História da moda: Maison Alaïa

por Beta Weber

Shapes bodycon que esculpem a silhueta e transformam o corpo em escultura. A frase pode soar clichê, mas não deveria. Poucos merecem essa descrição tanto quanto Azzedine Alaïa e sua Maison Alaïa. O nome nunca esteve tão em alta. Mesmo após a morte do fundador em 2017, seu legado continua vivo através de Pieter Mulier, atual diretor criativo da maison. 

Apesar de ser uma referência inescapável quando o assunto é moda, e de marcar presença na cultura pop (quem não lembra de Cher Horowitz dizendo que seu vestido era um Alaïa?), nem todo mundo conhece a história por trás. 

A seguir, a gente conta tudo o que você precisa saber sobre a Maison Alaïa.

Um estilista segura uma peça de tecido branco próximo a um manequim, analisando o material. Alaïa
Foto: Azzedine Alaïa (Reprodução/Instagram)


a origem da Alaïa

Azzedine Alaïa nasceu na Tunísia entre 1935 e 1940. A idade exata é um mistério nunca revelado por ele. Estudou escultura na Escola de Belas Artes de Túnis, atraído desde cedo pelas curvas do corpo humano. Logo percebeu que não se tornaria escultor, pelo menos não do tipo tradicional. Mas a precisão técnica que aprendeu ali se tornaria sua maior ferramenta.

Na juventude, teve acesso a revistas de moda e encontrou ali uma nova fixação. Ainda no país de origem, passou a copiar modelos de grandes estilistas franceses para clientes locais. Estudava cada peça exaustivamente, e foi nesse período que se encantou pelo trabalho de Cristóbal Balenciaga, influência que o acompanhou por toda a carreira.

Ele deixou sua terra natal em 1957 e se mudou para Paris, onde trabalhou em diversos ateliers, como Christian Dior, Guy Laroche e Mugler. Em 1964, fundou sua própria marca. No final dos anos 70, abriu um pequeno atelier para atender clientes que iam de socialites a celebridades como Greta Garbo. Em 1979, assinou figurinos para o icônico cabaret Crazy Horse e, ao longo dos anos, também desenhou para óperas e ballets. Em 1981, a Maison Alaïa apresentou sua primeira coleção oficial.

Estilista em pose confiante ao lado de modelo vestindo um elegante vestido branco Alaïa com capuz e costas abertas.
Foto: Azzedine Alaïa (Reprodução/Instagram)

os valores e os códigos

Há quem considere Azzedine Alaïa o último grande costureiro. Nunca integrou o circuito oficial da alta-costura, mas suas roupas sempre habitaram esse nível de exigência. Sua independência, frequentemente interpretada como teimosia, o manteve à parte do sistema.

Desde o início, se recusava a seguir o calendário tradicional de coleções. Em 1992, estabeleceu sua regra: as coisas ficam prontas quando ficam prontas. Nunca apressava o processo. Sua maior preocupação era, sempre, a forma. Enfatizá-la com malharia que emoldura ou transformá-la com volume. Suas roupas são um exercício de precisão.

Tendências eram solenemente ignoradas. O compromisso era com o aprimoramento técnico, incansavelmente, até encontrar uma nova variação. A criação não precisava de novidade, mas de refinamento.

Para Alaïa, o tempo não existia. Por isso, suas roupas também não pertenciam a época nenhuma. A rebeldia contra o formato sazonal e a dedicação a variações sobre o mesmo tema nunca foram um posicionamento performático. Eram parte de um foco muito claro: a mulher que vestia suas peças. Não é à toa que suas criações agradam mulheres de todas as idades e biotipos. Celebrar o feminino sem reduzi-lo a estereótipos era seu superpoder.

“Eu faço roupas. Mulheres fazem a moda.” Para Alaïa, o corpo feminino era um território de liberdade. Suas roupas não buscavam corrigir, esconder ou dominar — apenas exaltar. A sensualidade era construída a partir da confiança, nunca da imposição. Em sua visão, moda era uma forma de afeto, não de controle.

Curiosamente, um de seus primeiros “trabalhos”, aos 10 anos de idade, foi como auxiliar de uma parteira, ajudando-a durante o parto de várias mulheres.

