Couro X casas de luxo: a delicada relação entre marcas de moda e o uso de pele animal
As discussões em torno sobre o uso de couro e pele animal e consumo ético no mundo da moda é muito mais abrangente do que imaginamos. Devemos nos questionar sobre os limites de até onde a tradição e identidade enraizada de determinadas marcas de moda batem de frente a questões éticas e sustentáveis, muito necessárias no mundo atual.
Não é de hoje que muitas marcas de moda optaram por cessar o uso total de pele animal de suas produções, levando em consideração o é considerado luxo para as novas gerações, mas algumas delas ainda insistem em reiterar o discurso de que tais práticas fazem parte de seus legados. Em partes, toda essa resistência é entendível, uma vez que a ideia do uso de couros legítimos e peles foi estabelecida como um padrão de luxo e exclusividade, mas isso é realmente necessário? Vem saber mais:
Pense conosco, tudo é mutável, inclusive o que se considera luxo. Hoje, para grande parte das marcas de alta moda mundiais, a utilização de matérias primas de origem animal, principalmente couro e pele, se tornou obsoleto e ‘fora de moda’. Podemos dizer que esse movimento se deve pela busca cada vez mais intensa por parte do consumidor final, que passou a adotar a sustentabilidade como um estilo de vida. Mas a visão de tais marcas em relação ao mundo e ao mercado também está se transformando. Novas práticas e materiais visualmente parecidos com pele animal e ao couro passaram a ser adotados, visando acabar com a crueldade animal.
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No começo desse mês - fevereiro de 2022 -, por exemplo, mais duas grifes de luxo, Moncler e Dolce & Gabbana, anunciaram oficialmente a proibição do uso de pele e couro animal em seus produtos, aumentando a lista de marcas contra a crueldade animal. Uma das responsáveis pela nova onda de conscientização fashion foi a italiana Gucci, que em 2016 fez o anúncio da descontinuidade do uso de couro e pele animal em seus itens, e no ano seguinte veio a público declarar que tais materiais eram desatualizados e démodé, o que gerou uma enxurrada de marcas que também passaram a adotar tais práticas em suas políticas. E alguns anos depois, mais precisamente em setembro de 2021, a detentora da casa italiana, o grupo Kering, adotou a política de banimento do uso de peles e couro para todas as marcas do conglomerado, nas quais a francesa Saint Laurent e a italiana Brioni eram as únicas que ainda usavam os materiais.
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Apesar de ser uma tendência de mercado super atual, esse é um debate muito mais antigo e complicado do que você imagina, no qual até chegar ao ponto em que estamos atualmente, onde a decisão voltada para preceitos de sustentabilidade de descontinuar o uso de peles e couro animal é cada vez mais aderida, já gerou inúmeros protestos por parte de ativistas que visam os direitos dos animais e resoluções governamentais de proibição do uso desses materiais - o estado da California proibiu a comercialização de produtos fabricados pele animal em 2019, enquanto Israel baniu a totalmente tal prática no ano passado, 2021. Mas ainda assim, existem marcas que persistem em empregar esses materiais em seus produtos. A partir de uma análise, realizada pelo site especializado em moda, BoF - Business of Fashion -, em vinte e cinco das principais marcas de moda de luxo mundiais, “apenas sete ainda não anunciaram oficialmente a proibição de peles. Quase metade proclamou seu compromisso de abandonar o material nos últimos cinco anos.”
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A luta contra o uso de couro e pele animal começou a ter destaque por volta dos anos 80 e 90, onde grupos ativistas como o PETA - People for the Ethical Treatment of Animals -, deram força a movimentos contra a crueldade animal, pressionando e conscientizando grandes marcas a adotarem tais práticas. Um dos exemplos mais conhecidos no universo fashion, foi o da marca britânica Stella McCartney, que desde seu lançamento prega ideais de moda ativista e cruelty free. Dentre as grifes da lista apoiadoras da causa, estão: Calvin Klein, Tommy Hilfiger, Ralph Lauren, Michael Kors, Burberry, Prada, Versace, Bottega Veneta, Balenciaga, Chanel, entre outras. Grandes marcas varejistas como, Nordstrom, Selfridges e Macy's Inc, também fazem parte da relação.
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Embora exista toda essa discussão e tomada de consciência por parte tanto dos chamados humanos éticos quanto das marcas com visão de desenvolvimento sustentável, algumas casas ainda se baseiam na proposição de legado e tradição da marca, onde afirmam que o uso dessas matérias-primas faz parte da identidade intrínseca da etiqueta, ou seja, como uma marca registrada. Então, para minimizar as possíveis repercussões negativas em torno dessa escolha e indo contra a ideia do novo luxo - busca por inovações tecnológicas e matérias alternativas -, as grifes que ainda usam pele animal e couro em suas criações, como Fendi, Louis Vuitton e Dior, alguns grande nomes do conglomerado LVMH, também se utilizam do discurso da sustentabilidade, mas a partir do viés do consumo consciente e de peças muito duráveis, cadeias de suprimentos rastreáveis e éticas, e do material ser biodegradável. Mas vale lembrar que o conceito de sustentabilidade é muito mais amplo, envolvendo desenvolvimento socioeconômico aliado à preservação ambiental e direitos humanos, por tanto, se basear em somente preceitos que convém, não são exatamente boas práticas.
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