Reptilia é uma das marcas nacionais de moda que você precisa conhecer

por Fábio Monnerat

A indústria têxtil nacional tem um papel super importante na economia do Brasil. Estamos falando do segundo maior empregador do país e do maior empregador de mão de obra feminina. 

As marcas nacionais de moda estão presentes em todos os cantos do país. São milhares de micro e pequenas empresas, grandes indústrias e costureiras autônomas que ajudam a vestir e a fazer sonhar milhares de pessoas. 

Para começar essa série de entrevistas em que vamos apresentar os novos nomes que estão ajudando a criar uma identidade de moda para o Brasil, temos a honra de receber a Heloisa Strobel da marca Reptilia, que acabou de fazer sua estreia nas passarelas da SPFW.

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Foto: Heloisa Strobel, fundadora da Reptillia (Reprodução/Divulgação)


Quem é a Heloisa Strobel?

H.S:
Uma criativa incansável! Sou uma pessoa que gosta de desenvolver produtos e ideias. Desde criança, mal me entendia por gente e já gostava de desenhar roupas. Lá pelos 12 anos passei a criar mesmo, tinha uma loja de armarinhos perto da minha casa, eu comprava aviamentos e customizava peças. Cortava, recortava, pintava e bordava - literalmente!  Minha mãe ficava maluca, porque eu estava sempre cortando vestidos, colocando frases em camisetas, e nem tudo dava certo. 

Aos 16, eu já sonhava em estudar Moda, mas por pressão familiar acabei indo para Arquitetura - o que acabou sendo a melhor escolha! Me apaixonei pela área, formei um olhar estético e funcional sobre as criações e aprendi a trabalhar nas mais variadas escalas. Meu primeiro emprego como arquiteta foi ao lado do mestre Jaime Lerner, um grande urbanista e com quem eu aprendi muito. Foi ele quem me incentivou a entrar de cabeça na Moda, pois lá mesmo eu já desenhava uniformes e roupas experimentais. Então hoje eu sou uma arquiteta-estilista.

Quem é a Reptilia e como a marca começou?

H.S
: A Reptilia é uma marca de pesquisas e experimentações. Comecei em 2011, com uma primeira coleção bastante conceitual em que eu explorava couro de peixe e tingimentos artesanais em seda. Essa coleção foi premiada no programa Brazilians to Be, e então fui convidada a apresentar as peças na Feira Who’s Next, em Paris, que apresenta novos designers para o mercado europeu. Comecei exportando drops bastante autorais para boutiques no Kuwait, na França e nos Estados Unidos. Na época, essa moda mais autoral, mais de vanguarda, era melhor entendida fora do Brasil. Nos anos seguintes passei a me dedicar mais ao mercado nacional, entendi que era preciso fomentar e informar o público, para que as pessoas pudessem entender esse tipo de trabalho. 

Em 2015 abri minha primeira loja-ateliê em Curitiba, e assim vim participando do crescimento da moda local e autoral junto das pessoas. Formei uma base de clientes e isso foi proporcionando expansão. Em 2019 passamos a integrar o line-up da Casa de Criadores, em 2021 abrimos a loja conceito na Mateus Grou, em São Paulo, e em 2024 estreamos na São Paulo Fashion Week.

Minhas peças atendem pessoas, atendem corpos e o que esses corpos fazem no mundo real.

Como é o processo de criação. E como equilibrar o conceitual com o comercial?

H.S
: O processo de criação começa de forma muito interna, íntima, pessoal. Trago questionamentos meus e me deixo contaminar por inspirações fora da moda - gosto de olhar para a arte, tenho muitos amigos artistas, e também para a música e para a literatura. Me interesso por política e pelo que acontece nas ruas. Na última coleção, "Indelével", eu trouxe algumas ideias do livro “A Redoma de Vidro”, da Silvia Plath, que fala muito da condição feminina e da passagem do tempo. São temas que me pegam.


