou — e ainda prejudica.
A minha história não é única e minha experiência não foi isolada. A onda de preocupação que se seguiu foi concreta o suficiente para ter consequências reais, produzindo debates, mudanças e até leis para proteger jovens mulheres desse culto à magreza. As coisas realmente pareciam estar melhorando, viamos corpos reais na TV e na internet, discursos de body positive surgiram e essa obsessão com a magreza e glamourização dos distúrbios alimentares parecia estar se aproximando do fim. Mas, vinte anos depois, parece que todo o furor e a preocupação foram por água abaixo, e hoje estamos vivendo um aterrorizante retorno a esses dias sombrios.
Além da verdadeira banalização do uso de medicamentos como o Ozempic, não é necessário muito tempo ‘scrolling’ no TikTok para se deparar com vídeos que reforçam todo aquele discurso apavorante que adoeceu — e até matou — milhares de garotas ao redor do mundo. A trend ‘magras, magras, magras’ já conta com mais de 15k vídeos publicados e vídeos com o título ‘a felicidade é magra’ acumulam centenas de milhares de visualizações, curtidas e compartilhamentos. Estamos, mais uma vez, colocando a obsessão pela magreza acima da saúde.
Recentemente, uma notícia chocou as redes sociais: mulheres estavam comprando ovos de tênia em sites de contrabando para emagrecer rapidamente. De acordo com diversos jornais internacionais, uma mulher de 21 anos foi diagnosticada com lesões no cérebro, fígado e língua, além de vários cistos após ingerir cápsulas contendo os ovos. A tênia é um parasita que pode causar perda de peso porque se alimenta do que a pessoa ingere. Porém, quando seus ovos entram na corrente sanguínea, podem afetar órgãos vitais, causando cisticercose. Vale pagar esse preço para diminuir um manequim?
Temo pelo mundo que minha filha encontrará, pelos padrões que ela poderá querer seguir. Acima de tudo, temo pela saúde física e mental de todas as jovens mulheres ao redor do mundo.
Depois de anos me sentindo confortável e suficiente no meu corpo, me pego duvidando de mim mesma e desejando estar sempre mais magra. Temo pelo mundo que minha filha encontrará, pelos padrões que ela poderá querer seguir. Acima de tudo, temo pela saúde física e mental de todas as jovens mulheres ao redor do mundo. Precisamos proteger e fortalecer a autoestima de todas nós.
Nosso corpo é nossa casa, é onde passamos toda a nossa vida. Não vamos passar esse tempo criticando-o ou desejando que ele seja menor. Um dia nada disso terá importância e no fim vamos desejar ter sido mais gentis umas com as outras, e principalmente, com nós mesmas.