“Tá todo mundo na Europa, menos eu”. Ouvi essa frase de uma amiga que tinha acabado de sair da casa da mãe para morar sozinha, mobiliado a casa do jeito que queria, tudo caminhando de acordo com sua vida financeira.
Percebi que ela estava se sentindo um alien não pela rotina exaustiva que é manter a casa em ordem, mas por não estar na Europa como todo mundo no feed dela. Não fiquei surpresa porque eu, você e ela sabemos que muitos dos nossos incômodos são frutos da vida perfeita postada no Instagram. Não é de hoje que achamos que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa. Compartilhamos a sensação de ter ou estar fazendo algo errado, quase como atrasados numa corrida que o capitalismo inventou inventamos.
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Para alguns, esse incômodo vai ser rotulado como “reclamar de barriga cheia”, mas chamo atenção para o fato do nosso olhar estar treinado em mirar sempre o próximo passo, na próxima conquista, quase nunca para onde estamos. Particularmente, não estou isenta do efeito comparação com a vida alheia. Mas eu sei que a vida fica muito infeliz quando o reconhecimento e o sucesso estão condicionados sempre para a próxima conquista.
A gente anda perdendo a capacidade de comemorar nossos próprios avanços, sejam eles mais ou menos ambiciosos. A ambição é saudável quando serve de combustível para nossos movimentos, mas qual limite entre saber o que é suficiente e o que é falta de ambição? A gente quer sempre mais experiências, sem aceitar que é impossível abraçar todas elas.

Dia desses, lendo o livro da Ana Suy, psicanalista, me deparei com a frase “desejo é desejo de ter desejo”. Depois da viagem para Europa certamente virá outra viagem. Ou pode até não ser outra viagem, mas certamente será outra coisa tão interessante ou até melhor que viajar.
Nossa angústia não mora na Europa, mas na dificuldade em aceitar a finitude das coisas: não teremos tempo para tudo, nem dinheiro, nem energia. Nossos desejos são infinitamente maiores que nossos recursos. A ansiedade não está só nas coisas que não realizamos, mas principalmente nas escolhas que estamos fazendo, porque se estamos fazendo-as, nós, automaticamente, estamos abrindo mão de todas as outras.
Numa vida financeira saudável é a mesma coisa, tentaremos deixar os nossos julgamentos morais e sociais de lado. Não há problema em querer ter o carro do ano, o último iphone ou morar na casa dos sonhos, mas é importante que a gente compare e avalie se estaremos abrindo mão de outras escolhas tão importantes ou mais interessantes quanto elas.

Mesmo que a gente não perceba, nosso dinheiro também perpassa por nossas conquistas, experiências e escolhas. Talvez nos falte olhar para nossa vida financeira com o mesmo deslumbramento que enxergamos a grama do vizinho.
É um desafio, mas precisamos encarar o desejo de frente: esta prioridade é minha ou do outro? Caso a gente não priorize e não consiga lidar com o desconforto de não conseguir abraçar o mundo, é bem provável que essa próxima experiência, esse próximo passo que a gente acredita estar fazendo, vire uma grande rasteira amanhã.