A partir desse fluxo de ideias e sentimentos, estabeleço conceitos chave como transparência, estrutura, organicidade, e então trabalho uma cartela de matéria-prima. Diferentemente da maioria dos estilistas, não começo desenhando, mas sim pesquisando a matéria-prima. É ela então que vai me dar a forma, as possibilidades, os desenhos. Só depois de ter os tecidos em mãos é que eu começo a desenhar, estudar, esboçar. Como arquiteta, gosto de começar a modelagem no plano, então faço primeiro na mesa (agora no computador) e depois passo a explorar essas primeiras formas no manequim. 

É justamente por ter o fundamento da forma e da função, que são duas coisas que andam juntas na boa arquitetura, que quando eu penso uma roupa, eu penso na estética e na funcionalidade. Tudo que eu crio precisa ter uma funcionalidade para se justificar, e acredito que aí reside o equilíbrio entre conceitual e comercial. Minhas peças atendem pessoas, atendem corpos e o que esses corpos fazem no mundo real. Como designer, acredito que o conceitual só pode existir se houver uma função por trás dele. Então as peças da Reptilia são conceituais nas formas, mas carregam sempre uma função, e isso as torna comercialmente viáveis. 

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Foto: Rosa Saito para Reptilia (Reprodução/Instagram)

Uma marca no mundo de hoje não faz apenas produtos, ela precisa ter responsabilidade e respeito pelas pessoas e pelo planeta. Como você trabalha todos esses pontos na Reptilia?

H.S: Eu tenho uma agenda de consciência ambiental na marca. Desde o modus operandi, dentro do sistema slow fashion, até o nosso compromisso com o desperdício zero, todas as etapas são pensadas no melhor impacto. Hoje falo muito em melhor impacto, uma vez que quando criamos um produto, colocamos ele no mundo, algum impacto haverá. Mas que esse impacto seja o melhor para todos os agentes envolvidos. Isso vai desde a pesquisa têxtil - indo a fundo na matéria-prima, conhecendo fornecedores, visitando fábricas e avaliando processos - até as etapas de corte, costura e finalização. Tudo isso tem que ser ético e ambientalmente correto. 

E o ciclo se fecha quando usamos todos os resíduos. Porque essa é a responsabilidade do designer: criar e solucionar o que sobra da sua criação. Ouvi esses dias que “o lixo é um erro de design” e acho que isso se aplica perfeitamente na criação de produtos de moda. Não podemos ter sobras e precisamos solucionar todos os descartes - desde a fabricação até o fim da vida útil de uma peça. Na Reptilia, fazemos peças feitas para durar e, por isso, é comum ver nossas criações sendo revendidas em brechós e sites de usados. Temos a opção de receber em loja as peças que os clientes não querem mais, porém isso nunca acontece. Vemos elas sendo passadas para outras pessoas.

Como você enxerga o cenário atual da moda no Brasil? E quais os maiores desafios?

H.S: Eu sou bastante otimista e vejo a boa moda avançando muito no Brasil hoje. Nunca vimos tantos criadores autorais, bons produtos circulando, design de excelência, pesquisas e produtos que exploram a brasilidade e as potencialidades de nossos materiais, nossa expertise e nossa cultura. Agora em abril vimos nas passarelas marcas nacionais de moda, como a da Catarina Mina, cheia de manualidades e processos históricos, as criações do Maurício Duarte, que é um criador indígena, a irreverência colorida da Amapô, o design arquitetônico e desejável da Reptilia, a pesquisa de modelagens do Igor Dadona, a celebração do interiorano com a Misci… Acho que nunca se falou tanto em uma moda originalmente brasileira como agora. 

Claro que como qualquer indústria no Brasil, os desafios são inúmeros. Desde a falta de estrutura para circular materiais em produtos em um país continental, até a falta de incentivo financeiro para esses criadores. Ainda há uma lacuna entre a grande indústria e essas marcas, mas aos poucos ela vem sendo e será cada vez mais preenchida. É preciso conectar grandes agentes com esses novos criadores.

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Foto: Janja Lula vestida com a jaqueta da Reptilia (Reprodução/Instagram)

me surpreendi muito quando recebi a primeira visita da Janja na nossa loja da Mateus Grou e ela amou todas as peças.

Você já vestiu Janja Lula e outros famosos. Quem você gostaria muito de ver usando peças da Reptilia?