Vestidos elegantes em tecido drapeado, refletidos sobre uma água calma, com fundo urbano noturno. Alaïa
Foto: Alaïa (Reprodução/Instagram)

as marcas registradas

Ele amava trabalhar em monocromático, especialmente em preto, já que seu principal objetivo era sempre a forma. A cor ajudava a enfatizar a estrutura e a construção de cada peça. Seu uniforme pessoal era o reflexo dessa filosofia: pijama de seda chinesa, obviamente preto, e chinelos.

Um contraponto sensorial à sobriedade do preto era o tom de rosa-claro, blush pink, usado nas embalagens da maison e no interior de muitas das peças. Um detalhe íntimo, quase secreto.

A precisão dos cortes e o rigor das formas são indissociáveis da identidade Alaïa. O perfeccionismo era parte de sua personalidade. Ele não parava até se sentir satisfeito, e quase sempre era ele mesmo quem cortava, costurava, ajustava, moldava. Até o fim da vida, Azzedine Alaïa fazia seus próprios moldes. E treinou seus ateliers com o mesmo nível de exigência.

Pessoa usando um casaco de couro escuro com capuz e luvas, em uma rua urbana. Estilo remete à marca Alaïa.
Foto: Alaïa (Arthur Elgort)

A inovação estava nos detalhes. Usava materiais inusitados com maestria. A pele de crocodilo, notoriamente difícil de trabalhar, era explorada com destreza. Mas os favoritos sempre foram o tricô e o couro.

Jovem sorrindo em vestido Alaïa rendado e branco, posando confiante de lado.
Foto: Alaïa (Reprodução)

A padronagem Vienne, recortada a laser, inspirada na arquitetura moucharabieh e nas geometrias rendadas do Oriente, tornou-se uma de suas assinaturas visuais mais reconhecíveis.

Vestido longo preto com linhas diagonais prateadas e cauda, estilo sofisticado inspirado em Alaïa.
Foto: Vestido de zíper Alaïa (Pinterest)

A silhueta ajustada virou sinônimo de seu trabalho e rendeu a ele o apelido de king of cling. Sua visão foi fundamental para definir o power dressing dos anos 80, década em que a grife ganhou relevância global.

A pureza da alfaiataria, o corte trapézio, a cintura marcada são pilares traduzidos com frequência. Os cintos do tipo corselet, e peças elevados por zíperes, tachas e ilhós além de detalhes vazados são outros pontos integrais.

Vestidos como Houpette, Skater e Zipper, junto com suas variações, ajudaram a fixar sua estética em definitivo no imaginário coletivo.

Modelos posam juntas em roupas com estampa de leopardo, transmitindo elegância e estilo Alaïa.
Foto: Alaïa (Pinterest)

Estampas raramente faziam parte do repertório, exceto pelo animal print — em especial a onça. A coleção de outono/inverno 91–92, com uma sucessão de looks de oncinha dos pés à cabeça, é inesquecível.

Pessoa ajustando vestido Alaïa roxo elegante em modelo, com capuz e detalhes frontais.
Foto: Grace Jones e Azzedine Alaïa (Pinterest)

a família Alaïa

Entre suas musas estavam Grace Jones, Tina Turner e modelos como Stephanie Seymour, Cindy Crawford e Naomi Campbell. Com Naomi, a relação era quase paternal. Alaïa a acolheu ainda aos 16 anos, oferecendo não só hospedagem durante suas estadias em Paris, mas também um senso de família.

Aliás, família era palavra-chave para o tunisiano que amava acolher e receber. Frequentemente organizava banquetes no próprio atelier, muitas vezes preparados por ele mesmo, onde recebia amigos, clientes, sua fiel equipe e seus inseparáveis cachorros com almoços e jantares regados a couscous.

Modelo desfila com corset e leggings brancos da coleção Alaïa, fundo com cortinas neutras.
Foto: Alaïa (Vogue Runway)

a trajetória

Em meados dos anos 90, se ausentou dos holofotes por motivos pessoais, trabalhando discretamente direto de seu atelier apenas em peças sob medida.

Em 2000, Azzedine fez uma parceria com o grupo Prada que durou sete anos. Durante esse período, o estilista nunca abriu mão do controle criativo da marca. A colaboração era voltada à expansão comercial e estrutural, especialmente nas áreas de distribuição e produção. Em 2007, ele comprou sua marca de volta. No mesmo período, fechou um acordo com o grupo suíço Richemont, até hoje proprietário da Maison.

a fundação

Localizada no coração do Marais, em Paris, a casa onde Azzedine morava e mantinha seu atelier abriga hoje a Foundation Alaïa. O prédio, um antigo armazém industrial do século XIX, foi reformado por ele para funcionar como espaço criativo e social.