H.S: Nunca projetei colocar a marca em pessoas importantes e procuro não criar expectativas, pois o vestir é uma coisa muito pessoal - às vezes aquela pessoa que você admira pode não se identificar com o estilo da marca. Por isso me surpreendi muito quando recebi a primeira visita da Janja na nossa loja da Mateus Grou e ela amou todas as peças. Foi uma conexão natural, ela se identificou com os nossos conceitos de melhor impacto, se interessou muito pela jornada da marca em todos os processos. Ela é uma pessoa interessada, faz perguntas, quer saber detalhes, se aprofunda na pesquisa. Isso é uma característica do nosso público: são pessoas que vão a fundo e buscam um significado para aquilo que vestem. 

Essa coisa empoderada de vestir o que quiser acaba caracterizando outras pessoas fortes que usam Reptilia, como Flora Gil, Criolo, Natuza Nery, Regina Casé, Seu Jorge… Uma pessoa que eu ainda sonho em vestir é a Fernanda Montenegro. Eu admiro muito as pessoas que fazem o Brasil crescer como potência cultural.

Os seus estilistas favoritos são?

H.S: Procuro não olhar muito para as criações de outros estilistas para não colocar limitações no meu trabalho, principalmente nomes de fora do Brasil, onde as possibilidades técnicas são muito diferentes. Dito isso, gosto de conhecer o que outros estilistas pensam, suas histórias de vida, o que os motiva e como eles lidam com desafios. Por isso estudei muito a biografia da Elsa Schiaparelli, acompanho o trabalho e as ideias do Dries Van Noten e dentro do Brasil tenho o privilégio de conviver com criadores e criadoras que admiro muito, e com quem posso trocar sempre - Isa Isaac Silva, Airon Martin, Jal Vieira, Day Molina, Luan Valotto, Diego Malicheski. Tem uma estilista que sempre me provocou muito, e que infelizmente eu não pude conhecer pois partiu muito cedo, que é a Clô Orozco.

Um momento decisivo para sua carreira foi?

H.S: Ter vindo para São Paulo em plena pandemia e ter visualizado o futuro ao abrir a loja da Reptilia na Mateus Grou. Num período de incertezas e tristezas, resolvi apostar na única coisa que realmente me motivava a prosseguir. Foi uma escolha difícil, num período difícil, mas, meses depois, quando outros criadores vieram para o mesmo lugar, tive certeza de que dei o passo certo.

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Foto: Reptilia, SPFW N57 (Reprodução/Divulgação)

Quais os sonhos e os próximos passos da Reptilia?

H.S: Depois da estreia na São Paulo Fashion Week, nosso plano é dar continuidade para atender o crescimento que nosso público pede. Ganhamos muitos fãs, a procura nas lojas cresceu muito, e hoje é um desafio atender a tudo isso dentro da nossa estrutura slow fashion. Tenho trabalhado para que esse crescimento aconteça preservando os pilares de qualidade, excelência, ética e consciência sócio-ambiental que nos trouxeram até aqui. Se há 10 anos comecei a marca buscando apresentar um modelo de negócios que pudesse ser inovador e disjuntivo, hoje quero mostrar que esse modelo pode crescer e ganhar escala. 

Uma vez que isso aconteça, os próximos passos são a abertura de novos pontos em capitais - temos um grande público no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Brasília - e o retorno para a internacionalização. Roupas como as da Reptilia, que aliam qualidade de materiais e acabamentos à um design forte e desejável, moderno, arquitetônico, são muito queridas lá fora, já tivemos essa experiência antes e a aceitação foi fantástica.

Onde encontramos a marca?

H.S
: Nossa loja conceito na Mateus Grou reúne todas as coleções da marca, peças únicas, criações de desfiles e possibilidades de encomendas especiais e peças sob medida. Em Curitiba, nossa cidade natal, temos agora um corner dentro da multimarcas Namix, e também estamos na Fashion and Arts em Londrina e em Maringá. Nosso site atende todo o Brasil em
www.reptilia.shop - lá tem um chat bem especial que conecta clientes com nossa equipe de vendas, e isso transforma a experiência online em uma experiência de loja.

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