É ali que está seu extenso acervo pessoal. Alaïa tinha o hábito de colecionar criações de grandes nomes da moda, dos mais celebrados aos menos conhecidos. Nos arquivos, estão peças de Jean Dessès, Lucien Lelong, Madame Grès, Jacques Fath, Paul Poiret, Elsa Schiaparelli, Madeleine Vionnet, Chanel, Cristóbal Balenciaga, Mugler, Adrian, entre muitos outros. Sua intenção era clara: preservar a genialidade desses talentos, tanto para estudo quanto para a posteridade.

Suas décadas favoritas eram os anos 30, 40 e 50. Mas a curiosidade de Alaïa não parava no passado. Seu acervo também inclui criações de Yohji Yamamoto, Jean Paul Gaultier, Martin Margiela, Rei Kawakubo e Rick Owens.

Além disso, por mais de 40 anos, ele guardou obsessivamente um exemplar de todas as suas próprias criações, inclusive protótipos que nunca chegaram a ser produzidos. O resultado é um legado de mais de 25 mil peças. Com exposições sazonais, a fundação é aberta ao público e um verdadeiro tesouro para quem ama moda e quer aprender com sua história.

Sua obra também já foi exibida em instituições como o MET, o Musée Galliera e até na Galleria Borghese, em Roma, onde foi o primeiro estilista a ser exibido ao lado de obras-primas do período renascentista de Caravaggio e Bernini.

Homem em perfil abraça um cão preto, ambos em um cenário escuro. Ele usa uma pulseira estilo Alaïa.
Foto: Pieter Mulier (Reprodução/Instagram)

a fase atual

Ao contrário da maioria dos diretores criativos à frente de grandes maisons, o cargo na Alaïa foi o primeiro de Pieter Mulier na direção criativa. O belga havia passado mais de duas décadas como braço direito de Raf Simons, primeiro na Jil Sander, depois na Dior, e por fim na Calvin Klein.

Formado em arquitetura, Mulier trouxe para a maison um olhar que respeita a construção como princípio. Sua abordagem parte da estrutura, da tridimensionalidade, da relação entre corpo e volume, algo que dialoga diretamente com a obsessão de Alaïa pela forma.

Em 2021, alguns anos após a morte do fundador, veio o convite da Richemont. Mulier aceitou o desafio, consciente do peso simbólico de ocupar aquele posto. Desde então, sua capacidade de honrar os códigos da casa enquanto introduz modernidade, sem trair os valores essenciais da marca, vem se provando um acerto.

Os desfiles, muitas vezes realizados fora do calendário oficial, mantêm a lógica independente da maison. São íntimos, controlados e sempre pensados como experiência. Alguns ocorrem na própria Fondation, outros em espaços arquitetonicamente marcantes, como o Guggenheim, em Nova York.

Vestido branco elegante Alaïa pendurado em cabide em ateliê, refletindo estilo sofisticado.
Foto: Alaïa (Reprodução/Instagram)

O designer continua a tradição da marca de operar fora da lógica midiática barulhenta. Há pouca ou nenhuma promoção exagerada, poucas entrevistas, nenhuma presença performática. Isso fortalece a ideia de que as roupas falam por si, algo cada vez mais raro no contexto de moda atual.

O tino comercial também se mostra afiado. A bolsa Le Teckel, com seu formato comprido que remete ao dachshund (ou “cachorro salsicha”, em francês), virou hit. As sapatilhas vazadas se tornaram febre e fonte constante de cópias, assim como as versões enfeitadas por tachas. No quesito acessórios, o modelo Coeur, em formato de coração, também viralizou.

Um casal elegante desce escadas vermelhas sob um guarda-chuva preto durante chuva leve. Alaia
Foto: Rihanna e A$AP Rocky (Getty Images)

O sucesso é visível nas vendas e nas celebridades que vêm demonstrando seu apoio, entre elas Zendaya, Miley Cyrus e talvez a maior entusiasta, Rihanna, que acabou de usar mais um modelo da maison no festival de Cannes.

Você já conhecia a história da marca?